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7 ANÁLISE RELATOS AMPLIADOS

7.4 VISITA À ESCOLA

A visita à escola foi a primeira situação acompanhada no CAPSi. Ao chegar ao equipamento, a psicóloga convidou o pesquisador para acompanhá-la, junto a outras pessoas da equipe, em visita à escola; posteriormente, surgiu novo convite para visita realizada em outra escola, resultando em dois relatos ampliados.

É importante destacar os desafios enfrentados pelo CAPSi para ir às escolas. Além da falta de carros e do atraso deles quando solicitados, existem dois CAPSi para toda a cidade do Salvador, impossibilitando a existência de um trabalho que leve em conta a noção de

território. Esses aspectos impõem barreiras na ida às escolas, criando dificuldades em estabelecer um contato mais aprofundado com essas instituições.

A primeira questão observada é que as/os profissionais reconhecem a importância de ir à escola das/os usuários acompanhados na instituição. A psicóloga do CAPSi relatou que essa ida propicia “conhecer mais sobre os pacientes e detalhes que eles não têm acesso”. A mesma comentou também que ela “vai às escolas no sentido de valorizar a ação pedagógica do professor, são eles que cuidam da parte pedagógica e não o CAPSi”.

Na ida à escola, foram adotados os procedimentos de conversar com as/os professores e outros funcionários da escola, como diretora e psicóloga da instituição, e a observação da/o aluna/o atendido no CAPSi em sala de aula. Em todas as situações, notou-se que as/os profissionais do CAPSi tentaram problematizar a queixa trazida pela escola, não a aceitaram prontamente. As conversas com a escola se deram nesse sentido, procurando ouvir o que a instituição escolar traz sobre a/o aluna/o e, em alguns momentos questionando essas falas.

A conversa com as escolas sobre as queixas centrou-se em torno de três aspectos. O primeiro deles diz respeito a um transtorno mental ou um retardo mental leve que estaria atrapalhando a aprendizagem. Um caso que ilustra essa situação foi de um menino que não conseguia acompanhar o grupo 5 e chegou ao CAPSi diagnosticado com uma “alienação autística” pela psicóloga da escola. Na ida à escola para conversar com essa mesma psicóloga e a professora dele, a psicóloga do CAPSi contestou esse diagnóstico dizendo que não acha que ele tenha uma alienação autística; ela suspeita de um leve transtorno que compromete a aprendizagem, e por isso encaminhou-o para um exame neurológico. Assim, o questionamento da queixa se deu em torno de um transtorno mental ou retardo mental leve que estaria dificultando a aprendizagem do menino. A psicóloga falou que o CAPSi não tem recursos psicopedagógicos para atendê-lo e vai encaminhá-lo para um Centro de Educação Especial ou uma sala multifuncional.

O outro aspecto presente nas conversas entre CAPSi e as escolas relacionado foi a existência de uma dificuldade de aprendizagem, não um transtorno mental, que estaria atrapalhando a escolarização da/o aluna/o. Nesses casos, o CAPSi procurou também encaminhar para serviços psicopedagógicos e para avaliação psicológica. Um caso que ilustra essas situações foi na visita à escola de uma menina encaminhada ao CAPS com um suposto transtorno mental. Na conversa com o professor dessa menina, a psicóloga do CAPSi falou que ela não tem transtorno mental e sim problemas de aprendizagem, e que iria encaminhá-la para atendimento psicopedagógico em algum Serviço-Escola de uma faculdade de Salvador, já que o CAPSi e a rede municipal como um todo não possuem esse recurso. A psicóloga do

CAPSi ainda disse que essa mesma menina tinha dificuldade de aprendizagem e lamentou não ter testes psicológicos para comprovar isso. Apesar disso, pela experiência clínica dela, identificava que a menina tinha alguma dificuldade de aprendizagem.

Nesta mesma conversa, o professor comentou com a psicóloga do CAPSi que essa menina falta muito e não consegue acompanhar a turma. A problematização da queixa centrou-se nessa suposta dificuldade de aprendizagem dela e na família, tendo em vista que a mãe dela queria que ela tivesse algo para conseguir o BPC. A psicóloga e o professor comentaram ainda que um dos grandes problemas é que “o estudo não é valorizado em casa”. Outro aspecto abordado nas visitas às escolas envolveu as críticas às famílias, estando presentes concepções de que a família não cuidava das/os alunas/os e/ou não tinham se esforçado na vida. Um exemplo pode ser visto na conversa com a professora e a psicóloga de um menino atendido no CAPSi, em que uma profissional do CAPSi questionou se mãe tinha capacidade de cuidar desse menino e falou que a mãe “não quer batalhar” e que a avó tem que tomar conta de tudo.

Outro exemplo foi o caso de um menino com cinco anos, no grupo 5 atendido no CAPSi com queixa de hiperatividade. Na conversa com a professora e a psicóloga da escola, a assistente social do CAPSi comentou que o caso desse menino “era de carência afetiva, o pai sumiu e ele ficava aos cuidados da avó e da mãe”. Foram encontrados também fatores intrínsecos à criança ou adolescente, a exemplo de uma conversa entre a psicóloga do CAPSi e um professor de uma criança de aproximadamente 10 anos atendida no equipamento. Nela, o professor falou do “comportamento sexualizado e infantil para idade dela”. A profissional concordou dizendo que ela tem um comportamento sexualizado incompatível com a idade. O professor disse que tentou dar um jeito nisso, exemplificando com uma situação em que ela veio de batom e ele falou: “Você é princesa para ficar vindo assim com esse batom?”.

No que tange às observações das crianças em sala de aula, foi possível analisá-las a partir da fala das/os profissionais sobre essa estratégia. Nessas falas encontra-se uma problematização das queixas, em muitos casos as/os profissionais observaram que a criança se comporta de um jeito no CAPSi e na escola de outro jeito. Um exemplo é a fala da terapeuta ocupacional do CAPSi, que, ao observar uma criança atendida no equipamento, assinala que “na escola ele não tem tanta agitação motora quanto no CAPSi”.

As profissionais do equipamento também fizeram comentários em relação às condições da escola e a possíveis ações pedagógicas equivocadas das/os professoras/es. Um caso que ilustra essa situação aconteceu durante uma observação na sala de aula de um aluno. A professora tentava realizar a atividade enquanto as crianças gritavam e se levantavam o

tempo todo, de forma que ela tinha dificuldade de realizar a atividade proposta. Ao sair da sala, a psicóloga do CAPSi comentou que se ela estivesse no lugar da professora, teria pedido demissão na hora.

No carro, na volta dessa visita, os comentários da psicóloga, da assistente social e da terapeuta ocupacional do CAPSi sobre essa situação foram das condições da sala para uma possível ação equivocada da professora. Elas criticaram a ação pedagógica da professora dizendo que ela poderia escolher um poema melhor e demonstrar as cores de forma mais visual. A ação pedagógica foi comentada pelas profissionais também em outra situação, quando foram observar uma menina que tinha começado a ser atendida no CAPSi e notaram que ela estava mais separada da turma e comentaram sobre uma “possível ação pedagógica equivocada”.

Assim, a partir do que foi visto, na ida à escola, as/os profissionais do CAPSi relacionam a queixa escolar como resultado de fatores externos à escola, com destaque para questões familiares, transtorno mental leve ou dificuldade de aprendizagem. As intervenções nas visitas à escola aconteceram nesse sentido. Mesmo considerando as condições da escola, como salas numerosas e apertadas, em que a professora “tinha que gritar” para dar aula, esses fatores parecem ter sido secundários na análise da queixa. Ressalta-se também as dificuldades de estabelecer contato e fazer um trabalho junto com a escola, a falta de automóveis para realizar atividades externas e um território muito grande para dar conta.