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7 ANÁLISE RELATOS AMPLIADOS

7.3 GRUPO DE ADOLESCENTES

O convite para participar do grupo de adolescentes surgiu através da profissional do CAPSi responsável por acompanhar esta pesquisa. Este grupo consiste em encontros nos quais os adolescentes discutem questões trazidas pelos mesmos e também fazem passeios para diversos lugares na cidade, como museu, teatro, biblioteca, cinema etc. Apesar de não ser voltado para a queixa escolar, questões relativas à escola surgiram em diversos momentos.

A falta de recursos materiais e de estrutura do equipamento se mostrou bastante evidente no grupo. Falta de salas, sala sem estrutura, falta de materiais como lápis e caneta e a falta de carro para os passeios foram elementos recorrentes. Em uma conversa com a assistente social da instituição antes do começo do grupo, ela relatou que o serviço está precarizado e no lugar que ela trabalhava muitos profissionais faziam uso de medicação para aguentar. Nesse CAPSi ela não viu isso, mas não duvida que aconteça o mesmo.

A oficineira responsável pelo grupo relatou que o “CAPSi recebe muitas demandas da escola. As escolas já chegam querendo um diagnóstico e o CAPSi não é lugar de diagnóstico”. Ao longo dos encontros do grupo, as/os adolescentes trouxeram questões de relacionamentos, conflitos e estigmas e rótulos gerados nas situações de fracasso escolar, bem como outras situações de suas vidas. Por meio da participação no grupo, eles puderam ir a espaços que não costumavam ou não frequentavam, como museus, teatros, cinemas etc.

Um exemplo dessas situações de conflitos vivenciados na escola pode ser visto em uma situação em que a oficineira perguntou para uma menina de 15 anos de idade, aqui chamada Júlia, como estava a nova escola. A menina respondeu que o professor de artes tinha pedido para falar uma palavra difícil e quem não acertasse, sairia da sala. Júlia não sabia falar a palavra e saiu da sala por conta disso.

Além dos conflitos com os professores, os estigmas e os rótulos também estiveram presentes no grupo. Esse aspecto pode ser encontrado com essa menina do caso anterior (Júlia), em uma situação em que ela relata não ter a cabeça aberta que nem a prima, bem como o fato de não ter passado de ano por causa de sua diretora. Nessa situação ocorrida no grupo, a menina comentou que era para estar no primeiro ano junto com a prima dela, que tem a cabeça aberta. Questionada pela profissional o que seria cabeça aberta, a menina respondeu que é ser inteligente. Então, a profissional assinalou para Júlia que cada pessoa tem a cabeça aberta de um tipo e é bom em uma coisa. Depois Júlia falou que o professor de matemática deu um ponto para ela porque soube que ela frequentava o CAPSi e um Centro de Educação Especializado.

O caso de Júlia ilustra bem como o CAPSi atendeu as queixas escolares no período em que a pesquisa de campo foi realizada. Essa menina foi encaminhada para o CAPSi por apresentar problemas na escola, depois de ter permanecido um tempo na casa dos avós. Essa permanência se deu por problemas de saúde da mãe, de forma que ela faltou um tempo considerável na escola. O CAPSi a diagnosticou com um retardo mental mínimo que a atrapalha nos estudos e começou a atendê-la em conjunto com um Centro de Educação Especial da Cidade.

No final do encontro do grupo, foi possível participar de uma conversa entre a psicóloga que atendia Júlia e a oficineira responsável pelo grupo de adolescentes, na qual a oficineira comentou o quanto ficou impressionada com Júlia naquele dia, pois a menina lembrou com detalhes de dois passeios a museus da cidade. Além disso, a oficineira relatou o quanto Júlia evoluiu no grupo: antes ela não falava nada e passou a puxar assunto e emitir opiniões. A psicóloga que atende Júlia respondeu que a família da menina a coloca no lugar

de incapaz e a escola a coloca no lugar de louca. A mesma comentou que os pais de Júlia podem estar querendo o benefício e que a diretora da antiga escola de Júlia era horrível, comemorando o fato de ela mudar de colégio. Ela finalizou sua fala dizendo que Júlia tem um pequeno retardo que atrapalha seu desempenho escolar.

Pode-se notar mais uma vez a questão das crianças com queixa escolar diagnosticadas com retardo mental leve no CAPSi. Ressalta-se também a questão das profissionais acreditarem que os pais desejam o benefício e a questão dos estigmas gerados na escola com a ida ao CAPSi. Por fim, em outra conversa entre a oficineira responsável pelo grupo e a psicóloga responsável pelo atendimento de Júlia, a segunda comentou que a psiquiatra tinha pedido uma avaliação neuropsicológica e não sabia por quê. Prosseguiu afirmando já saber o que Júlia tinha e isso não iria ajudar, pois a avaliação iria indicar um procedimento de estimulação e a rede não tem, só disponibilizando o apoio psicopedagógico. A responsável pelo grupo concordou com ela e questionou no que ajudaria saber.

Outro aspecto presente nesse atendimento foi o depoimento das profissionais acerca das dificuldades para realizar um trabalho em equipe dentro do CAPSi pesquisado, expressas em uma conversa com a oficineira, quando ela confidenciou que o “CAPSi tem duas equipes, uma que acha que o CAPSi é transitório e outra que acha que os usuários tem que ficar lá”.

Portanto, nota-se que o grupo foi um importante lugar para as/os adolescentes falarem sobre a escola e as situações que vivenciam lá. Nele, foi possível encontrar, mais uma vez, a questão do retardo mental leve, encaminhamento para apoio psicopedagógico e Centros de Educação Especial e para avaliação médica e/ou neuropsicológica no atendimento das queixas escolares. Importante destacar a impressão das profissionais de que lá existem duas equipes que não dialogam, bem como a falta de estrutura e recursos materiais para a realização do trabalho.