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Com o objetivo de entendermos o conceito de renda e outros proventos assim determinados no Código Tributário Nacional, trataremos de estudar seus artigos de 43 a 45.

O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza está inserido na seção IV desse código. Tal seção está contida no capítulo III, que tem como tema os impostos sobre o Patrimônio e a Renda, o qual, por sua vez, subordina-se ao Título III, cujo objetivo é regular os impostos.

A redação dada pelo legislador foi a seguinte:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Parágrafo incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Parágrafo incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.

Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

É com base nos princípios constitucionais que esses parágrafos se inserem. Alguns mais específicos com aqueles determinados no artigo 153, ou seja, da generalidade, da universalidade e da progressividade, ou mais genéricos, os quais visam delimitar a atuação do Estado face ao contribuinte, conforme já determinado no capítulo primeiro deste trabalho.

Trabalharemos adiante o conceito de renda e proventos de qualquer natureza com maior profundidade, pela avaliação do conteúdo de significação do artigo 43.

3 DEBATES SOBRE O ARTIGO 43 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

Prescreve o referido artigo que a competência para sua instituição é da União, o que se alinha com o disposto no inciso III do artigo 153 da Constituição Federal de 1988. Assim, qualquer instituição de tributos por outra pessoa política que faça incidir tributo sobre as rendas e os proventos de qualquer natureza deve ser considerada como inconstitucional.

A Constituição previu que a eleição de contribuintes e a base de cálculo devem ser feitas por Lei Complementar, e somente as alíquotas podendo ser alteradas por lei ordinária nos termos do seu artigo 146, sempre com respeito aos princípios constitucionais.

Em que pese o Código Tributário Nacional ter sido instituído por lei ordinária, recebeu status de lei complementar em virtude de sua recepção ao ordenamento jurídico brasileiro posteriormente à Constituição Federal de 1988.

Nesses termos, se determinadas as linhas mestras do referido tributo pela Constituição, tendo sua instituição por pessoa competente e em função de procedimento legislativo adequado, tal lei passou a ser válida, vigente e eficaz.

Validade de uma norma é estar em acordo com a norma de hierarquia superior. Se as descrições hipotéticas trazidas pelo Código Tributário Nacional possuam completa aderência aos preceitos constitucionais, isto é, pessoa competente para introduzi-lo e procedimento previsto em lei, tal lei será válida.

Hans Kelsel, em sua obra Teoria Pura do Direito, oferece-nos um exemplo interessante para elucidar o conceito de norma válida. Compara o autor o ato de exigir dinheiro realizado por um gângster com o mesmo ato, mas realizado por um funcionário público. O ato em si é o mesmo, sendo que a diferença é que o segundo ato está fundamentado em uma norma legal válida.

A ordem de um gângster para que lhe seja entregue uma determinada soma de dinheiro tem o mesmo sentido subjetivo que a ordem de um funcionário de finanças, a saber, que o indivíduo a quem a ordem é dirigida deve entregar uma determinada soma de dinheiro. No entanto, só a ordem do funcionário de finanças, e

não a ordem do gângster, tem o sentido de uma norma válida,

vinculante para o destinatário; apenas o ato do primeiro, e não o do segundo, é um ato produtor de uma norma, pois o ato do funcionário de finanças é fundamentado numa lei fiscal, enquanto que o ato do gângster se não apoia em qualquer norma que para tal lhe atribua competência. Se o ato legislativo, que subjetivamente tem o sentido de dever-ser, tem também objetivamente este sentido, quer dizer, tem o sentido de uma norma válida, é porque a Constituição empresta ao ato legislativo este sentido objetivo.89 (grifos nossos)

O ato praticado possui como fundamento de validade normativo de maior envergadura, ou seja, norma que possua nível hierárquico maior. Em se tratando da Lei Complementar, o diploma que lhe sustenta é a própria Constituição Federal.

Por seu turno, o que atribui fundamento de validade à própria Constituição é, nas palavras do autor, a norma hipotética fundamental. Norma esta apenas hipotética, pois não descrita, mas aceita pelo sistema de forma a fazer fecho ao ordenamento jurídico. Caso contrário, tal sistema ruiria em razão da inexistência de um pilar que sustente esse diploma. Nesse sentido, são as palavras de Hans Kelsel:

Mas interessa especialmente ter em conta que os atos através dos quais são produzidas as normas jurídicas apenas são tomados em consideração, do ponto de vista do conhecimento jurídico em geral, na medida em que são determinados por outras normas jurídicas; e que a norma fundamental, que constitui o fundamento da validade destas normas, nem sequer é estatuída através de um ato de vontade, mas é pressuposta pelo pensamento jurídico.90

Na mesma direção, ensina Paulo de Barros Carvalho, informando que validade é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema de direito posto, ou seja, a norma inferior e a norma superior.

89

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad.: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 6.

90 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad.: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p

E ser norma válida quer significar que mantém relação de pertinencialidade com o sistema “S”, ou que nele foi posta por órgão legitimado a produzi-la, mediante procedimento estabelecido para esse fim. A validade não é, portanto, atributo que qualifica a norma jurídica, tendo status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que uma norma “N” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”.91

A validade da norma garante segurança tanto ao jurisdicionado quanto ao aplicador da norma, para que o primeiro deva efetivamente demandar esforços para calcular e pagar o tributo e o segundo também deva acionar a máquina administrativa para fiscalizar, efetuar o lançamento, bem como outros trabalhos que envolvam gastos da administração pública.

Tais gastos não podem ser imotivados. Devem, ao contrário, pressupor direito líquido e certo da administração, para que esta justifique os esforços gastos. Isso baseia-se no princípio da legalidade. Ao agente do Estado não é permitido agir por vontade própria, mas, ao contrário, sua atividade é vinculada a uma norma. Tal vinculação é pressuposta em um ato de autoridade competente que atribui um dever a tal pessoa de fazer alguma coisa por interesse público.

Para Celso Antonio Bandeira de Melo, o princípio da legalidade pressupõe a integral submissão da autoridade administrativa à lei92. Mesmo quando há a possibilidade de discricionariedade, estas são determinadas em lei.

Após essas breves digressões sobre validade, retomaremos a análise dos conceitos de renda e proventos de qualquer natureza. Da nomenclatura do tributo renda93 e proventos de qualquer natureza extraímos o elemento de riqueza

91

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 113.

92 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 101. 93 Renda – S.f. Proveito, rendimento, lucro ou préstimos manufaturados periodicamente pelo esforço do ser

humano, ou pela exploração econômica de um determinado bem, ou vantagem usufruída de capital não exigível, em títulos ou empréstimos; dinheiro que uma pessoa paga a outra, periodicamente, pelo arrendamento ou usufruto de determinado bem, móvel ou imóvel. Segundo Clóvis Beviláqua, “é a série de prestações, em dinheiro ou outros bens, que uma pessoa recebe de outra, a quem foi entregue, para esse efeito, certo capital”. Comentário: Esta palavra é originária do verbo do baixo latim reddo, is, reddidi, redditum,

determinado como hipótese de incidência. Renda é o resultado positivo advindo da exploração de um bem ou direito. Não se caracteriza primordialmente pela necessidade de esforço humano para a geração dessa riqueza, a não ser a inteligência dedicada para determinar meios de aumentar seu patrimônio disponível, ou seja, diferenciamos aqui renda como produto de investimentos e, por outro lado, os ganhos resultantes de atividade negocial, como, por exemplo, a prestação de serviços ou a produção de bens.

Isso porque o capital é em si o bem físico, traduzido em dinheiro, imóveis, móveis, e o resultado econômico desses bens é a renda obtida pela sua disponibilização. Daí resultará os juros, os aluguéis.

Assim, de forma a buscar todos os aumentos patrimoniais possíveis, o tributo também descreveu a incidência sobre quaisquer outros proventos. Com isso, buscou-se evitar a discussão sobre os limites semânticos do termo renda, de tal forma que fossem alcançados todos os aumentos patrimoniais definitivos do contribuinte.

Extraímos de Roque Antonio Carrazza as seguintes lições:

É o caso, aqui, de perquirirmos: que são rendas e proventos de qualquer natureza? Ou, desdobrando a pergunta, pode o legislador ordinário federal intitular “renda” ou “provento” o que, por sua natureza jurídica, nem é “renda”, nem “provento”? Numa primeira resposta, temos que renda e proventos de qualquer natureza são disponibilidades de riqueza nova, vale dizer, acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte num dado período de tempo, (…) Logo, não é qualquer entrada de dinheiro nos cofres de uma pessoa (física ou jurídica) que pode ser alcançada pelo IR, mas, tão- somente, aquilo que tipificar ganhos efetivos durante um determinado intervalo de tempo.94

“rendeu sua alma a Deus”, significando que determinada personalidade, ao falecer, rendeu, ou seja, devolveu sua alma ao Senhor, recebida quando nasceu. Ou esta: seu trabalho muito rendeu, no sentido da produtividade. (SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 216.

94 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Tributário Constitucional Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros

Esse aumento patrimonial a que nos referimos é aquele que importe em disponibilização de renda e/ou proventos novos. Não é qualquer aumento patrimonial que faria nascer uma obrigação de recolher aos cofres públicos esse tributo.

Aumentos patrimoniais definitivos que importem em resultado dos bens e de atividades empresariais estão sujeitos ao tributo. Aumentos patrimoniais de naturezas distintas, como o recebimento de doações, recebimento de prêmios para fins de aumento de capital, não podem sujeitar-se à incidência do tributo por não tratar de resultado decorrente de geração de atividade econômica.

Doações tratar-se-iam, então, apenas da transferência de bens e direitos entre pessoas sem que haja obrigação de pagar o bem por aquele que o recebeu, o que não significa renda ou provento de qualquer natureza. Adicionalmente, por se encontrar tal situação sujeita a incidência de outro tributo, a saber o Imposto sobre Doações.

Da mesma forma, aumentos patrimoniais decorrentes de emissão de novas ações não importam em entradas novas resultantes de atividade de empresa, mas, somente, transferência de patrimônio entre pessoas.

A ocorrência de renda e/ou proventos de qualquer natureza que tem por consequência o aumento patrimonial é, na realidade, o lucro da pessoa. Tal acréscimo decorre de uma somatória de fatores tanto positivos quanto negativos calculados de forma acumulada num dado período de tempo.

O inciso I do artigo 43 do Código Tributário delimitou o entendimento do termo renda como o produto do capital ou do trabalho. Sendo assim, todo resultado auferido por esses dois vocábulos passam a concorrer para a incidência do Imposto de Renda.

O inciso foi mais além. Determinou que renda é o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, impondo ao jurisdicionado a incidência sobre

uma renda líquida. Não se trata, portanto, de um tributo incidente sobre entradas de recursos, mas sobre o resultado final, econômico ou jurídico, das atividades da pessoa física ou jurídica.

Isso porque o produto é o resultado auferido pelo confronto entre as entradas de recursos provenientes do capital e do trabalho e os dispêndios contratados pela pessoa, de forma a obter tais entradas.

Já há muito tempo debate-se o sentido do signo “renda”. A doutrina divide-se em três possíveis classificações. A primeira trata a renda como produto; a segunda, como acréscimo patrimonial; e a terceira toma como fundamento a lei.

A renda produto, ao estilo de Roque Antonio Carrazza, trata-se de ganho novo, efetivo.

“Logo, não é qualquer entrada de dinheiro nos cofres de uma pessoa (física ou jurídica que pode ser alcançada pelo IR, mas, tão-somente, aquilo que tipificar ganhos efetivos durante determinado intervalo de tempo.”95

Isso porque, complementa o autor, é fundamentado no princípio da capacidade contributiva. Se não há entrada nova de recursos resultado da aplicação do capital ou esforço humano, não podemos pensar em renda e, por via de consequência, não há que se tratar do Imposto de Renda.

Também são estas as lições de Ricardo Mariz De Oliveira, que colaciona interessante análise jurisprudencial:

Como dito anteriormente, em nossos dias, tanto a doutrina quanto a jurisprudência concordam em que o fato gerador do imposto de renda seja a existência de acréscimo patrimonial e, para mera ilustração, recorramos a algumas menções jurisprudenciais já que boa doutrina está citada em 1.1.

Assim, em decisão proferida em 3.10.1978 no recurso extraordinário nº 89791-7-RJ, que se transformou em referência tanto para a

95 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Tributário Constitucional Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros

jurisprudência quanto para a doutrina, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal proclamou pelas palavras do Ministro Cunha Peixoto:

“Na verdade, por mais variado que seja o conceito de renda, todos os economistas, financistas e juristas se unem em um ponto: renda é sempre um ganho ou acréscimo do patrimônio.”

E logo a seguir naquele recurso, prosseguindo na abordagem do art. 43 do Código Tributário Nacional, Cunha Peixoto reportou-se ao voto do Ministro Oswaldo Trigueiro no célebre julgamento do recurso extraordinário nº 71758-GB, pelo Tribunal Pleno em 14.6.1972, do qual transcreveu o seguinte:

Quaisquer que sejam as nuanças doutrinárias sobre o conceito de renda, parece-me acima de toda dúvida razoável que, legalmente, a renda pressupõe ganho, lucro, receita, crédito, acréscimo patrimonial, ou, como diz o preceito transcrito, aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica.

Há muito tempo também, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, pelo voto do Conselheiro Wagner Gonçalves, relatando o acórdão nª CSRF/01-0186, de 26.11.1981, manifestou-se de maneira bem expressiva, in verbis:

De fato, a disponibilidade econômica ou jurídica da renda produzida por esse direito pertence ao usufrutuário — recorrente. É com ele que nasce o fato gerador do imposto de renda. É nas mãos dele que aparece o “plus”, o “quid”, o algo a mais, que dá origem à obrigação tributária.

São inúmeros os precedentes jurisprudenciais nesse mesmo sentido, dos quais impende citar o recurso extraordinário nº 117887-6-SP, relatado pelo ministro Carlos Velloso perante o Tribunal Pleno, em 11.2.1993, e decidido unanimemente, julgado este que também se transformou em referência e em cuja ementa se lê, após a alusão ao conceito de renda sob o ponto de vista constitucional:

Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo

patrimonial, que ocorrem mediante o ingresso ou auferimento de algo, a título oneroso.96

Finalizando, há, ainda, aqueles que entendem que renda é um conceito legal que é obtido do legislador ordinário. Não nos filiamos a tal tese pelo entendimento de que o signo renda, inserido no texto constitucional, subordina-se aos princípios determinados nesse texto.

Dando continuidade ao tema do lucro, debateremos a seguir a questão do acréscimo patrimonial como pressuposto de geração de riqueza de uma pessoa.