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CAPÍTULO 2: Ensino e Aprendizagem

2.3 Perspectiva Filosófica e Psicológica

O processo ensino-aprendizagem, consideradas as diferentes matrizes epistemológicas13 da Filosofia, sobretudo nos seus primórdios, e da Psicologia, mais contemporaneamente, apresenta concepções amplamente diferenciadas, dependendo, por exemplo, da ênfase dada ao conhecimento nas diversas teorias oriundas destas diferentes matrizes (AUSUBEL, 1968).

A primeira teoria filosófica com importantes implicações na investigação do processo de ensino-aprendizagem foi o Inatismo14. Tal concepção afirma que os fundamentos do conhecer são passados hereditariamente e, consequentemente, a responsabilidade quanto à incubação do conhecimento provém de fatores biológicos herdados. Segundo inatistas, nascemos, trazendo em nossa mente, não só os princípios racionais, mas também algumas ideias verdadeiras, que, por tal aspecto, são chamadas de ideias inatas (AUSUBEL, 1978).

13 Epistemologia é o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas, e que

visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo dela; Teoria da ciência (FERREIRA, 2000).

14 Representantes importantes do Inatismo são: Platão (séc. IV a.C.), Descartes (séc. XVII) e Kant (séc.

24 Ao contrário do Inatismo, o Empirismo15 sugere que a mente, com seus princípios, seus procedimentos e suas ideias, é formada, ou vem a se constituir, pela experiência. No Empirismo, a responsabilidade pela aquisição do conhecimento é deslocada para as experiências vividas pelo indivíduo na sua relação com os objetos (coisas, situações, pessoas, entre outros) do mundo exterior. Mesmo que opostas, ambas concebem o processo de ensino-aprendizagem formal como caracterizado por ações limitadas aos elementos da díade aprendiz-professor, agentes estes unitários, cara e previamente definidos (AUSUBEL, 1978).

Desde os primórdios da aculturação humana até os dias de hoje, o processo ensino-aprendizagem foi concebido de diversas perspectivas diferentes. Perspectivas estas divergentes em vários aspectos, dentre eles o grau de importância da contextualização da relação entre professor e aprendiz. Entre as propostas mais enfáticas quanto à importância de fatores contextuais no processo ensino-aprendizagem encontra- se o Construtivismo (BECKER 1994).

Com surgimento formal datado do início do século XX, o Construtivismo caracteriza-se por valorizar a convivência social, trabalhos cooperativos e a ação dos indivíduos no ambiente, o que implica em repercussão considerável na compreensão da evolução do processo de ensino-aprendizagem. Até o advento do Construtivismo os elementos “ensinar” e “aprender” eram entendidos por muitos como isolados, sendo que, a partir do Construtivismo, foram redescobertos como dimensões de um processo de grandes revelações, que possibilita e viabiliza experiências expressivas para quem o vivencia (BECKER 1994).

O Construtivismo pode ser visto como um conceito, uma ideia, uma teoria, um modo de produção do conhecimento ou um movimento do pensamento que emerge do avanço das ciências e da filosofia dos últimos séculos. Uma teoria psicopedagógica centrada no modo como o indivíduo constrói o conhecimento. Essa construção ocorre pela ação do homem sobre o objeto do conhecimento, sendo importante ressaltar que, para essa ação, o homem agente traz suas experiências e seus conhecimentos prévios (BECKER 1994).

15 Representam o Empirismo os filósofos ingleses Francis Bacon, John Locke, James Mill, John Stuart

25 A teoria construtivista surgiu em sua versão plena por volta de 1960, representada principalmente pelas obras16 do filósofo e psicólogo Jean Piaget17. Piaget centrou a maior parte de seus esforços intelectuais na busca da resposta à pergunta “Como o conhecimento de um ser humano evolui?”. Com o intuito de respondê-la, Piaget estudou principalmente os modos pelos quais o entendimento do mundo pelas crianças muda no curso do desenvolvimento biológico. Em suas observações, Piaget verificou que o crescimento do conhecimento nas crianças se dá espontaneamente por assimilação, isto é, por organização dos dados do exterior de uma maneira própria, e por acomodação, ou seja, adaptando essa organização18 para poder compreender a realidade (GIRAFFA, 1995).

Para PIAGET (1990), a inteligência lógica tem um mecanismo autorregulador evolutivo. Certas noções, como quantidade, proporção, sequência, causalidade e volume surgem espontaneamente em momentos diferentes do desenvolvimento do indivíduo em sua interação com o meio. As ideias de Piaget partem da suposição de que existe um mecanismo cognitivo natural e que sua evolução se dá com o crescimento biofísico do indivíduo (PIAGET, 1996).

Figura 7: Sir Jean William Fritz Piaget (1886 -1980), epistemólogo.

16 Lógica e Conhecimento Científico (1967) e A Epistemologia Genética (1970).

17 Especialista em psicologia evolutiva e epistemologia genética, o filósofo e educador, Jean Piaget

nasceu em Neuchâtel, Suíça, em 09 de agosto de 1886, e morreu em Genebra a 16 de setembro de 1980.

18 Em Inteligência Artificial, a ideia de auto-organização no sentido de representar aspectos do mundo

26 Outra contribuição valiosa à concepção construtivista é dada pela teoria sócio- interacionista19 do russo Vygotsky20, contemporâneo de Piaget (FREITAS, 1994).

O sócio-interacionismo valoriza muito a cultura e a história no processo de construção do conhecimento. Entende que o “ensinar” e o “aprender” são simultâneos, e se realizam impulsionados pela necessidade de transformação da realidade existente. Quanto à produção e a ampliação do conhecimento, a teoria sócio-interacionista baseia- se numa perspectiva de desenvolvimento apoiada na concepção de um sujeito ativo, em que o pensamento é constituído de maneira gradativa em um ambiente histórico e, em essência, social (GIRAFFA, 1995).

Para VYGOTSKY (1998), a aprendizagem não acontece de maneira isolada, o indivíduo participante de um grupo social, ao conviver com outras pessoas efetua trocas de informações e, desta forma, vai construindo o seu conhecimento conforme seu desenvolvimento psicológico e biológico lhe permite.

“... A história do desenvolvimento das funções psicológicas superiores seria impossível sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas, e de seu arranjo orgânico. As raízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de comportamento, surgem durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só coloca a infância no centro da pré-história e do desenvolvimento cultural...”, (VYGOTSKY, 1998, p.61).

Incrementando a noção construtivista de que conhecimento se dá a partir da ação do sujeito ativo sobre a realidade, VYGOTSKY observou que o sujeito não é apenas ativo, mas interativo. Isto é, constitui conhecimentos que são adquiridos, inclusive, de

19 Também conhecida como interacionismo, construtivismo sócio-interacionista, sócio-construtivista ou

ainda Construtivismo Histórico Social.

20 Lev Semiónovitch Vygotsky nasceu na Bielorrússia, em 5 de novembro de 1896. Graduou-se em

Direito pela Universidade de Moscou, dedicando-se, posteriormente, à pesquisa literária. Entre 1917 e 1923 atuou como professor e pesquisador no campo de Artes, Literatura e Psicologia. A partir de 1924, em Moscou, aprofundou sua investigação no campo da Psicologia, envolvendo-se também com Educação de Deficientes. No período de 1925 à 1934, desenvolveu, com outros cientistas, estudos nas áreas de Psicologia e das anormalidades físicas e mentais. Ao concluir outra formação, em Medicina, foi convidado para dirigir o Departamento de Psicologia do Instituto Soviético de Medicina Experimental. Faleceu em 11 de junho de 1934.

27 forma intrapessoal em relações interpessoais21. Na interação com outros sujeitos, internalizam-se conhecimentos, papéis e funções sociais, permitindo a constituição não apenas de conhecimentos, mas da própria consciência.

Figura 8: Lev S. Vygotsky (1896-1934), professor e pesquisador.

Outro conceito fundamental da teoria de Vygotsky é o da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Quando se fala em ZDP é necessário definir quais são os níveis de desenvolvimento do aprendiz. Para VYGOTSKY (1998), existem dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial. O primeiro pode ser considerado como o desenvolvimento das funções mentais já amadurecidas, resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados. Já o segundo é “o que pode vir a ser”, ou seja, o que pode ser desenvolvido no indivíduo. A passagem do nível de desenvolvimento real para o potencial ocorre por uma fronteira denominada pelo autor de: zona de desenvolvimento proximal. Em outras palavras:

Nível de Desenvolvimento Real (NDR): define funções que o a.

aprendiz já possui.

Nível de Desenvolvimento Potencial (NDP): determina as b.

funções que o aprendiz pode desenvolver, através da orientação de um tutor ou em cooperação com outros

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Existe, hoje em dia, a interessante abordagem que observa e permite trabalhar o equilíbrio entre o intrapessoal e o interpessoal em grupos sociais, denominada de Inteligência Emocional (GOLEMAN, 1995, 2002).

28 aprendizes com maior conhecimento sobre o problema em questão.

VYGOTSKY (1998) explica em seu trabalho que a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o potencial. Podendo ser equacionada da seguinte forma:

𝑍𝑃𝐷 = 𝑁𝐷𝑃 − 𝑁𝐷𝑅 (1)

“... A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de brotos, ou flores do desenvolvimento, em vez de frutos do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente...”, (VYGOTSKY, 1998, p. 98).

Conclui-se que o foco das pesquisas de Vygotsky reside no reconhecimento de que a interação social possui um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo22. Vygotsky considera que toda a função no desenvolvimento cognitivo de um indivíduo aparece primeiramente no nível social, entre pessoas, e depois no nível individual, ou seja, internamente ao próprio sujeito.

Por fim, a teoria cognitivista de David Ausubel23 afirma que aprendizagem só ocorre de forma significativa se houver bases para se ancorar, que quando se recebe um novo conhecimento, esse por sua vez deve se correlacionar com o saber prévio, para que as estruturas cognitivas trabalhem para internalizar esse novo saber. Essa interação constitui para Ausubel, uma experiência consciente, claramente articulada e precisamente diferenciada, que emerge quando sinais, símbolos, conceitos e proposições potencialmente significativos são relacionados à estrutura cognitiva e nela incorporados, (MASINI, 1999).

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Relativo aos processos de aquisição do conhecimento.

23 David Paul Ausubel foi um psicólogo estadunidense atuante na área de educação, nasceu em Nova

29 Segundo AUSUBEL (1978), a aprendizagem é a organização e integração do conhecimento na estrutura cognitiva, por meio de uma estrutura hierárquica de conceitos. Dessa forma, pode-se afirmar que quanto mais conhecimento prévio o indivíduo possui, e maior for a importância desse saber em determinado momento, mais os conhecimentos serão internalizados por ele.

Figura 9: David Paul Ausubel, psicólogo.

A teoria da aprendizagem significativa de Ausubel vem de encontro com os problemas relativos ao processo de ensino-aprendizagem observados atualmente nas instituições de ensino. Conforme mencionado anteriormente, a tecnologia mudou o comportamento dos indivíduos, porém o sistema de ensino permanece quase inalterado. Por essa razão, torna-se difícil o diagnóstico do motivo dessa aprendizagem não fazer sentido para os aprendizes de hoje, que apresentam falta de interesse em aprender pelo método tradicional. Por meio da análise, levando-se em conta a teoria de aprendizagem significativa de Ausubel, pode-se entender e considerar o indivíduo como o principal personagem nesse processo, criando soluções que auxiliem no seu aprendizado.

“... A aprendizagem significativa tem vantagens notáveis, tanto do ponto de vista do enriquecimento da estrutura cognitiva do aluno como do ponto de vista da lembrança posterior e da utilização para experimentar novas aprendizagens, fatores que a delimitam como sendo a aprendizagem mais adequada para ser promovida entre os alunos...”, (PELIZZARI et al, 2002). O estudo da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel, leva a observar

30 outras perspectivas no processo de ensino-aprendizagem. MOREIRA (2006) afirma que a aprendizagem significativa acontece quando há uma conexão entre a realidade do indivíduo com o conhecimento que se deseja construir, se não existir essa relação, a aprendizagem fica perdida, pois é apenas mecânica.

“... Na aprendizagem significativa o novo conhecimento nunca é internalizado de maneira literal, porque no momento em que passa a ter significado para o aprendiz entra em cena o componente idiossincrático da significação. Aprender significativamente implica atribuir significados e estes têm sempre componentes pessoais. Aprendizagem sem atribuição de significados pessoais, sem relação com o conhecimento preexistente, é mecânica, não significativa...”, (MOREIRA, 2006).

Portanto, a aprendizagem não pode ficar restrita somente a conteúdos, métodos e processos de ensino. O conhecimento não pode apenas ser transmitido pelo professor e aprendido passivamente pelo aprendiz, pois ensinar e aprender com sentido requer interação, emoção, percepção e envolvimento de todas as partes. O caminho para a aprendizagem significativa não é linear, mas um conjunto de ações que levam ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do indivíduo.