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Até a Constituição Federal de 1967, não havia clareza nos limites semânticos possíveis para o uso das normas gerais. Explica Alcides Jorge Costa, em palestra sobre o tema das Leis Complementares, proferida no VI Congresso Nacional de Estudos Tributários, que o conceito de normas gerais foi introduzido pelo legislador constituinte de forma a acomodar o pleito de Aliomar Baleeiro, que intencionava

112 BARRETO, Paulo Ayres. Revista de Direito Tributário nº 116. Malheiros Editores, XXV Congresso Brasileiro de

Direito Tributário – 2011, p . 40.

maior autonomia do Direito Financeiro. Isso porque este pretendia que fosse alçado ao status constitucional as “normas de direito financeiro”.

Dado o problema da centralização do poder nas mãos da União, uma vez que em tese tudo poderia ser de competência da União, o Congresso teve por bem inserir o adjetivo “gerais” às normas, criando, então, um problema do limite semântico do termo “normas gerais”.

O debate centrava em torno de duas vertentes: Aqueles com uma visão mais contralizadora da União entendiam as norma gerais, como um conceito mais amplo do que aqueles que a entendiam como uma posição equalitária entre os Entes Federativos. Portanto, tínhamos a seguinte redação:

Art 5º – Compete à União: XV – legislar sobre:

b) normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; e de regime penitenciário;

Com a Constituição Federal de 1967, já incluída a Emenda Constitucional 01/1967, alterou-se a redação do artigo acima, incorporando a necessidade de haver Lei Complementar para tratar sobre matéria tributária, tanto para tratar sobre normas gerais, conflitos de competência entre os Entes e regular limitações do poder de tributar.

Art. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir: § 1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sôbre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar.

A partir dessa redação, claramente percebe-se o interesse do legislador em centralizar para a esfera da Lei Complementar, as normas tributárias que anteriormente eram dispostas pelos Estados e Municípios. Duas vertentes se formaram. Uma dicotômica, que entendia o papel da Lei Complementar limitada a

conflitos de competência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que regulará as limitações constitucionais do poder de tributar; e outra tricotômica, incluindo-se nesta a possibilidade de dispor sobre normas gerais, ou seja, a hipótese de incidência da norma.

Com a publicação da Constituição Federal de 1988, as normas gerais foram melhores explicitadas nos seguintes termos:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

Reprisamos aqui os comentários de Lucas Galvão de Britto sobre o papel da Lei Complementar na Constituição Federal:

É possível identificar, em meio à redação ao menos duas passagens em que as disposições da lei complementar poderiam auxiliar o intérprete no estabelecimento do lugar do tributo: ao dispor sobre conflitos de competência (inciso I) e sobre a definição dos fatos geradores (inciso III,“a”).114

Temos, então, que nos incisos as normas gerais passaram a ter sob sua guarda definição de tributos e de suas espécies, respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários, colocando por terra a corrente dicotômica.

114 BRITTO, Lucas Galvão de. Dissertação de mestrados. Tema: O Lugar e o Tributo – Estudo sobre o critério

Assim, nas palavras de Alcides Jorge Costa, o que temos disposto no Código Tributário Nacional são efetivamente as regras gerais em direito tributário.

Ao analisarmos o § 2º do artigo 43 Código Tributário Nacional, inserido pela Lei Complementar 104 de 2001, o qual dispôs a possibilidade de disposição em lei ordinária sobre a definição do momento da disponibilidade para fins de incidência do Imposto de Renda, temos:

“§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.”

Daí a questão a debater: A determinação de disponibilidade jurídica ou econômica de renda, no caso dos lucros auferidos no exterior por investidoras brasileiras poderia ser feita por lei ordinária no atual sistema jurídico brasileiro?

Entendemos que não. Isso porque quando o legislador complementar determinou que a lei (lei ordinária) estabelecerá as condições e o momento que se dará sua disponibilidade, o legislador acabou por transferir a possibilidade de que tal matéria pudesse ser regulada por quorum distinto do que previsto no artigo 146, da Constituição Federal, qual seja a materialidade e o aspecto temporal do tributo.

Seguimos a corrente tricotômica fundamentada no entendimento ditado pelo texto constitucional, o qual define que somente lei complementar pode alterar conteúdo que trate sobre fatos geradores, base de cálculo, contribuintes, decadência, prescrição, dentre outros.

Acreditamos, portanto, que seja de cabimento também debater se a comando da Medida Provisória 2.158/2001 tratou de lei norma específica ou norma geral. Isso porque tal comando tratou da questão da disponibilidade jurídica ou econômica, matéria regulada exclusivamente por Lei Complementar. Essa delegação fere os princípios da segurança jurídica e da legalidade por não obedecer o comando constitucional em vigor.

Tácio Lacerda Gama tece os seguintes comentários sobre o tema:

“Fosse isso possível (delegação de competência), não seria rígido o sistema e de nada valeriam as atribuições de competência. Eis a razão de ser esta uma característica sobre a qual não persistem maiores divergências.”115

Nesse sentido, também, é a posição do STF quando se posicionou sobre a impossibilidade de lei ordinária alterar o prazo decadencial das contribuições previdenciárias de cinco para dez anos.

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica.

II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias. III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes.

IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69.

V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento”.

No mesmo sentido, menciono os seguintes julgados, entre outros: RE 559.943/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 502.648-AgR/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa; RE 556.664/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes.

Vimos, então, que é o texto maior que determina que a lei complementar estabelecerá definições da base de cálculo e de fato gerador (disponibilidade jurídica ou econômica), ou seja, o aspecto material, temporal e espacial do reconhecimento da receita.

Pela óptica temporal, o legislador definiu dois momentos possíveis para retratar a incidência do tributo sobre a renda. Nesse período de tempo é que serão medidas as mutações patrimoniais de uma pessoa.

Quando tais mutações resultam positivas, haverá, em regra geral, a incidência do tributo. Caso negativa, esse resultado poderá ser utilizado em períodos posteriores. Para fins de determinação das bases de cálculo do Imposto de Renda, determinou o legislador que o contribuinte pode escolher diversos critérios. Dentre eles estão os resultados anual e trimestral.

Nesse sentido, o resultado é obtido pelo confronto de receitas e despesas da pessoa que os auferir. Há diferenças entre a metodologia de cálculo das pessoas física e jurídica. Como nosso interesse é debater a possível incidência dos tributos sobre a renda incidentes sobre auferidos os lucros e dividendos pagos por investimentos situados no exterior, passaremos somente a tratar da pessoa física e da pessoa jurídica optante pelo lucro presumido se tais aspectos forem importantes para a compreensão do tema.

Para fins de determinação desse lucro de uma empresa, devem ser confrontadas as receitas auferidas com os gastos necessários para sua realização, de forma que esse será o resultado da atividade da empresa. Tais receitas e despesas vão sendo acumuladas no curso das atividades empresariais de uma determinada pessoa, que em função do regime escolhido realizará cortes em sua contabilidade de modo que seja refletido somente o período de tempo escolhido para a mensuração do resultado de suas atividades.

Assim, se escolhido o regime trimestral, somente deverão ser levados em consideração os ingressos e seus respectivos gastos incorridos dentro do trimestre. Nesse sentido, indaga-se em que momento uma receita deva ser reconhecida.