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7 ANÁLISE RELATOS AMPLIADOS

7.5 REUNIÃO DE EQUIPE

No último dia da pesquisa de campo no CAPSi, houve uma reunião em que as/os profissionais discutiram casos e foi feito um café da manhã em decorrência da despedida do pesquisador. Estiveram presentes quase todas/os as/os profissionais, excetuando-se a/o psiquiatra da instituição. Além das/os profissionais do equipamento pesquisado, houve a presença de uma psicóloga da Secretária de Saúde da Bahia (SESAB), que trabalhava em um ambulatório com crianças e adolescentes, para falar de sua prática.

O primeiro ponto a ser destacado foram as falas das/os profissionais que relataram as dificuldades de estrutura do CAPSi, refletidos na equipe incompleta e na falta de materiais. Elas/eles expressaram, também, o efeito que todos esses fatores causam. Nas palavras de uma das assistentes sociais, “a gente mata um leão por dia”. Elas/eles se queixaram da falta de um espaço de convivência para as/os adolescentes, bem como de profissionais. Segundo uma das

assistentes sociais, “A gente não tem profissionais aqui para ajudar. Falta fonoaudiólogo, psicopedagogo e musicoterapeuta”.

Elas/eles se queixaram ainda das dificuldades da rede, já que não há para onde encaminhar as crianças e adolescentes atendidas/os no CAPSi. Além disso, faltam materiais, sendo que alguns seriam muito importantes para atender casos, como os autistas graves. A fala de uma enfermeira ilustra bem essa situação: “o que mais angustia são os autistas graves, falta material de estimulação sensorial. A gente não tem para onde encaminhar”. Uma das assistentes sociais denuncia que “O sistema é forte. Foi feito para não funcionar”.

As/os profissionais se afligem também com as crianças que ficam no que elas denominam de “limbo”: seriam crianças “que não saem do lugar”, ficam “jogadas no CAPSi e não evoluem”. Durante o período da pesquisa de campo, esse pareceu ser o destino de muitas crianças e adolescentes que chegaram com queixa escolar.

Assim, todos esses fatores parecem estar gerando efeitos na saúde das/os profissionais. Uma delas chegou a comentar “Eu tive uma fase muito ruim. Ficava precisando de férias e licença”. Elas/eles se queixaram também de estarem recebendo cada vez mais pacientes, impedindo de realizar os atendimentos de forma integral. Esses fatores têm influenciado no atendimento às queixas escolares, como foi dito por uma das psicólogas: “Eu fico só interna. Não faço visita à escola, não faço visita domiciliar porque não tenho tempo”.

As/os profissionais também se queixam da dificuldade de atender casos que envolvem situações de pobreza. Como foi expresso na fala de uma das assistentes sociais: “A gente tem outra questão para lidar, o transporte. Tem mãe que não consegue ir para o serviço porque não tem dinheiro. Não tem dinheiro nem para vir aqui toda semana”.

É importante destacar que as profissionais expressaram mais uma vez que muitas crianças e adolescentes têm chegado “diagnosticados” pela escola. Nas palavras de uma das assistentes sociais “Às vezes, vem alguém aqui da escola com uma queixa, diz que ele é agressivo ou TDAH. Às vezes ele é agitado e não fica sentado o tempo todo”. No que tange à queixa escolar, durante a reunião de equipe foram discutidos dois casos que ilustram a forma como a instituição atende as queixas escolares.

No primeiro, a psicóloga 1 relatou o caso de Leandro, um menino de seis anos que chegou acompanhado pelo conselho tutelar e que desde os três anos tem mudado de escola por causa de agressividade. Entretanto, a mãe e a psicóloga dizem não perceber nada do que a escola fala. A escola suspendeu Leandro, chamou o conselho tutelar e a professora Leandro ameaçou pedir exoneração porque não aguenta mais ele, impondo que o garoto só pode voltar para a escola se começar a tomar remédio. A psicóloga falou que deu todas as orientações

para a mãe, só que a mesma continua aceitando a demanda da escola. Então, a equipe sinalizou a necessidade de ir à escola e a psicóloga falou que “o menino fala que, às vezes, faz isso para ir embora, outras por teimosia”.

Logo após, a psicóloga 2 comentou que a escola deve ser muito ruim para esse menino e a oficineira questionou o fato de o menino fazer isso para voltar para casa. A psicóloga 1 assinalou que a mãe de Leandro trabalha o dia todo e o menino fica sozinho. Então, a oficineira questionou: “Por que ele quer voltar para casa? Como foi a gravidez dele?” A psicóloga 2 pegou o relatório escolar do menino e comentou que a foto dele parecia “de um procurado”.

Outro caso ilustrativo é o de Heitor, menino de 10 anos que já tinha sido usuário do CAPSi e foi reacolhido com vários relatórios da escola. Segundo a oficineira, a mãe de Heitor já não o suporta mais. A psicóloga 1 expressou reclamação com os desenhos do menino sobre armas e sangue e disse que a mãe reclamou muito da agressividade na escola. A oficineira afirmou que Heitor disse que tem “um menino de 10 anos que comanda o corpo dele”. Heitor falou que esse “menino” queria matar o pai, a mãe e a avó. A oficineira também acrescentou que ele foi diagnosticado com TDAH, em 2013. A equipe discutiu que o melhor seria o encaminhamento para atendimento psicológico.

No primeiro caso, percebe-se, novamente, que, diante da queixa escolar, a tendência do CAPSi é atendê-la considerando que a causa seria a família da criança e adolescente. Mais uma intervenção nesse sentido foi encontrada, juntamente com a ida à escola. Ressalta-se também algumas possíveis concepções sobre as crianças e adolescentes atendidas no equipamento, expressas no comentário de que ele “parece um procurado”.

O segundo caso demonstra novamente que o encaminhamento para atendimento psicológico tem sido outra maneira de atender as queixas escolares. Esses foram pontos encontrados também em outros espaços do CAPSi. Junto com a ida à escola, esse parece ser o destino de muitos casos encaminhados com queixa escolar.

Assim, de acordo com o que foi visto na reunião de equipe, as queixas escolares têm sido atendidas considerando que sua causa estaria na família da criança e adolescente ou de fatores individuais do aluno encaminhado, como uma dificuldade de aprendizagem ou um transtorno mental leve. Além disso, o encaminhamento para atendimento psicológico tem sido comum. É importante também destacar as crianças que ficam no chamado “limbo”, “não saem do lugar” segundo uma das profissionais. Observa-se, mais uma vez, o quanto a queixa da precarização do equipamento esteve presente na fala das/dos profissionais.