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CAPÍTULO 2: Ensino e Aprendizagem

2.8 Aspectos Neurológicos da Cognição

Tido como o órgão responsável pelos pensamentos e movimentos produzidos pelo corpo, o cérebro permite que as pessoas entendam, interajam com seu meio ambiente, através da relação com outros objetos e da comunicação com os demais seres.

Há tempos a ciência procura desvendar a constituição e os mecanismos do funcionamento do cérebro, ocupando-se com a observação e descrição, dissecando, formulando e testando hipóteses e, cada vez mais vem descobrindo fatos e desenvolvendo novas teorias.

O funcionamento do cérebro passou a despertar o interesse de diversas áreas científicas, especialmente após a publicação dos estudos do neurologista espanhol Santiago Ramón y Cajal42 (CAJAL 1899 e 1904).

Figura 29: Santiago Ramón y Cajal

Em sua obra, LURIA43 (1981) ressalta que cérebro é o mais requintado dos instrumentos, capaz de refletir as complexidades e os intrincados emaranhamentos do

42 Santiago Ramón y Cajal foi um médico e histologista espanhol. Considerado o “pai da neurociência

moderna”, recebeu o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1906. Nasceu em 1852 em Petilla de Aragón e faleceu em Madrid em 1934 aos 82 anos.

43 Alexander Romanovich Luria foi um famoso neuropsicólogo russo, especialista em psicologia do

desenvolvimento. É tido como um dos fundadores de psicologia cultural-histórica que inclui o estudo das noções de causalidade e pensamento lógico–conceitual da atividade teórica como função do sistema nervoso central. . Nasceu em 1902, em Kazan, uma região central a leste de Moscou e faleceu em Moscou em 14 de agosto de 1977.

56 mundo. Centro da inteligência, memória, consciência e linguagem, o cérebro, em colaboração com outras partes do encéfalo, controla as sensações e os órgãos efetores, ele é o ponto mais alto da evolução, o único órgão consciente da sua própria existência.

Figura 30: Alexander Romanovich Luria.

Segundo LURIA (1981), os processos mentais são sistemas funcionais complexos. Tais sistemas não se encontram de forma isolada em áreas circunscritas do cérebro, mas funcionando por meio da participação de conjuntos de estruturas cerebrais operando em concerto (cooperando). Cada uma das estruturas apresenta sua própria contribuição particular para a organização desse sistema funcional.

Sob a perspectiva de BEAR et al. (2006), existem vários estudos envolvendo o cérebro humano buscam uma forma de pedagogia que não tenha como principal objetivo somente transmitir conteúdos intelectuais, mas descobrir processos capazes de suprir as dificuldades existentes às áreas do cérebro ligadas à aprendizagem. Busca-se no desenvolvimento da neurociência, incluir o conhecimento com um aprender mais abrangente, contínuo e dinâmico, compreensivo e instigante para quem ensina e para quem aprende.

“A revolução das Neurociências ocorreu quando os cientistas perceberam que a melhor abordagem para o entendimento da função do encéfalo vinha da interdisciplinaridade, a combinação das abordagens tradicionais para produzir uma nova síntese, uma nova perspectiva.”, (Bear et al., 2006, p. 03).

57 PENFIELD44 (1959) foi o responsável pelo início da revolução na compreensão das áreas funcionais do cérebro, com suas observações durante procedimentos neurocirúrgicos para remoção de focos epilépticos, em pacientes cuja epilepsia não podia ser contida pelo uso de medicamentos.

Figura 31: Wilder Penfield, neurocirurgião e professor.

Em meados de 1934, PENFIELD (1959) desenvolveu a cirurgia de epilepsia com anestesia local e, durante os procedimentos cirúrgicos com o paciente ainda consciente, aproveitava para estimular outras regiões do córtex, solicitando que o paciente descrevesse o estava sentindo. Com base nessas observações, longo dos anos, juntamente com seu grupo de colaboradores, realizou todo o mapeamento das regiões corticais localizadas à frente e atrás do sulco central do cérebro.

Na perspectiva de RAMACHANDRAN (2004), a partir da década de 1940, com os estudos detalhados realizados por PENFIELD (1959), surge uma representação motora e sensorial tátil do corpo, que se distribui ao longo das áreas centrais do córtex cerebral, denominado de “Homúnculo de Penfield” (homúnculo significa homem pequeno), uma representação distorcida do corpo, onde determinadas áreas recebem

44 Wilder Graves Penfield foi um neurocirurgião canadense nascido em Spokane, Washington (fronteira

Canadá-Estados Unidos) em 1891. É considerado um dos pais da neurociência moderna. Desenvolveu uma enorme atividade na área da neurocirurgia e estudos em neurociências na área da neurofisiologia, tendo-se debatido com o desafio de estruturar as bases científicas da mente humana. Faleceu aos 85 anos em 1976.

58 mais inervação (como é o caso da face e da mão em humanos) de acordo com a sua importância e necessidade de precisão de movimentos e sensações.

Figura 32: Representação do “Homúnculo de Penfield”.

Os estudos de PENFIELD (1959) mostraram a existência de áreas do cérebro com funções distintas.

Vale recordar que o objetivo do presente trabalho é apresentar uma abordagem inspirada no funcionamento cooperativo do conjunto de estruturas do cérebro, por meio de um modelo artificial, com o intuito de resolver problemas complexos. Portanto, o detalhamento anatômico do cérebro torna-se desnecessário. Imprescindível, porém, que sejam apresentados os aspectos funcionais do cérebro, bem como que se trate de sua influência na capacidade de cognição. Um estudo tal que inspira esforços, visando à cooperação entre redes neurais artificiais dotadas de estruturas e funções distintas, em um mesmo sistema, com um objetivo comum.

Segundo GILLEN (1998) e MACHADO (2006), o cérebro é dividido em áreas funcionais. Tais áreas são chamadas de áreas de projeção e áreas de associação. As áreas de projeção são as chamadas áreas primárias e relacionam-se diretamente com a sensibilidade ou com a motricidade. As áreas secundárias são áreas de associação, relacionam-se com alguma modalidade sensitiva ou de motricidade. As áreas terciárias são áreas relacionadas com atividades psíquicas superiores, como exemplos, memória, pensamento abstrato, comportamentos.

59 Figura 33: Modelo ilustrativo da anatomia e áreas funcionais do cérebro.

Fonte: Health, medicine and anatomy reference pictures, 2013.

Segundo MACHADO (2006), as áreas de projeção se dividem em subáreas conforme apresenta a Figura 34, a seguir:

Figura 34: Áreas de Projeção e suas subdivisões (MACHADO, 2006)

Segundo MACHADO (2006), as funções das áreas sensitivas primárias são: A Área Somestésica ou área da sensibilidade somática geral é a.

responsável por receber radiações talâmicas que se originam no núcleo ventral póstero-lateral e ventral póstero-medial do tálamo e trazem, por conseguinte, impulsos nervosos

60 relacionados à temperatura, dor, pressão, tato com propriocepção consciente da metade oposta do corpo.

A Área Visual responsável pela recepção visual do campo b.

visual.

A Área Auditiva recebe “radiação” auditiva (que se origina no c.

corpo geniculado medial).

A Área Vestibular localiza-se próxima à área somestésica d.

correspondente à face. Portanto, está mais relacionada com a área de projeção da sensibilidade proprioceptiva do que com a auditiva, informa sobre a posição e o movimento da cabeça. A Área Olfatória responsável por receber informações e.

olfatórias.

A Área Gustativa localiza-se em uma região adjacente à parte f.

da área somestésica correspondente à língua e é responsável pela recepção de informações relativas ao paladar.

A Figura 35 apresenta as áreas funcionais do córtex sensitivo primário, como a somestésica, segundo PENFIELD (1959), e também as áreas funcionais identificadas no trabalho de MACHADO (2006), tais como: a área visual, área auditiva, área vestibular, área gustativa e área olfativa.

61 A Figura 36 a seguir mostra a área de projeção motora primária (córtex motor primário) conforme mapeado por PENFIELD (1959). Ocupa a parte posterior do giro pré-central. De forma semelhante ao “Homúnculo de Penfield” sensitivo a mão é representada desproporcionalmente, demonstrando que a extensão da representação cortical é proporcional à delicadeza dos movimentos realizados pelos grupos musculares envolvidos. As principais conexões aferentes da área motora são com o tálamo – através do qual recebe informações do cerebelo, com a área somestésica e com as áreas pré- motora e motora suplementar. Por sua vez, a área motora primária dá origem à maior parte das fibras dos tratos córtico-espinal e córtico-nuclear, principais responsáveis pela motricidade (MACHADO, 2006).

Figura 36: Área do córtex motor primário.

De acordo com MACHADO (2006), as áreas de associação primárias ainda se dividem em subáreas, conforme mostra a figura a seguir:

Figura 37: Áreas de Associação e suas subdivisões, segundo MACHADO (2006).

MACHADO (2006) explica que as áreas sensitivas secundárias (somestésica secundária, visual secundária e auditiva secundária) recebem informações vindas, principalmente, das áreas primárias correspondentes e repassam as informações

62 recebidas às outras áreas do córtex.

“Para que se possa entender melhor o significado funcional das áreas secundárias, cabe descrever os processos mentais envolvidos na identificação de um objeto. Essa identificação se faz em duas etapas: uma de sensação e outra de interpretação. Na etapa de sensação toma-se consciência das características sensoriais do objeto, sua forma, dure/a. cor. tamanho etc. Na etapa de interpretação, ou gnosia, tais características sensoriais são 'comparadas' com o conceito do objeto existente na memória do indivíduo, o que permite sua identificação.”, (Machado, 2006, p. 267).

As duas etapas citadas por MACHADO (2006) na identificação do objeto dependem de áreas corticais distintas. A etapa de sensação ocorre em uma área sensitiva de projeção (primária), já etapa de interpretação da sensação envolve processos psíquicos muito mais complexos, que dependem da integridade das áreas de associação sensitivas secundárias descritas e, em consequência disso, são às vezes denominadas áreas gnósicas. Ainda segundo o autor, esse fato pode ser demonstrado com o emprego de técnicas modernas de visualização do fluxo sanguíneo em áreas restritas do cérebro.

Conforme supramencionado, registros da atividade bioelétrica no córtex e dos padrões do fluxo sanguíneo no interior do cérebro, aferidos por técnicas como a eletroencefalografia, ressonância magnética funcional e outras, permitem, por exemplo, identificar o modo e a localização da ativação cerebral enquanto uma pessoa ouve e produz a linguagem, conforme apresenta a Figura 38, a seguir:

63 Seguindo com as subdivisões das áreas de associação secundárias, MACHADO (2006) afirma que as Áreas de Associação Secundárias Motoras. São adjacentes à área motora primária, relacionando-se com ela. Segundo o autor, lesões nessas áreas frequentemente causam apraxias, isto é, incapacidade de executar determinados atos voluntários e movimentos coordenados, sem que exista qualquer déficit motor (são áreas relacionadas com o planejamento do ato voluntário).

A área motora suplementar encontra-se na face medial do giro frontal superior. Essa área relaciona-se com a concepção ou planejamento de sequências complexas de movimentos e é ativada juntamente com a área motora primária quando esses movimentos são executados, porém, é ativada sozinha quando o indivíduo é solicitado a reproduzir mentalmente a sequência dos movimentos (MACHADO, 2006).

De acordo com MACHADO (2006), a área pré-motora localiza-se no lobo frontal na face lateral do hemisfério. Lesões nessa região fazem com que os músculos tenham sua força diminuída (musculatura axial e proximal dos membros). Projeta-se também para a área motora primária, recebendo impulsos do cerebelo (via tálamo) e de várias áreas de associação do córtex. Através da via córtico-retículo-espinal, que nela se origina, a área pré-motora coloca o corpo em uma postura básica preparatória para a realização de movimentos mais delicados, a cargo da musculatura mais distal dos membros.

A área de Broca, segundo MACHADO (2006), situa-se no giro frontal inferior, em frente à parte da área motora que controla os músculos relacionados com a vocalização, e é responsável pela programação da atividade motora relacionada com a expressão da linguagem.

Luria, apud (MACHADO, 2006, p.270), afirma que as áreas terciárias ocupam o topo da hierarquia funcional do córtex cerebral. Ainda segundo o autor elas são supramodais, isto é, não se relacionam isoladamente com nenhuma modalidade sensorial. São as áreas do cérebro responsáveis pela elaboração das diversas estratégias comportamentais e, além disso, recebem e integram as informações sensoriais já elaboradas por todas as áreas secundárias.

MACHADO (2006) explica que a Área Pré-Frontal compreende a parte anterior não-motora do lobo frontal. Ela recebe fibras de todas as demais áreas de associação do

64 córtex, ligando-se ainda ao sistema límbico. Tal região está envolvida nas seguintes funções: escolha das opções e estratégias comportamentais mais adequadas à situação física e social do indivíduo, assim como a capacidade de alterá-los quando tais situações se modificam; manutenção da atenção; controle do comportamento emocional.

De acordo com segundo MACHADO (2006), a Área Temporo-Parietal situa-se entre as áreas secundárias auditivas, visual e somestésica, funcionando como centro que integra informações recebidas dessas três áreas. É importante para a percepção espacial e esquema corporal.

As Áreas Límbicas estão relacionadas principalmente com a memória e o comportamento emocional (MACHADO, 2006).

Segundo LURIA (1966), a dinâmica do comportamento humano consiste na interconexão dessas diversas redes de informação dispersas pelo corpo: periféricas (pele, músculo, articulações, vísceras) e centrais (mielencefálicas, metencefálicas, mesencefálicas, diencefálicas e telencefálicas), que manifesta a existência de um sistema sensorial na base do desenvolvimento e da aprendizagem. Isto é, as sensações como puras informações integradas devem estimular e ativar, em um todo funcional as células nervosas iniciando o processo neurológico, que culmina nas respostas macro, micro, oro e grafomotoras. Em virtude do desenvolvimento evolutivo, o cérebro necessita organizar as sensações, para que possa receber informações referentes às condições do corpo, como universo intrassomático, bem como do envolvimento extrassomático, com os quais se produz uma motoricidade adaptativa e flexível. Trata- se de uma complexa integração e associação intraneurossensorial, que reflete a tendência evolutiva do processo informativo.

O processo de construção do conhecimento, segundo LURIA (1976) e VYGOTSKY (1998), supõe a integração das sensações, percepções e representações mentais. Sob essa perspectiva pode-se dizer que o cérebro é um sistema aberto que está em constante interação com o meio, e que transforma suas estruturas e mecanismos de funcionamento ao longo desse processo de interação.

De acordo com LURIA (1973), compete ao cérebro organizar a comunicação de milhares de dados, para que as respostas adaptativas integrem repertórios de conhecimento dos indivíduos.

65 As sensações, no processo de construção do conhecimento, devem integrar-se em esquemas de ação, o que demanda a participação da percepção e da estruturação das representações mentais. Dessa forma, o ser tem a capacidade de agir sobre o mundo, acomodar-se a ele, diferenciar-se qualitativamente, e não apenas captá-lo passivamente, LURIA (1980).

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