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Conforme já mencionado neste trabalho, a Resolução CNE Nº 4, de 13 de julho de 2005 ( ANEXO 1), teve por propósito orientar os cursos de bacharelado em administração acerca de sua organização curricular. Essa resolução fixa a necessidade de organização dos cursos serem expressas através de projetos pedagógicos, que deverão abranger a manifestação expressa, dentre outros fatores, das formas de realização da interdisciplinaridade, caracterizando assim o fato de que esta, nos cursos de administração, decorre de prerrogativa legal.

De acordo com o documento mencionado acima, os projetos pedagógicos dos cursos deverão apresentar:2

1º(...) além da clara concepção do curso de graduação em Administração, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

I - objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucionais, política, geográfica e social;

II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso;

III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso; IV - formas de realização da interdisciplinaridade; ( grifo nosso) V - modos de integração entre teoria e prática;

VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

VII - modos de integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;

VIII - incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;

IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, observado o respectivo regulamento;

X - concepção e composição das atividades complementares; e,

XI - inclusão opcional de trabalho de curso sob as modalidades monografia, projeto de iniciação científica ou projetos de atividades, centrados em área teórico-prática ou de formação profissional, na forma como estabelecer o regulamento próprio.

Conforme já abordado, as Diretrizes Curriculares em vigor para os cursos de administração postulam de forma explícita no inciso IV, do Art. 1º, e de forma implícita nos demais incisos, o caráter interdisciplinar que deve assumir o processo formativo do administrador.

De outro modo, os Artigos 3º e 4º do documento supracitado, também dispõe sobre as competências que deverão nortear o processo formativo do administrador:

Art. 3º O Curso de Graduação em Administração deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação e aptidão para compreender as questões científicas, técnicas, sociais e econômicas da produção e de seu gerenciamento, observados níveis graduais do processo de tomada de decisão, bem como para desenvolver gerenciamento qualitativo e adequado, revelando a assimilação de novas informações e apresentando flexibilidade intelectual e adaptabilidade contextualizada no trato de situações diversas, presentes ou emergentes, nos vários segmentos do campo de atuação do administrador.

Art. 4º O Curso de Graduação em Administração deve possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades: I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;

II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais;

III - refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento;

IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais.

V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional;

VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável;

VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; e

VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais.

Os termos do Art. 5º da referida resolução, também chamam a atenção para a necessidade de um processo de formação que contemple através de sua organização curricular conteúdos que revelem inter-relações com a realidade nacional e internacional, segundo uma perspectiva histórica e contextualizada de sua aplicabilidade no âmbito das organizações e do meio, intermédio da utilização de tecnologias inovadoras e que atendam campos interligados de formação tais como: conteúdos de formação básica, de formação profissional, de estudos quantitativos e suas tecnologias, conteúdos de formação complementar e estudos opcionais de caráter transversal e interdisciplinar para o enriquecimento do perfil do formando.

As diretrizes curriculares ora vigentes para o processo formativo do administrador, refletem basicamente uma preocupação com a agregação de valor nesse processo a partir da noção de competências, bem como a ideia da utilização de práticas interdisciplinares do trabalho docente, como uma estratégia a ser adotada para aquisição dessas competências. No entanto, a efetivação desse processo depende basicamente de um conjunto de questões que englobam desde o perfil do docente, suas próprias competências, sua própria formação técnica e docente, sua postura frente ao trabalho docente, os saberes envolvidos em seu próprio processo formativo, dentre outros.

Embora considerando a institucionalidade, decorrente do aspecto legal conferido a interdisciplinaridade a partir das diretrizes curriculares, e sua potencialidade como estratégia para o desenvolvimento dos cursos superiores em administração no Brasil, ainda é um tema que se apresenta envolto de perplexidade, inclusive, para gestores educacionais e docentes, portanto oferecendo diversas possibilidades de investigação.

3 INTERDISCIPLINARIDADE: ASPECTOS CONCEITUAIS E PERCURSO

A interdisciplinaridade é um conceito polissêmico, plural, que tem requerido atenção dos teóricos, ao longo do tempo, gerando muitas tentativas de conceituá-la. Dentre eles, para efeito desse estudo, optou-se por abordar as pesquisas de Luck (2007), Japiassu (1976) e Fazenda (1992, 1993, 1994, 1997, 1998, 1999, 2002), sem, no entanto ignorar as contribuições de Piaget, abordadas por Japiassu (1976), que antevia a interdisciplinaridade como ligação na estrutura das ciências.

A interdisciplinaridade, na produção e na socialização do conhecimento em período recente, volta a ser evidenciada, no contexto das transformações pelas quais passa a sociedade, tendo em vista a complexidade da realidade requerendo um conhecimento abrangente, multidimensional para sua apreensão, razão pela qual vem sendo discutida por vários autores, notadamente por pesquisadores na área das teorias curriculares e as epistemologias pedagógicas (THIESEN, 2008).

Frigotto (1995), ao abordar a necessidade da interdisciplinaridade no atual contexto, assim se manifesta:

O caráter necessário do trabalho interdisciplinar na produção e na socialização do conhecimento no campo das ciências sociais e no campo educativo que se desenvolve no seu bojo não decorre de uma arbitrariedade racional e abstrata. Decorre da própria forma do homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito e objeto do conhecimento.(FRIGOTTO, apud JANTSCH;

BLANCHETTI 1995,p.26).

De acordo com Fazenda (2002), a interdisciplinaridade, esquecida em décadas passadas, volta a ter evidência no início dos anos 90, sendo tema de diversos eventos ligados à formação docente. No entanto, a autora sinaliza para o estranhamento que o tema suscita entre os educadores:

Mas ela apenas se faz anunciar, e os educadores não sabem bem o que fazer. Sentem-se perplexos com a possibilidade de sua implementação na educação e em alguns casos essa perplexidade traduz-se na tentativa de construir novos projetos para o ensino. Em todos esses projetos, contudo, percebe-se a insegurança

(FAZENDA, 2002, p.14).

Fazenda (2002) adverte ainda que, antes de se empreender o caminho da ação interdisciplinar, é necessária a tomada de conhecimento dos diversos estudos realizados sobre o tema, o que favorecerá a reflexão epistemológica acurada sobre o assunto, que pode permitir que se visualizem projetos concretos de investigação correspondentes.

De acordo com Fazenda (1994), a interdisciplinaridade surgiu na França e na Itália por volta da década de 1960, como resposta à reivindicação dos movimentos estudantis que postulavam um ensino contextualizado com as grandes questões de ordem social, política e econômica daquele período e que não poderiam ser resolvidas sob a ótica de uma única disciplina:

Aparece, inicialmente, como tentativa de elucidação e de classificação das propostas educacionais que começavam a aparecer na época, evidenciando-se através do compromisso de alguns professores em certas universidades, que buscavam, a duras penas, o rompimento de uma educação por migalhas. ( FAZENDA, 1994, p.18)

Japiassu (1976, p.74) procura oferecer uma explicação para o termo “interdisciplinar”, mesmo reconhecendo inexistência de um sentido epistemológico único e estável para o termo. Para o autor, “[...] a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de um projeto específico de pesquisa”.

Sob a ótica de Fazenda (2002), a teoria da interdisciplinaridade é construída a partir da história acadêmica de cada pesquisador. Seria uma relação de reciprocidade, de mutualidade, é a substituição de uma concepção fragmentária para a unitária do ser humano. Já

para Georges Gusdorf ( 1977) um dos maiores pesquisadores da interdisciplinaridade,

o que se designa interdisciplinaridade é uma atitude epistemológica que ultrapassa os hábitos intelectuais estabelecidos ou mesmo os programas de ensino. Nossos contemporâneos estão sendo formados sob um regime de especialização, cada um em seu pequeno esconderijo, abrigado das interferências dos vizinhos, na segurança e no conforto das mesmas questões estéreis (GUSDORF, 1977 apud FAZENDA, 2002, p.24).

Ao buscar uma aproximação em termos de uma possível resposta ao questionamento sobre o que viria a ser afinal, o interdisciplinar, Japiassu (op.cit. p.75) manifesta-se que este é caracterizado pelo nível de integração e colaboração que ocorre entre as diversas disciplinas ou ainda entre setores heterogêneos de uma mesma ciência. Para este autor, o reconhecimento da existência de um empreendimento interdisciplinar ocorre sempre que ele conseguir incorporar ao seu resultado, a contribuição de várias especialidades, e ainda quando consegue tomar por empréstimos de outras disciplinas, certos instrumentos e técnicas metodológicos, fazendo uso de esquemas conceituais e análises disponíveis nos diversos ramos do saber, a ponto de fazerem estes se integrarem e convergirem.