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4 A QUEIXA ESCOLAR E O SEU ATENDIMENTO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

5.1 ASPECTOS ÉTICOS

Primeiramente, esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, seguindo os parâmetros de eticidade indicados na Resolução 466/2012 (segue o parecer do CEP no Anexo A).

Do ponto de vista técnico, depois de informar sobre a pesquisa e seus objetivos, a instituição foi convidada a participar. Após o aceite, foi assinado, pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS), o Termo de Autorização para que a pesquisa pudesse ser realizada (o qual se encontra no Anexo B). No caso dos adultos participantes diretos da pesquisa (profissionais do CAPSi e familiares dos usuários), todos foram informados acerca dos objetivos da pesquisa, e, após o aceite em participar, foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), cujo modelo segue no Apêndice A). No caso das crianças e adolescentes, os mesmos assinaram o Termo de Assentimento (cujo modelo segue no Apêndice B), depois dos pais ou responsáveis consentirem a participação deles na pesquisa e assinarem o TCLE.

Destaca-se que esse trabalho tem a preocupação ética de não rotular e estigmatizar seus participantes, bem como de produzir um conhecimento que não contribua para a medicalização do fracasso escolar. Souza (2010) sinaliza que histórica e hegemonicamente a psicologia tem legitimado e possibilitado discursos que medicalizam e psicologizam as dificuldades de escolarização e reforçam a exclusão escolar. Sob uma pretensa neutralidade e objetividade, essas pesquisas têm uma visão preconceituosa e distorcida das crianças e adolescentes das classes pobres da escola pública, produzindo uma série de explicações que rotulam e atribuem o fracasso escolar a si ou sua família.

Viégas, Harayama e Souza (2015) apontam que a afirmativa que ciências sociais e humanas não implicam riscos para o ser humano é uma ilusão. Em muitos casos, elas produziram conhecimento que visou a naturalizar as desigualdades sociais, atribuindo suas causas a diferenças individuais. Um grande exemplo desses casos pode ser visto no livro já citado anteriormente, do paleontólogo e biólogo evolucionista Stephen Jay Gould, intitulado A falsa medida do homem (GOULD, 2014).

Gould investigou a história da medição científica dos seres humanos, indo da craniometria criacionista darwiniana até os testes de inteligência. Ele encontrou que era recorrente o racismo científico, o determinismo biológico, dados especulativos e que em muitos casos eram alterados para atestar uma ideia preconcebida pautada em preconceitos sociais, com a finalidade de naturalizar as desigualdades sociais. Assim, em nome do bem da humanidade e de uma pretensa neutralidade científica, o que essas pesquisas fizeram foi reproduzir esses preconceitos e justificar políticas públicas de cunho excludente, como a eugenia. (GOULD, 2014)

Assim, a presente pesquisa considera que a ética vai além dos aspectos técnicos ligados à Plataforma Brasil e toda burocracia envolvida nesse processo. No dizer de Viégas, Harayama e Souza (2015, p.268),

Em tempos em que o debate sobre ética em pesquisa tende a ser capturado pela burocracia envolvida na Plataforma Brasil, sendo assunto remetido como aborrecimento por pesquisadores, retomamos elementos que atingem, em cheio, questões éticas nas pesquisas no campo educacional. Essa reflexão não termina com a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, a liberação do pesquisador para a coleta de dados, ou a entrega do relatório final. Ela é e deve ser constantemente trabalhada pelo pesquisador, considerando, sobretudo, que pesquisas servem de base para a elaboração e implantação de políticas públicas, impactando diretamente na prática de diversos profissionais.

Nessa virada de olhar, cumpre-nos problematizar a produção de pesquisas que têm contribuído para a justificação do fracasso escolar de forma individualizante. São pesquisas que, embora se suponham neutras e objetivas, e mesmo possuam aceite do CEP ao qual foram submetidas, possuem desenho metodológico, tanto no âmbito do trabalho de campo quanto da análise do material, que, ao contrário de contribuir para explicar os problemas educacionais que nos atingem historicamente, precisam, elas sim, ser explicadas criticamente, dado seu caráter ideológico.

Tais elementos reforçam a importância da constituição de mecanismos de análise social das pesquisas no âmbito das ciências humanas e sociais, visando, com isso, a superação de situações nas quais contribuem politicamente para a manutenção das desigualdades sociais, ao desconsiderar questões históricas complexas, analisando o fracasso escolar sob a aparência de reflexo justo de diferenças supostamente individuais.

Com isso, foi adotada uma série de estratégias que visam a um cuidado ético com as/os participantes da pesquisa, pensando sempre nos riscos que ela implica. Todos os nomes foram trocados de maneira que não possam ser identificados, preservando seu anonimato.

Especificamente, no que tange à observação participante, todas/os as/os profissionais foram designadas/os pela sua ocupação e as instituições que tiveram seus nomes citados ao longo da pesquisa também tiveram seus nomes preservados. O caderno usado para registrar os diários de campo era aberto para todas/os as/os participantes, que podiam ler o que continha nele sempre que quisessem.

Ainda sobre as observações participantes, destaca-se que a recepção do CAPSi foi muito boa. Como exemplo de situações de boa acolhida, cita-se aqui a circunstância em que uma das adolescentes atendidas no equipamento fez um desenho do pesquisador e colocou no mural junto com outras pessoas da equipe. Além disso, foi feita uma despedida para o autor desta dissertação, sugerida pelas/os profissionais.

Já em relação às entrevistas, os nomes também foram alterados para proteger a identidade das profissionais. As entrevistas ocorreram fora do CAPSi pesquisado, evitando alguma situação de constrangimento e para que pudessem falar de forma mais livre. Essa preocupação ética também esteve presente no trabalho analítico: as profissionais receberam a análise dos relatos ampliados, a transcrição e a análise das entrevistas (sendo que cada profissional entrevistada recebeu apenas sua respectiva entrevista), podendo alterar e excluir qualquer coisa que quisessem, bem como conversar sobre qualquer aspecto relacionado a ela.

Portanto, com esses cuidados visa-se evitar qualquer situação de risco que vá estigmatizar, rotular e constranger as/os participantes da pesquisa. Também tivemos um cuidado com a escrita final da dissertação, objetivando não culpabilizar e individualizar nenhuma/um profissional envolvida/o. Quanto às crianças e adolescentes que frequentam o CAPSi, bem como suas famílias, houve a atenção e precaução para não produzir um conhecimento que fosse no sentido de medicalizar o desenvolvimento humano e a educação. Com isso, tem-se em vista contribuir para a efetivação de políticas públicas de educação e saúde mental pautadas nos direitos sociais e em práticas não medicalizantes.