• Nenhum resultado encontrado

Aspectos práticos da participação administrativa atual e sua aplicação no direito de laje

4. DIREITO REAL DE LAJE (PROPRIEDADE SUPERFICIÁRIA) NA ADMINISTRAÇÃO

4.4. Administração Pública e a ocupação do espaço urbano

4.4.4 A participação administrativa como ferramenta de gestão do patrimônio público

4.4.4.1 Aspectos práticos da participação administrativa atual e sua aplicação no direito de laje

Compreendido o conceito de participação administrativa, importa verificar as possibilidades de aplicação dos mecanismos no direito administrativo contemporâneo, marcado por mudanças advindas da tecnologia digital e da gestão pública cada vez mais multifacetada, em especial a possibilidade de valer-se desses instrumentos para verificar, no caso concreto, o real interesse e conveniência da instituição do direito de laje sobre determinado bem público de uso comum ou imóvel de titularidade estatal.

Conforme mencionado, a aplicação dos instrumentos de participação administrativa se dá nas hipóteses em que há discricionariedade de atuação do gestor público. Para o presente estudo, importa que a atividade administrativa seja praticada levando-se em conta tais preceitos, eis que a utilização do direito real de laje na Administração Pública não decorre de estrita obrigação legal, pois ocorrerá nos casos de discricionariedade, em que haverá comparações entre as possíveis soluções para o problema posto, nos quais o direito de laje pode ser ou não escolhido como ferramenta que melhor cumpra com a necessidade apresentada.

No Brasil, o Decreto Presidencial nº 8.243, de 23 de maio de 2014, instituiu a Política Nacional de Participação Social, com objetivo de tornar mais democráticos os processos decisórios administrativos no âmbito federal, com atuação conjunta com a sociedade civil (CASTRO, 2016).

Referida norma trata de limitação à discricionariedade da Administração Pública, trazendo aspectos procedimentais e um dever geral de atuação participada (CASTRO, 2016).

Como ponto inovador do Decreto, surge no rol de mecanismos de participação, além da consulta pública e audiência pública, o ambiente virtual de participação social e outras menções de uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) (CASTRO, 2016).

Para o estudo da participação administrativa contemporânea, importa sobremaneira o conceito de Administração Pública Digital, haja vista que os mecanismos de participação ganharam substancial incremento com as novas tecnologias e novas possibilidades advindas desse uso.

Desse modo, a Administração Pública Digital é mais do que simplesmente a adoção de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC - caracterizadoras da Administração Pública Eletrônica) na atuação administrativa, pois requer uma mudança comportamental e de gestão, conforme explica Castro ao formular o conceito (2016, p. 90):

sendo entendida esta como uma nova fase da Administração, caracterizada pela utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação no alcance das finalidades estatais, no âmbito da função administrativa, tanto nas suas relações externas como internas, significando mudanças organizacionais que otimizem a publicidade, legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência da administração. bem como se traduzam numa democratização das decisões administrativas.

Em suma, há a desmaterialização dos documentos, encurtamento das distâncias, aumento da velocidade de comunicação e decisão, automatização de funções, conexões em rede, prevalência da publicidade da informação e, num segundo momento, inclusive o uso da inteligência artificial e blockchain.

O uso de tecnologia, portanto, visa incrementar a participação administrativa dos cidadãos. Para um resultado satisfatório, que represente uma evolução tanto em quantidade quanto em qualidade nos aspectos participativos dos indivíduos em sociedade, é preciso outros fatores em consonância com os instrumentos tecnológicos.

A acessibilidade à informação, que certamente é potencializada com os mecanismos digitais e a transparência pública via portal online, constitui pressuposto essencial à cooperação dos cidadãos e da Administração Pública nos processos administrativos (NIEBUHR, 2017). Por consequência, o acesso à informação também é fundamental para o exercício da participação administrativa.

Para Niebuhr, no sentido de democratizar a informação e permitir que os indivíduos, afetados ou não, participem dos procedimentos administrativos é primordial que a atividade desenvolvida pelo poder público seja divulgada na internet, publicização esta que seria uma obrigação “deduzida do próprio contexto constitucional e legal brasileiro” (2017, p. 159).

Assim, a utilização das tecnologias da informação e comunicação deve ser pautada pelo princípio da publicidade para a promoção da participação administrativa qualificada.

É justamente esse o espírito da Lei de Acesso à Informação, que prevê expressamente em seu artigo 3º a utilização das TIC para assegurar a publicidade dos atos da Administração Pública (BRASIL, 2011). No caso concreto de aplicação do direito de laje na esfera estatal, as informações atinentes aos imóveis, vias, bairros e vizinhanças impactados deverão ser disponibilizadas aos indivíduos interessados.

A publicidade dos atos administrativos encontra, contudo, óbices materiais que impedem a divulgação da totalidade dos procedimentos. A utilização das TIC permite uma redução no custo e complexidade da publicização administrativa, o que incrementa a noção de participação dos cidadãos no sentido já afirmado, superando em parte esses óbices materiais (CASTRO, 2016).

Em interessante estudo, realizado para apurar as razões determinantes da participação na produção coletiva de ideias para solução de problemas públicos, Martins e Bermejo explicam o conceito de plataforma de produção coletiva de ideias. Trata-se, pois, de um espaço online em que a instituição promotora (órgão ou entidade pública) lança um questionamento de interesse público e solicita a participação dos cidadãos para resolverem a demanda, normalmente com uma premiação em dinheiro para a solução aclamada pelos demais participantes e pela própria instituição (2018, p. 419).

É, assim, uma ferramenta de participação que se vale da tecnologia para expandir o alcance da medida e otimizar o tempo dos participantes e a objetividade do procedimento.

Contudo, a maior contribuição do estudo referido é verificar quais os fatores determinantes para que os indivíduos participem efetivamente na propositura de solução para os problemas públicos.

Desse modo, após a pesquisa com base de dados e a análise das equações estruturais, os autores concluíram que os fatores que mais influem no interesse do cidadão participar são a comodidade da ferramenta e o retorno dado pela instituição pública, razão pela qual entendem que se deve privilegiar o contato, interação e feedback dos agentes públicos, valorizar as ideias dos cidadãos e permitir que sejam implementadas (MARTINS e BERMEJO, 2018).

Na Espanha, estudo que também apurou as características da utilização de serviços públicos via digital, apontou que as razões para o uso do serviço oferecido estão condicionadas à qualidade e ao grau de satisfação dos usuários, bem como relacionadas à facilidade de manuseio da ferramenta e compreensão da informação (BARRERA-BARRERA; REY-MORENO; MEDINA-MOLINA, 2019).

A utilização das tecnologias, portanto, para que seja de fato válida e impacte positivamente a participação administrativa, deve vir acompanhada de ações que signifiquem a valorização dos indivíduos participantes e alcance a interação entre cidadãos e Administração Pública.

Essa mudança de perspectiva na relação entre cidadão e Estado é apontada também por Motta, já há tempos, como aspecto fundamental para a implementação da participação administrativa (1994, p. 20):

As experiências relatadas permitem inferir que participação e descentralização não se introduzem por simples organização administrativa; é necessário que se realizem também alterações nas estruturas políticas, sociais e econômicas.

Em outras palavras, é preciso que ocorram mudanças nas relações Estado/sociedade que se reflitam em novas ligações entre a administração e seu público.

A ideia de novas ligações entre cidadãos e Administração Pública é justamente ampliada com a aplicação das TIC, e é nesse sentido que se entende a real contribuição do aparato tecnológico na atuação administrativa.

Apesar disso, é necessário ponderar que o grau de acesso às ferramentas tecnológicas e à própria internet varia conforme região, classe social, grau de escolaridade e faixa etária, razão pela qual subsiste a importância da manutenção de outros meios de acesso à participação administrativa que não o digital.

De acordo com pesquisa realizada na Espanha, os cidadãos que mais se utilizam da Administração Pública Digital são os jovens, estudantes e indivíduos com elevada escolaridade, ao passo que os que menos a utilizam são os aposentados com baixa escolaridade (BARRERA-BARRERA; REY-MORENO; MEDINA-MOLINA, 2019). No Brasil, em virtude das características sociais, essa discrepância tende a se agravar.

Dito isso, relevante exemplo de utilização da tecnologia no âmbito participativo é o projeto espanhol intitulado “Decide Madrid”, implementado em 2015 e ainda em funcionamento, consistente numa plataforma online de participação popular em que os cidadãos cadastrados enviam sugestões e votam nos projetos que serão adotados na cidade ibérica (DECIDE MADRID, 2019).

O Decide Madrid utiliza um software de participação chamado “Consul”, que já foi adotado por cidades como Montevidéu e Buenos Aires, e aborda principalmente projetos relacionados ao meio ambiente, mobilidade urbana e urbanismo, aplicando os cerca de 100 milhões de euros do orçamento participativo da cidade em ações de fato decididas pelos cidadãos (SÃO PAULO SÃO, 2018).

A participação administrativa, em especial promovida por meio digital, pode constituir importante mecanismo de escolha da aplicação ou não do direito real de laje na Administração Pública, em determinado caso concreto. É nesse sentido que se defende, mesmo com as possíveis vantagens apontadas do instituto jurídico, que a utilização do direito de laje no âmbito público depende da vontade e opção não só do gestor, mas principalmente da população, em especial da população que será mais diretamente afetada por tal escolha.

O presente e futuro da participação administrativa passa, necessariamente, pelo uso e domínio das TIC, pela ampliação do acesso à internet e pela interação entre Estado e cidadãos, com respostas conferidas aos indivíduos como resultado do processo administrativo participado. Tais ditames, sem dúvida, também devem ser aplicados no momento de análise e escolha do uso do direito real de laje na Administração Pública.