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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. Eduardo Junqueira Bertoncini

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Eduardo Junqueira Bertoncini

O DIREITO REAL DE LAJE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: OCUPAÇÃO SUSTENTÁVEL E EFICIENTE DO ESPAÇO URBANO E PRESTÍGIO DA FUNÇÃO

SOCIAL E ECONÔMICA DOS BENS PÚBLICOS

Florianópolis 2021

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Eduardo Junqueira Bertoncini

O DIREITO REAL DE LAJE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: OCUPAÇÃO SUSTENTÁVEL E EFICIENTE DO ESPAÇO URBANO E PRESTÍGIO DA FUNÇÃO

SOCIAL E ECONÔMICA DOS BENS PÚBLICOS

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam Coorientador:Prof. Dr. André Saddy

Florianópolis 2021

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Eduardo Junqueira Bertoncini

O direito real de laje na Administração Pública: ocupação sustentável e eficiente do espaço urbano e prestígio da função social e econômica dos bens públicos.

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Presidente: Prof. José Sérgio da Silva Cristóvam, Dr.

PPGD/UFSC

Prof. Pedro de Menezes Niebuhr, Dr.

PPGD/UFSC

Prof. Guilherme Henrique Lima Reinig, Dr.

CCJ/UFSC

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Direito.

____________________________

Coordenação do Programa de Pós-Graduação

___________________________________

Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam Orientador

_______________________________

Prof. Dr. André Saddy Coorientador

Florianópolis, 2021.

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AGRADECIMENTOS

O trabalho de pesquisa acadêmica, em regra, é atividade solitária e introspectiva.

Apesar disso, seria injusto dizer que passei sozinho pelos desafios encontrados na pesquisa. É preciso reconhecer as contribuições daqueles que estão próximos e de uma forma ou outra, acompanharam a intensa jornada do mestrado em direito.

Agradeço em especial aos meus pais, pelo incentivo desde o início, pelas palavras amorosas nos momentos de incerteza e pelo suporte incondicional. Devo a eles as oportunidades que me foram dadas e o estímulo ao estudo. Ao meu irmão, agradeço pelo auxílio nas dúvidas que surgiram no decorrer da redação do trabalho, assim como pela leitura do texto, além de servir como inspiração e de ter me incentivado em realizar o mestrado no Programa de Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.

À minha noiva, agradeço pela compreensão e carinho, pelo exemplo de dedicação em tornar planos realidade, pelo ânimo nos momentos de cansaço e pela companhia durante a redação do trabalho. Com o amor há esperança.

Agradeço aos meus sócios do escritório, pela força e ajuda nas horas de ausência, pelo estímulo desde antes do ingresso no curso e pela parceria singular que me dão a honra de desfrutar. Verdadeiros amigos desde sempre em quem deposito genuína confiança.

Ao meu orientador, agradeço a oportunidade e por acreditar na pesquisa proposta, por ter mostrado caminhos, assim como pelos auxílios e correções no trabalho escrito, de suma importância para o aprimoramento da dissertação. Agradeço também ao meu coorientador, por todas as observações e sugestões dadas à pesquisa e ao trabalho, que sem quaisquer dúvidas muito contribuíram ao tema proposto.

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O trabalho teórico, como a cada dia mais me convenço, realiza mais no mundo do que o trabalho prático. Quando a esfera das ideias é revolucionada, a realidade existente não resiste.

(HEGEL, 1808)

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RESUMO

A presente dissertação busca analisar a possibilidade da aplicação do direito real de laje no âmbito da Administração Pública, fundamentada nos princípios da função social e econômica dos bens públicos. O objetivo geral é averiguar se o direito real de laje na Administração Pública pode promover a ocupação sustentável e eficiente do espaço urbano, conferindo prestígio à função social e econômica dos bens públicos, por meio da otimização do uso dos imóveis urbanos. Possui ainda como objetivos analisar o direito de laje no âmbito privado, discutir o regime jurídico dos bens públicos e explorar as possíveis aplicações do direito de laje na Administração Pública, assim como os efeitos de tal uso. Dessa maneira, apresenta as origens e características do instituto jurídico na esfera do direito privado, com uma abordagem que ultrapassa a ideia de restrição de uso aos núcleos urbanos informais Ainda, o diferencia dos demais instrumentos de direito civil, em especial do direito de superfície. O trabalho prossegue com a abordagem do direito administrativo contemporâneo, pautado em critérios de sustentabilidade, que embasa um regime jurídico dos bens públicos capaz de acolher o direito de laje. É apresentado um panorama atual da ocupação dos bens públicos imóveis no Brasil, em especial os da União. No capítulo seguinte, é tratado o uso do direito de laje sobre bens públicos em favor de particular, o uso sobre bens privados em favor de ente público e o uso entre dois entes públicos distintos. É abordada, também, a utilização do instituto como instrumento de regularização fundiária urbana. São estudados os princípios da função social e econômica dos bens públicos, assim como é explorado o dever da Administração Pública em promover a adequada ocupação urbana. No que toca à aplicação prática do direito de laje no âmbito estatal, é investigada a necessidade de legislação específica, no intuito de conferir maior segurança e ampliar as possibilidades, e a legitimação do instrumento mediante a participação administrativa. Por fim, são abordadas as prováveis vantagens na aplicação do instituto jurídico, assim como as perspectivas já previstas nessa utilização. Conclui-se pela viabilidade de aplicação do direito de laje na Administração Pública, representando um instrumento jurídico capaz de promover a função social e econômica dos bens públicos, com aproveitamento do espaço urbano de forma sustentável e eficiente e geração de receitas. O método de pesquisa adotado é o dedutivo. A pesquisa pode ser classificada em relação à abordagem como qualitativa e em relação ao objetivo como exploratória. No que toca ao procedimento, a elaboração do trabalho segue o método monográfico. A técnica de pesquisa empregada é a bibliográfica e documental.

Palavras-chave: direito real de laje; bens públicos; função social da propriedade; função econômica dos bens públicos; ocupação urbana.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the possibility of applying the “direito real de laje”, freely translated as “slab real property right” or “slab right”, in the scope of Public Administration, based on the principles of the social and economic function of public assets. The general objective is to investigate whether the “slab right” in the Public Administration can promote sustainable and efficient occupation of urban space, in consideration of the social and economic function of public assets, through the optimization of urban properties’ use. Moreover, another objective of this work is to analyze “slab right” in the private sector, discuss the legal regime of public assets and explore the possible applications of “slab right” in Public Administration, as well as the effects of such use. In that sense, this dissertation presents the origins and characteristics of the legal institute in private law, with an approach that goes beyond the idea of restricting its use to slum areas and underdeveloped neighborhoods. It also differentiates it from other civil law instruments, especially the right of superficies. The work proceeds with the approach of contemporary administrative law, based on sustainability criteria, which supports a legal regime of public assets capable of accepting the “slab right”. A current overview of the occupation of real estate public property in Brazil is presented, especially those of the Federal Union. In the subsequent chapter, the use of “slab right” on public property in favor of a private person and the use of private property in favor of a public entity are discussed.

Furthermore, the work proposes to study the use of this legal concept between two distinct public entities as well. The application of “slab right” as an instrument for urban land tenure (adverse possession) regularization is also addressed. The principles of the social and economic function of public assets are studied, as well as the Public Administration's duty to promote adequate urban occupation. Regarding the practical application of “slab right” at the state level, the need for specific legislation is investigated, to provide greater security and expand the possibilities, as well as the legitimacy of the instrument through administrative participation.

Finally, the probable advantages of applying this legal concept are discussed, as also the perspectives already foreseen in its use. This work concluded by the feasibility of applying the

“slab right” in Public Administration, representing a legal instrument capable of promoting the social and economic function of public assets, with sustainable and efficient use of urban space and revenue generation. The research method is deductive. The research can be classified as qualitative and exploratory. In what regards the research procedure, the elaboration of this work follows the monographic method. The research techniques used are bibliographic and documental.

Keywords: “slab real property right”; public assets; social function of property; economic function of public assets; urban ocupation.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 9

2. DIREITO REAL DE LAJE ... 14

2.1 Direito real de laje no âmbito privado ... 14

2.1.1 Fundamentos fáticos e origem ... 15

2.1.2 Natureza jurídica... 19

2.1.3 Aspectos normativos e procedimentais ... 23

2.1.3.1 Delimitação físico-espacial e objeto ... 24

2.1.3.2 Regramento tributário ... 26

2.1.3.3 Direitos do titular da laje ... 28

2.1.3.4 Despesas de conservação ... 30

2.1.3.5 Registro Público Imobiliário ... 31

2.1.4 Aspectos controversos ... 33

2.2 Direito real de laje contraposto a outros institutos jurídicos ... 36

2.2.1 Direito de superfície ... 37

2.2.2 Condomínio Edilício ... 41

2.2.3 Servidões ... 43

2.2.4 Incorporação Imobiliária ... 45

2.3 Considerações parciais do capítulo... 47

3. VISÃO GERAL DOS BENS PÚBLICOS NO DIREITO BRASILEIRO ... 50

3.1 O direito administrativo contemporâneo e a antessala para o direito real de laje na Administração Pública ... 50

3.2 A sustentabilidade, a eficiência e o direito administrativo ... 57

3.3 Abordando os bens públicos no direito brasileiro ... 66

3.3.1 Caminho percorrido ... 67

3.3.2 Características, aspectos normativos e conceituais dos bens públicos que fundamentam a aplicação do direito de laje ... 71

3.3.2.1 Domínios ... 72

3.3.2.2 Critério civilista para delimitação dos bens públicos – subjetivo ... 74

3.3.2.3 Critério funcionalista – caráter objetivo ... 76

3.3.2.4 A repartição dos bens públicos com base no art. 99 do Código Civil ... 77

3.3.2.5 Afetação e desafetação ... 79

3.3.3 Regime jurídico dos bens públicos ... 81

3.3.3.1 Alienabilidade Condicionada ... 82

3.3.3.2 Impenhorabilidade ... 84

3.3.3.3 Imprescritibilidade ... 84

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3.3.3.4 Não onerabilidade ... 85

3.4 Uso dos bens públicos por particular ... 86

3.4.1 Uso comum ... 87

3.4.2 Uso privativo ... 88

3.4.2.1 Bens públicos afetados: autorização de uso, permissão de uso e concessão de uso... 89

3.4.2.2 Bens públicos não-afetados: locação, arrendamento, enfiteuse ou aforamento, cessão de uso, concessão de direito real de uso ... 91

3.5 Servidão administrativa ... 94

3.6 Panorama atual dos bens públicos imóveis no Brasil ... 97

3.7 Considerações parciais do capítulo... 99

4. DIREITO REAL DE LAJE (PROPRIEDADE SUPERFICIÁRIA) NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A FUNÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA DOS BENS PÚBLICOS IMÓVEIS 102 4.1. A aplicação do instituto na esfera da Administração Pública ... 102

4.1.1 Direito real de laje em imóveis públicos ... 103

4.1.1.2 Instrumento de regularização fundiária urbana ... 105

4.1.2 Direito real de laje de titularidade pública em imóveis privados ... 107

4.1.3 Utilização entre entes públicos distintos ... 108

4.1.4 Direito real de laje sobre bens públicos de uso comum ... 109

4.2. Questões procedimentais e licitação ... 111

4.3. Necessidade de legislação específica? ... 112

4.4. Administração Pública e a ocupação do espaço urbano ... 114

4.4.1 O princípio da função social da propriedade ... 117

4.4.2 Função social da propriedade pública? ... 119

4.4.3 A função econômica dos bens públicos ... 121

4.4.4 A participação administrativa como ferramenta de gestão do patrimônio público imobiliário ... 125

4.4.4.1 Aspectos práticos da participação administrativa atual e sua aplicação no direito de laje ... 128

4.5. A escassez de espaço e o direito real de laje ... 132

4.6. Aspectos econômicos do direito real de laje na Administração Pública: redução de despesas e aumento de receitas ... 133

4.6.1 Receita pela alienação da laje ... 133

4.6.2 Receita indireta pela incidência de tributos ... 134

4.7. Perspectivas do direito real de laje (propriedade superficiária) na Administração Pública ... 135

4.8. Considerações parciais do capítulo... 136

4 CONCLUSÃO ... 138

REFERÊNCIAS ... 143

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1. INTRODUÇÃO

A presente dissertação possui como tema a aplicação do instituto jurídico do direito real de laje no âmbito da Administração Pública, com fundamento na necessária observância, por parte do Poder Público, da ocupação urbana de forma sustentável e eficiente, assim como da função social e econômica dos bens públicos.

A pesquisa ora proposta revela-se tema de notável interesse e atualidade. O debate acerca da importância dos bens públicos e da gestão dos imóveis públicos toma corpo no cenário de crise econômica, política e de legitimidade democrática que afeta o Brasil.

De igual maneira, também a análise da observância dos quesitos de sustentabilidade ambiental, social e econômica no âmbito da Administração Pública demonstra a relevância desses aspectos no direito administrativo contemporâneo.

São temas que passam por mudanças e polêmicas nas últimas décadas, e fazem parte de uma nova estrutura paradigmática do regime jurídico administrativo, que leva em conta os reais interesses dos cidadãos, com uma relação horizontalizada e consensual, valorizadora dos direitos fundamentais. Assim, tanto em uma visão contemporânea quanto em um olhar prospectivo essas questões se fazem de primordial relevância para o desenvolvimento da sociedade brasileira.

O direito real de laje, nova espécie de direito real sobre coisa própria, divergindo-se, assim, ainda que haja opinião em outro sentido, dos direitos reais sobre coisa alheia, foi normatizado por meio da Lei n. 13.465 de 2017, que incluiu os artigos 1.510-A a 1.510-E no Código Civil.

A princípio, a motivação desse novo direito real é a regularização e normatização da comum situação fática das comunidades e zonas ocupadas por populações menos favorecidas, em que há a ocupação da laje dos imóveis e comercialização desse espaço. Contudo, como será verificado, o uso do instituto não é exclusivo dessas situações, possuindo abrangência muito maior.

Assim, o estudo ora proposto não se limita a análise das disposições legais existentes sobre o tema no âmbito privado, mas sim pretende verificar a viabilidade e importância do uso do instituto pela Administração Pública. Isso porque a ocupação do espaço urbano toma cada vez mais destaque nas grandes cidades e naquelas em que há restrições territoriais.

Nessa temática em que são desenvolvidos diversos conflitos de interesses, especialmente os de ordem econômica, ambiental e social, conciliar o crescimento sustentável

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nesses três aspectos é tarefa árdua e que exige inovações do setor público e privado, em um trabalho conjunto incessante.

A ocupação urbana, seu planejamento e repercussões impactam diretamente a vida dos cidadãos, seja no âmbito de mobilidade, moradia, lazer e acesso aos equipamentos públicos, enfim, todos componentes do conceito de qualidade de vida.

Por essas razões, a função social dos bens públicos, consubstanciada no princípio da função social da propriedade, aqui entendida como plenamente aplicável à propriedade pública, restringe a atuação do gestor público. Assim, cabe ao administrador promover adequada ocupação do espaço urbano, especialmente com relação aos imóveis públicos, e não apenas cobrar do particular que o faça.

Do mesmo modo, a função econômica dos bens públicos, partindo da ideia de utilidade, deve ser atendida pela Administração Pública, sendo dado valor ao uso do bem imóvel de forma direta ou como meio de geração de receitas. Não é segredo o descaso com que é tratado o tema do abandono de imóveis públicos ou sua subutilização, na grande parte das vezes em prejuízo da revitalização de áreas das grandes cidades e obstaculizando o acesso à moradia digna de caráter social.

Nesse sentido, o direito real de laje surge como mais um instrumento de promoção da ocupação urbana inteligente, pois permite maior aproveitamento dos imóveis.

O instituto jurídico, é verdade, surgiu no ordenamento pátrio como solução para uma situação fática específica do âmbito privado. Demonstra, contudo, enorme potencial de aplicação no setor público. Cita-se, à guisa de exemplo, no caso em que a Administração Pública é a adquirente do direito de laje sobre imóvel privado: construção de equipamentos públicos (escolas, creches, postos de saúde, postos policiais, postos de atendimento ao cidadão, ponto de informação turística) em área de grande concentração imobiliária, em que há escassez de imóveis e consequente aumento do valor, acarretando vantagem financeira quando comparado à desapropriação ou aquisição integral de imóvel pronto. Nas hipóteses em que a Administração Pública é alienante do direito de laje sobre imóvel público: construção de empreendimentos privados com função social (hotel sobre rodoviária ou estação ferroviária, prédio sobre estação de metrô, estacionamentos sobre ou sob imóveis sede de órgãos públicos), permitindo um aproveitamento total do imóvel e arrecadação orçamentária, sem que a Administração Pública se desfaça do bem que ocupa.

Diante do panorama desolador de crise vivenciada pelo Estado brasileiro, crise em diversas acepções e áreas, a pesquisa não possui apenas o interesse em buscar soluções, mas sim um real dever. Assim, a pesquisa ora proposta pretende contribuir com um crescimento

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sustentável nacional, que passa obrigatoriamente pela ação do Poder Público, com ideias e atuação inovadoras. Não se pretende, contudo, uma ruptura absoluta com o que está posto.

Entende-se preciso, sim, fornecer e construir novas possibilidades, desde que atinentes aos princípios constitucionais regentes da matéria.

Qualificar o debate sobre as soluções jurídicas é também uma das intenções do presente estudo, para possibilitar novas formas de contratações, de aproveitamento do espaço urbano, de arrecadação orçamentária, de manejo de verbas ao atendimento de direitos sociais, que confluem para a promoção da sustentabilidade (ambiental, social e econômica). Busca-se, assim, oferecer alternativas ao gestor público, evitando um engessamento da atuação administrativa.

Com base nos levantamentos supramencionados, formulou-se o problema da pesquisa:

pode a utilização do direito real de laje pela Administração Pública promover a ocupação sustentável e eficiente do espaço urbano, conferindo prestígio à função social e econômica dos bens públicos?

Em resposta ao problema formulado, buscou-se a validação da seguinte hipótese da pesquisa: a despeito da recente normatização do direito real de laje no âmbito privado, os princípios constitucionais da sustentabilidade e eficiência administrativa, assim como o regime jurídico-administrativo, abarcam a possibilidade do uso do direito real de laje como opção à Administração Pública, devendo ser adotada uma legislação específica ao setor público, de forma a promover uma ocupação sustentável eficiente do espaço urbano, com otimização do uso dos imóveis públicos, prestigiando a função social e econômica dos bens públicos.

Diante disso, o objetivo geral, portanto, é averiguar se o direito real de laje na Administração Pública pode promover a ocupação sustentável e eficiente do espaço urbano, conferindo prestígio à função social e econômica dos bens públicos, por meio da otimização do uso dos imóveis urbanos.

Já como objetivos específicos, o estudo almeja analisar o instituto do direito real de laje, com suas características e normas no âmbito privado, diferenciando-o dos demais institutos jurídicos; discutir o regime jurídico dos bens públicos e seus desdobramentos, assim como as suas características, o uso privado e o panorama atual dos bens públicos imóveis; investigar a viabilidade jurídica da aplicação do direito real de laje no âmbito estatal, bem como a ocupação do espaço urbano pela Administração Pública, os princípios da função social da propriedade e da função econômica dos bens públicos, de forma a verificar possíveis benefícios do direito de laje nesses campos.

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Dessa forma, no primeiro capítulo busca-se apresentar o direito real de laje positivado na esfera do direito civil, com o advento da Lei n. 13.465 de 2017, que modificou o Código Civil. Para tanto, parte-se da análise histórica e fática do instituto, de suas características e natureza jurídica. Ao final do capítulo, procede-se à diferenciação do direito de laje em relação a outros institutos que possuam alguma semelhança.

Como será visto, o instituto representa verdadeira propriedade superficiária, tratando de exceção ao princípio superfícies solo cedit. Em regra, no direito brasileiro as construções realizadas em um imóvel acedem ao solo, passando a ser de titularidade do proprietário do terreno. Todavia, existem exceções, entre elas o direito real de laje, pois há uma desvinculação da laje alienada em relação ao solo e à construção-base.

No segundo capítulo, estuda-se o regime jurídico dos bens públicos, a partir da ótica do direito administrativo contemporâneo. Tece-se, brevemente, um apanhado do caminho percorrido até então pelos bens públicos no direito brasileiro. Adentrando às características dos bens públicos, dá-se destaque ao critério de alienabilidade, assim como à ideia da afetação, aspectos fundamentais ao uso do direito de laje no âmbito estatal. Pretende-se, desse modo, estabelecer as bases para a aplicação do instituto em análise. Passa-se, ainda, por instrumentos de uso privado dos bens públicos, diferenciando-os do direito real de laje. Ao final desse capítulo, aborda-se o panorama atual de utilização do patrimônio público imobiliário.

No terceiro capítulo ocorre a análise do direito real de laje na Administração Pública, com as diferentes espécies de uso do instituto, seja em favor do ente público ou em favor de particular. Ainda, traz-se exemplos práticos de soluções adotadas em outros países que poderiam ser aplicadas no Brasil com o uso do direito de laje, em especial estruturações imobiliárias em bens públicos de uso comum, como vias e praças.

Aborda-se, também, a utilização do instituto como instrumento de regularização fundiária urbana, papel já apontado como viável por parte da doutrina. Ainda neste capítulo, trata-se da necessidade de legislação específica ao direito real de laje no âmbito da Administração Pública, no sentido de conferir maior segurança aos gestores e alcance ao instituto.

Outro tema importante do último capítulo é a função social e econômica dos bens públicos, apresentada sob uma ótica de dever da Administração Pública, com o intuito de promoção da adequada ocupação urbana. Nessa mesma toada, desenvolve-se a temática da participação administrativa para a escolha, no caso concreto, do uso do direito de laje, o que legitima eventual aplicação do instituto.

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Por fim, aponta-se possíveis perspectivas para o direito real de laje na esfera estatal, revelando-se os potenciais da utilização dessa figura originária do direito privado no campo do direito público.

O método de pesquisa adotado será o método dedutivo. A pesquisa pode ser classificada em relação à abordagem como qualitativa e em relação ao objetivo como exploratória. No que toca ao procedimento, a elaboração do trabalho seguirá o método monográfico. A técnica de pesquisa empregada é a bibliográfica e documental.

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2. DIREITO REAL DE LAJE

A presente pesquisa busca verificar a aplicação e os impactos do direito real de laje no âmbito da Administração Pública. Todavia, em razão de ter surgido e estar normatizado no campo do direito civil, antes de ser verificada a aplicação do direito real de laje na Administração Pública cumpre esclarecer as origens do instituto, bem como suas características e utilização no âmbito privado.

Dessa forma, é possível compreender os atributos essenciais do instituto, que serão mantidos nas hipóteses de aplicação na esfera estatal.

2.1 Direito real de laje no âmbito privado

O direito real de laje, instituído no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.465/2017, trata da possibilidade de ser criada “lâmina de propriedade através da cessão, onerosa ou gratuita, da superfície superior ou inferior de uma construção (seja ela sobre o solo ou já em laje) por parte do proprietário (ou lajeário) da mesma”, com o intuito de garantir a autonomia da unidade do titular do novo direito em relação à edificação original (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018, p. 28).

Essa ideia da repartição em “fatias” sobrepostas, conforme Marchi, traduz o caráter de propriedade horizontal do direito real de laje (o autor prefere o termo “propriedade superficiária” à “direito de laje”) (2018, p. 13). Ainda, seria a propriedade superficiária ou laje uma espécie do gênero propriedade horizontal, sendo a outra espécie o condomínio edilício, que será comparado ao direito real de laje mais a frente.

Conforme Oliveira, é possível conceituar o direito de laje como uma espécie de direito real, do gênero de propriedade, incidente “sobre um espaço tridimensional que se expande a partir da laje de uma construção-base, seja em direção ascendente ou a partir do solo dessa construção em direção subterrânea” (2017, p. 6). Também, a forma da base desse espaço, ou seja, da laje, definirá a forma geométrica do poliedro, podendo ser suspenso no ar ou subterrâneo, a depender de como foi instituído o direito real de laje, se sobre a laje ou subsolo (OLIVEIRA, 2017).

Conferindo uma noção do instituto jurídico, no intuito de diferenciar o direito real de laje dos demais direitos reais, Patrícia Ferraz afirma ser (2018, p. 62):

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[...] direito real imobiliário in re propria, complexo, absoluto, autônomo, perene, elástico, transmissível, que confere ao seu titular os poderes de uso, gozo, disposição e reivindicação sobre uma acessão artificial erigida a partir de uma construção base, sem vinculação à fração ideal do solo, parte comum da edificação ou a qualquer outra unidade autônoma.

Nesse sentido, a autora aduz que o direito real de laje é absoluto porque é oponível erga omnes, dando ao titular os poderes da propriedade, limitados pela lei e pela função social da propriedade; é autônomo porque é exercido com autonomia aos demais direitos de propriedade incidentes sobre o edifício, limitado pelas condições legais; é perene porque não se extingue com o decurso de prazo, não é temporário; é elástico porque permite que o titular da laje institua direitos reais sobre coisa alheia, sejam de garantias, sejam de uso e fruição, além de permitir a extensão de nova e sucessiva laje; é transmissível porque é facultado ao titular promover a sua venda ou cessão, assim como há a transmissibilidade mortis causa (FERRAZ, 2018).

O direito real de laje representa, portanto, novidade no Código Civil e no estudo do direito privado, buscando regularizar uma situação fática comum em nosso país. Vejamos então seus fundamentos fáticos e origem.

2.1.1 Fundamentos fáticos e origem

Um cenário comum nas cidades brasileiras, especialmente nos bairros que possuem uma ocupação menos ordenada e mais distantes das atenções do Poder Público, é o aproveitamento do imóvel no sentido vertical, com até dois ou três andares ocupados por famílias ou comércios diferentes entre si, sem que haja instituição de unidades de apartamentos (condomínio edilício) ou condomínio comum. Constituem, assim, imóveis com “casas sobre casas”, na utilização do que popularmente se chama laje ou sobrado.

As causas dessa situação fática não são novas. Remontando à forma de ocupação das cidades brasileiras, Ferraz explica que o problema do déficit habitacional em nosso país inicia ainda no século XIX, a partir de fenômenos como o fim da escravidão, a Revolução Industrial e com a ida da população do campo para os centros urbanos (2018, p. 17).

De acordo com Cláudia Corrêa e Juliana Menezes, a falta de cuidado dos agentes públicos em promover uma cidadania igualitária fomenta a contradição entre problema (para o Estado) e solução (para a população residente das favelas) encontrada nas favelas, repartindo a cidade e intensificando essa concepção de opostos há mais de um século (2016, p. 87).

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Dentre os vários desafios da sociedade atual, a doutrina relembra que a concretização do direito à moradia, previsto na Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre outras legislações, permanece já há algum tempo como uma das maiores dificuldades estatais e problemas jurídicos (FERRAZ, 2018).

A falta de acesso à moradia digna conduz ainda a diversos efeitos deletérios, como expansão da criminalidade, piora na qualidade de vida e saúde da população, redução da longevidade, entrave ao desenvolvimento econômico e até prejuízo à própria arrecadação financeira estatal, como é de largo conhecimento.

Nesse campo aberto do déficit habitacional, houve espaço para o surgimento de ideias e estratégias para suprir de alguma forma a demanda apresentada, dentre elas a laje. Na prática, a laje, ou piso, é vendida como se terreno fosse, para que o adquirente construa seu imóvel sobre o outro já existente, por vezes em imóvel do mesmo ramo familiar, por vezes sobre o lar de até então desconhecidos.

Representa, no entender de Cláudia Corrêa e Juliana Menezes, a existência de um mercado imobiliário próprio, sem que haja, todavia, a segurança da titularidade das propriedades (2016, p. 88). Conforme as autoras, atualmente o crescimento das favelas se dá verticalmente, alavancado pela construção em lajes, em substituição ao crescimento horizontal verificado em outros tempos (CORRÊA, MENEZES, 2016).

Conforme explica a doutrina, o comum fenômeno social estava entregue ao limbo jurídico, ainda que não houvesse uma ilicitude, permanecendo apenas tutelado, quanto muito, pela posse (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018). Para Corrêa e Menezes, o direito de laje era uma realidade social, mas invisível juridicamente (2016, p. 91). Não significa dizer, todavia, que não incidisse qualquer forma de regulamentação, em especial em um país amplo, complexo e desigual como o Brasil, terreno fértil para regras não impostas pelo Estado.

Em interessante artigo sobre o direito formal e o direito informal nos centros urbanos brasileiros, Ricardo Lira aborda o papel das associações de moradores nas comunidades de favelas, em que essas organizações paralelas ao Estado prestam diversos serviços, como fiscalização de construções, distribuição do correio, mediação de conflitos e registro imobiliário (2015, p. 16).

O autor explica que as associações de moradores, assim, registram o direito de laje, já existente há bom tempo no direito informal, com previsão muito semelhante ao que foi tipificado, servindo esse registro informal também como meio de transmissão da laje (LIRA, 2015).

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Também, embora seja verificado em praticamente todas as esferas sociais e econômicas, em especial em cidades interioranas e bairros afastados do centro, a laje foi acompanhada por muito tempo por um preconceito de estar adstrita às favelas ou aglomerados subnormais (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018). De fato, a primeira imagem que é pensada ao mencionar-se o novo instituto é a conhecida aglomeração de construções com tijolos e caixas d ' água à vista, sem observância aos critérios de parcelamento e ocupação do solo, já incorporada à paisagem urbana brasileira.

Entretanto, deve ser destacado: apesar da forte influência dos núcleos urbanos informais na criação da legislação sobre o direito real de laje, o instituto é aplicável em diversas hipóteses, como se verá adiante, e sua caracterização, mesmo que não instituído regularmente ou registrado, é encontrada em toda sorte de bairros e cidades brasileiras, em especial nas hipóteses de comércio no plano da rua e moradia na laje superior.

A partir de um olhar mais dedicado, é possível perceber a situação fática no centro das grandes cidades, em bairros periféricos e principalmente em cidades do interior brasileiro, em que as finalidades habitacionais e comerciais dos imóveis são exploradas em conjunto.

Em dura crítica ao novo instituto, Sílvio Venosa afirma que o direito real de laje é uma espécie de confissão do fracasso do legislador brasileiro em resolver o problema habitacional, entendendo que trará mais problemas do que soluções (2017, p. 1). No entender do autor, o direito de laje encontrará obstáculos insuperáveis em relação à regularidade registral, bem como promoverá construções que oferecem risco de desabamento e falhas graves de segurança (VENOSA, 2017).

Respeita-se as considerações de Venosa, entretanto, discorda-se do modo de pensar do autor. Isso porque, embora seja passível de críticas, o direito de laje aproxima a realidade fática já posta da regularidade jurídica, o que é louvável em um país marcado por distanciamento entre norma e prática. Ademais, permitirá, como será visto adiante, o aproveitamento econômico da situação fática da laje, com diversas repercussões. Com relação ao critério de insegurança construtiva aventado por Venosa, entende-se que deverá ser checado no caso concreto pelas autoridades responsáveis pela fiscalização das construções, não sendo possível cravar, a priori, que toda construção será insegura e por essa razão o instituto é falho.

Nesse sentido, Weingarten e Cymbalista afirmam existir uma postura de não julgamento moral por parte do Estado ao reconhecer o direito de laje, seguindo uma das diretrizes do Estatuto da Cidade, com o reconhecimento da cidade real e suas formas de urbanização, em substituição aos modelos ideais de cidade presumida (2017, p. 1).

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Com o intuito de regularizar essa situação fática, a Lei 13.465/2017, oriunda da conversão da Medida Provisória n. 759 de 2016, estabeleceu o direito real de laje no ordenamento brasileiro, com a inclusão dos artigos 1.510-A a 1.510-E no Código Civil.

A legislação manteve a nomenclatura que não é técnica, mas popular, justamente por permitir que seja reconhecido por todos. Vale ressaltar, todavia, que o direito instituído não se limita a laje propriamente dita. Conforme Oliveira, a despeito da nomenclatura, o direito real de laje “também pode ser instituído para formalizar a titularidade de um direito real sobre

“andares subterrâneos”, de modo que não é apenas a “laje” que serve de ponto de partida, mas também o solo” (2017, p. 5).

Defende a doutrina que apesar da nomenclatura escolhida pelo legislador não ser técnica, ela cumpre com o objetivo de ter amplo alcance sobre a população em geral, sendo compreendida e até visualizada por todos, o que pode incrementar inclusive a legitimidade e efetividade do instituto (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Ainda sobre a nomenclatura, Marchi entende que o correto seria chamar o novo direito de propriedade superficiária, eis que “laje”, em seu modo de vista, é termo da área da construção civil, devendo a ciência jurídica apresentar terminologia própria (2018, p. 11).

Segundo o autor, ademais, não se trata propriamente de novo direito no ordenamento jurídico brasileiro, mas sim de reintrodução de figura jurídica já contemplada pelas Ordenações Filipinas (2018, p. 14). O compilado jurídico que vigorou até 1916 já trazia referência “ao fracionamento horizontal da propriedade de uma casa, com donos diferentes, de um lado, do pavimento térreo ou parte subterrânea da casa (“sótão”) e, de outro, do pavimento superior ou primeiro andar (“sobrado”)” (MARCHI, 2018, p. 76). Assim, seria, em verdade, um retorno do instituto em nosso ordenamento.

Vale dizer, apesar disso, que o direito real de laje atual recebeu mais atenção legislativa, não se tratando de mera menção no Código Civil. Outras legislações civilistas, de países como Itália, Portugal, Espanha e Peru também tratam de institutos semelhantes ao direito real de laje, com maior destaque para este último país, que prevê a possibilidade de atribuição da propriedade do solo, subsolo e sobressolo a diferentes titulares (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018). Conforme Paulo Carmona e Fernanda Oliveira, na Espanha há a figura do “derecho de vuelo”, que muito se assemelha ao direito real de laje brasileiro, com previsão de repartição da propriedade nos planos horizontais, inclusive subsolo (2017, p. 136).

Surgida, portanto, de uma realidade fática na maior parte das vezes lamentável sob o ponto de vista social ou econômico, pode-se dizer que houve a disseminação da laje país afora, em situação não tutelada pelo direito formal, mas irresistível. Como resposta da norma ao

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mundo dos fatos, surge então a figura do direito real de laje, com similares no direito comparado e questões próprias ao nosso ordenamento.

2.1.2 Natureza jurídica

Com relação à natureza jurídica do direito real de laje, não há dúvidas de que se trata de direito real, e não de natureza obrigacional, eis que o direito trata da relação entre planos físicos de um imóvel, assim como é instituído sobre o imóvel, e não em favor de determinada pessoa. Ademais, conforme Karina de Castro, é dotado de publicidade e é oponível a toda a coletividade e não apenas ao proprietário da construção-base (2019, p. 229). Além disso, a própria nomenclatura, previsão expressa legal e localização no diploma civil sinalizam o caráter de direito real.

Contudo, surgem algumas divergências na doutrina sobre qual a espécie de direito real.

A principal delas diz respeito à classificação do direito real de laje como direito real sobre coisa alheia — uma espécie de direito de superfície —, ou, em sentido contrário, sobre coisa própria.

A discussão, além do campo teórico, possui reflexos práticos que podem determinar o verdadeiro alcance do instituto e de seu impacto social, a começar pelo tipo de tutela protetiva

— possessória no caso de ser considerado direito real sobre coisa alheia e reivindicatória na hipótese de ser reconhecido como direito real sobre coisa própria (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Adentrando então à discussão, afirma Stolze que na verdade não se trata de transferência da propriedade, pois se assim o fosse deveria abranger o solo, e que o adquirente exercerá direito apenas sobre a laje da construção original, sendo um direito real sobre coisa alheia, com largo alcance mas inconfundível com a propriedade, “limitado à unidade imobiliária autônoma erigida sobre a construção original, de propriedade de outrem” (2017).

Como argumentos para que seja considerado direito real sobre coisa alheia, os defensores dessa caracterização utilizam a ideia de ser um direito limitado, acessório ao direito de propriedade do imóvel base, sendo subordinado a este, o que constituiria a laje como uma

“projeção (ou um desdobramento) do direito real de superfície, como uma espécie de superfície de segundo grau” (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018, p. 61).

Nesse sentido, Albuquerque Júnior afirma que o direito real de laje nada mais é do que uma modalidade do direito de superfície, qual seja, a superfície por sobrelevação, pois entende que a característica marcante dos dois institutos é a mesma: a possibilidade de constituição de direito que tenha por objeto construção separada do direito de propriedade do solo (2017, p. 1).

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Ainda, conforme a doutrina, um suposto embasamento para esse entendimento seria a necessidade de averbação da cessão da laje na matrícula do imóvel base, bem como em razão de, no caso de constituição de outra laje sobre a laje cedida, ser necessária a concordância do proprietário do imóvel base, o que supostamente reforçaria o caráter de acessoriedade da laje (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Se aceito for referido entendimento, de que a laje é direito real sobre coisa alheia, a laje estaria enquadrada no rol de direitos reais de gozo e fruição, juntamente com usufruto, servidão, superfície, e concessões de uso (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Outro entendimento é o de Loureiro, que afirma ser o direito real de laje “instituto sui generis, com requisitos e efeitos próprios, que não se confunde com o direito de superfície (art.

1369 e seguintes do CC) e nem com a amplitude da propriedade plena (art. 1228 do CC)” (2017, p. 7). Seria, assim, no entendimento do autor, um meio termo entre a superfície e a propriedade.

Nesse sentido, também entende Kümpel, ao explicar que a ideia de que o direito de laje seria direito real sobre coisa alheia ocorre em virtude da má localização dos dispositivos no Código Civil, pois sua posição no diploma legal dá a entender não tratar de propriedade, pois se assim o fosse deveria estar junto ao art. 1228 do referido código (2017). Contudo, afirma que

“já ficou bastante claro que o legislador não teve zelo pela boa geografia dos dispositivos”

(2017).

E logo arremata seu ponto de vista (2017):

Na realidade, prefere-se ver o direito de laje como direito real sobre coisa própria. Recorde-se que o direito real sobre coisa própria é aquele em que há uma unidade de poder, toda ela circunscrita a um único titular, que é exatamente o caso da laje. Não há uma divisão de poder, como ocorre nos direitos reais sobre coisa alheia de fruição, garantia ou aquisição. Não há dois titulares; o titular do imóvel-base não guarda vínculo jurídico real com o titular da laje superior ou inferior. O que há entre eles são direitos e deveres, na medida em que existem áreas comuns, tal qual ocorre nos direitos de vizinhança.

Como elemento que pode caracterizar a laje como direito real sobre coisa própria, está a previsão legal de abertura de nova matrícula própria no registro imobiliário, o que constitui uma unidade autônoma e independente (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Não seria, na verdade, o simples fato da abertura de nova matrícula a razão de enquadrar a laje como direito real sobre coisa própria, mas sim uma consequência, eis que “a natureza autônoma e independente exige a abertura de uma matrícula, por se tratar de um direito autônomo, desgarrado da propriedade do imóvel do qual se originou” (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018, p. 65).

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Deve ser destacado que parte da doutrina entende de maneira diversa. Há quem defenda que seria possível, mantendo-se a nomenclatura de direito de superfície por sobrelevação, a inserção de artigos ressaltando essa espécie de direito de superfície, inclusive com a previsão de abertura de matrícula apartada para a propriedade superficiária e a disposição sobre a prescindibilidade de atribuição de fração ideal do terreno (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017).

Caso fosse adotado o posicionamento do autor, o direito real de laje não seria assim chamado, e seria disposto na legislação civil como espécie de direito de superfície. Todavia, o autor não comenta sobre outros elementos distintivos dos dois institutos – que serão vistos adiante, como a perpetuidade da laje, o que revela uma abordagem incompleta, à época.

Outros elementos que despontam favoráveis à laje como direito real sobre coisa própria são os poderes conferidos ao titular da laje, atinentes a quem exerce direito próprio e não subordinado, como usar, fruir, dispor livremente e reivindicar (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018, p. 65).

No mesmo sentido, Farias, El Debs e Dias afirmam que o direito de superfície — que abarcaria a laje como uma espécie de seu gênero, caso se entenda como direito real sobre coisa alheia —, é constituído por tempo determinado, ao passo que o direito de laje é firmado de forma perpétua, fato que evidencia sua autonomia (2018).

Em uma primeira análise, partindo-se daquilo que já foi posto pela doutrina – e contrapondo as distintas concepções, reconhece-se então, ainda que de maneira aberta, o direito real de laje como um direito real sobre coisa própria, um alargamento do direito de propriedade.

Tal figura consiste na cessão da titularidade da laje (sobre o imóvel edificado) ou do subsolo do imóvel edificado para que outrem edifique construção e passe a ser então titular desse direito real, exercendo todos os direitos inerentes à propriedade (usar, gozar, dispor), de acordo com Oliveira (2017, p. 6).

Não se confunde com o condomínio edilício, ainda que as disposições legais determinem a aplicação das regras comuns de direito de vizinhança e a partilha das despesas para manutenção das partes comuns da edificação. Vale dizer, por ora, que as diferenças entre o direito real de laje e outros institutos jurídicos que podem apresentar semelhanças serão melhor abordadas mais adiante.

O entendimento que considera a laje direito real sobre coisa própria é inclusive o que melhor atende aos anseios de regularização dos imóveis localizados em núcleos urbanos informais. Conforme explica Marchi, “os favelizados querem o “velho e sempre novo” pleno direito de propriedade – e não a simples posse ou meros tipos de direitos reais sobre a coisa

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alheia –, da mesma maneira como costuma tê-lo as brasileiras e brasileiros mais favorecidos (a minoria da população)” (2018, p.113). A propriedade, portanto, é o intuito daqueles que adquirem a laje.

O autor considera, ainda, o direito real de laje como propriedade superficiária, não se confundindo, assim, com o direito real de superfície, que é direito real sobre coisa alheia por prazo determinado (MARCHI, 2018). Ou seja, para Marchi a laje objeto do direito real de laje configura a repartição da propriedade em planos horizontais, desvinculada do solo. Caracteriza, assim, uma unidade autônoma própria, como se fosse uma unidade em condomínio edilício, mas com a distinção de não existir regramento do condomínio, tampouco áreas comuns e fração ideal do solo.

No entender de Ferraz, o direito real de laje conjuga características tanto do direito de superfície — não vinculação ao solo, acessões como objeto, relativa dependência do direito de propriedade de outrem — quanto do direito de propriedade — perenidade, exclusividade, disponibilidade, gozo, fruição e reivindicação (2018, p. 45). Cabe reforçar, como apontado, que a perpetuidade é um traço bastante distintivo do direito de laje em relação aos direitos reais sobre coisa alheia.

Para a autora, não é somente o Direito que responde qual a natureza jurídica do novo direito de laje, eis que é preciso observar outros aspectos, como antropológicos e sociológicos, até da necessidade de regularização de uma situação fática, para compreender melhor esse novo instituto jurídico (FERRAZ, 2018). Desconsiderar esses aspectos pode até restringir o alcance e efetividade do novo direito.

Como relembram Cláudia Corrêa e Juliana Menezes, o direito de laje é uma prática que resultou da necessidade de se buscar soluções que trouxessem alguma segurança à moradia, consolidando regras sociais da favela que determinam como construir e de que forma negociar (2016, p. 89).

Há quem reconheça que parte do problema de regularização da moradia poderia ser solucionada com o direito de superfície, incrementando a segurança jurídica (FERRAZ, 2018).

Para tanto, Corrêa e Menezes afirmam que teria que ser realizada uma interação de institutos jurídicos, ressaltando que ainda haveria o obstáculo da propriedade formal como fato gerador do direito de superfície, eis que a maioria das construções-base não estão regularizadas (2016, p. 93).

Contudo, o direito de propriedade (propriedade superficiária ou laje) traz consigo amplo leque de garantias, podendo ser oferecido em empréstimos e outras operações imobiliárias, conferindo assim vantagens significativas ao titular da laje. Essa característica

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possui importantes reflexos nos aspectos tributários e na movimentação da economia como um todo, revelando outros potenciais da laje quando considerada como espécie de propriedade.

Por essas razões, Ferraz compreende o direito real de laje como “uma nova modalidade de direito de propriedade, dotado de autonomia e perenidade, cuja extinção se dará nas mesmas situações nas quais se extingue a propriedade edilícia” (2018, p. 48). Adota a autora, ainda, a nomenclatura “direito de propriedade de laje”.

De forma semelhante entendem Farias, El Debs e Dias, para quem o direito de laje traz uma infinidade de possibilidades e potencialidades equiparáveis ao direito de propriedade, sem que haja subordinação ao proprietário do imóvel originário, traduzindo assim a natureza de direito real sobre coisa própria (2018).

Para os autores, é o momento da propriedade em três dimensões, sem estar anexada à planta do solo, e sim em elevação ou infra constituída em relação ao chão, de forma que a nova propriedade é a propriedade em três dimensões, é o novo direito de laje (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Essa tridimensionalidade é apontada não somente no plano geométrico, mas também em três motivos: porque há um afastamento da incontestabilidade de vinculação ao solo, porque surge dos anseios sociais e porque “possibilita um reconceber das titularidades muito além da dicotomia propriedade-limitação” (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018, p. 70).

Entende-se necessário adotar o ponto de vista dos autores que consideram o novo direito real de laje como modalidade de direito de propriedade, e não direito real sobre coisa alheia, justamente para que seja atendido o intuito legislativo e a realidade fática, sob pena de reprimir-se o potencial do instituto. O reflexo prático disso é uma valorização da laje, comercializada como propriedade (propriedade superficiária), com um impacto também na percepção de importância dos indivíduos. No mesmo sentido, não se vislumbra prejuízo caso seja adotado tal entendimento, tampouco equívoco interpretativo, pelas razões já expostas.

2.1.3 Aspectos normativos e procedimentais

Disposto inicialmente na Medida Provisória nº 759, convertida na Lei nº 13.465/2017, legislação que dispõe sobre regularização fundiária urbana e rural, entre outros pontos, o direito real de laje encontrou espaço no Código Civil, mais precisamente nos artigos 1.510-A a 1.510- E (BRASIL, 2002).

No processo legislativo que transformou a Medida Provisória nº 759 na Lei nº 13.465/2017 ocorreram vários ajustes, como o abandono do intuito original de nortear o direito

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de laje de forma exclusiva à regularização fundiária, optando-se por fixá-lo como um direito real admissível além das áreas favelizadas (FERRAZ, 2018). Entende-se acertada tal medida, pois como já alertado, a situação fática do direito real de laje ultrapassa os limites das zonas marginalizadas, sendo encontrado exemplos em todas as regiões e espécies de cidades.

Nos cinco artigos acrescidos ao Código Civil pela Lei nº 13.465/2017, e em seus parágrafos e incisos, estão as disposições regentes do direito real de laje no ordenamento jurídico brasileiro (BRASIL, 2002). Também, houve a inserção do artigo 176 da Lei de Registros Públicos (6.015/1973) e do artigo 799 no Código de Processo Civil (BRASIL, 1973;

2015).

Assim, o artigo 1.510-A1, caput, define o direito real de laje, informando a possibilidade do proprietário de uma construção-base ceder a superfície superior ou inferior da sua construção a terceira pessoa, para que haja unidade distinta daquela construída sobre o solo (BRASIL, 2002). O conceito do direito real de laje já foi explanado no início deste capítulo, razão pela qual deixa-se de repeti-lo.

2.1.3.1 Delimitação físico-espacial e objeto

No parágrafo primeiro do artigo 1.510-A2, Código Civil, há a delimitação físico- espacial do direito de laje, qual seja, o espaço aéreo ou subsolo de terrenos públicos e privados, em projeção vertical sobre o imóvel base, configurando unidade autônoma (BRASIL, 2002).

De acordo com Marchi, a verdadeira substância legal do direito real de laje é encontrada nesse parágrafo, entendendo que está presente claramente a “figura jurídica da propriedade superficiária em sentido amplo” (2018, p. 26). Entre as características fundamentais da propriedade superficiária, cita-se a projeção vertical decorrente da extensão da propriedade imobiliária e a possibilidade de divisão por planos horizontais, sendo cada um desses planos um domínio separado, ou a unidade imobiliária autônoma (MARCHI, 2018).

A projeção, portanto, é limitada ao desenho geométrico e a área da laje que recobre ou que constitui a base inferior da construção-base. Nesse sentido, se a construção-base tiver como forma uma edificação retangular, a laje deverá ocupar, no máximo, a medida da referida construção, obedecendo também ao formato.

1 Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

2 § 1 ºO direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base.

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No entanto, a laje poderá ser cedida integralmente — ocupando todo o pavimento, com ou sem acessão — ou parcialmente. Quando ocorre a cessão total do pavimento e dos direitos de gozo, fruição e disposição,bem como da possibilidade de instituir-se nova unidade autônoma, está-se diante do direito de laje ilimitado (FERRAZ, 2018).

Já na hipótese de a cessão limitar contratualmente o objeto (parte física) e os direitos, há a presença da figura do direito de laje limitado (FERRAZ, 2018). Essa limitação poderá ainda ser mista, se incidir apenas sobre a extensão física ou apenas sobre as faculdades de uso, gozo e disposição.

A laje, portanto, obedece ao desenho geométrico das superfícies (inferior e superior) do imóvel base, tratando da projeção vertical para cima (laje superior ou em sobrelevação) ou para baixo (laje inferior ou infrapartição) (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

O objeto do direito de laje, assim, poderá compreender o pavimento, a construção já edificada sobre a laje ou o direito de construir sobre a laje simples, ainda sem construção (FERRAZ, 2018). É transmitido também o direito de edificar (ius aedificandi), ou seja, do espaço aéreo vazio, importante solução para o caso em que o proprietário da construção-base não possui recursos financeiros para erigir a nova construção sobre a laje e aliená-la posteriormente (MARCHI, 2018).

Verifica-se, dessa forma, que o instituto é exceção ao princípio superficies solo cedit, com a acessão destacada da construção-base, não havendo qualquer vinculação a uma fração ideal ou em relação às outras edificações eventualmente já erigidas sobre o terreno, como preceitua o parágrafo quarto do artigo 1.510-A3 do Código Civil (FERRAZ, 2018).

O princípio superficies solo cedit, ou “a superfície acede ao solo”, trata de dogma surgido nas regras jurídicas dos antigos romanos, segunda a qual a acessão, consistente nas edificações realizadas em um imóvel, seguem o principal, qual seja, a destinação jurídica do solo, de modo que pertencem ao proprietário do solo e não a quem construiu (MARCHI, 2018).

Dessa forma, em regra o proprietário do solo deve ser o proprietário também da construção ali erigida. O princípio, na visão de Marchi, era um óbice ao reconhecimento da propriedade superficiária no direito civil brasileiro (2018, p. 49).

Conforme explica o autor, tanto no Código Civil de 1916 quanto no Código Civil de 2002, predominou na doutrina a posição de inderrogabilidade do princípio da superficies solo cedit, sendo assim presunção absoluta, que inviabiliza a propriedade superficiária (MARCHI, 2018). Todavia, com o advento da Lei nº 13.465/2017 e do direito real de laje, a presunção

3 § 4 o A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas.

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passa a ser simples, eis que reconhecida amplamente a propriedade superficiária (laje), seguindo-se assim as diretrizes civilistas francesas e italianas (MARCHI, 2018).

2.1.3.2 Regramento tributário

No parágrafo segundo do artigo 1.510-A4 do Código Civil é prevista a obrigação tributária do lajeário (titular do direito de laje), consistente em pagar os encargos e tributos que incidirem sobre sua unidade (BRASIL, 2002).

Essa previsão de autonomia tributária decorre da própria autonomia existente entre a laje e a construção-base, sendo cada imóvel submetido a contribuições e tributos específicos, o que inviabiliza eventual majoração do IPTU sob justificativa de incremento econômico na construção-base em razão da nova laje (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018). Logo, o valor do tributo do imóvel base será mantido, ao passo que será inaugurada a tributação da laje agora existente, de forma autônoma.

Desse modo, diante da desvinculação da laje em relação ao solo, o titular do imóvel base pagará o tributo com a base de cálculo composta pelo terreno e pela construção base, enquanto o titular da laje será responsável pelo pagamento do tributo relativo apenas à área da laje ou da construção efetuada na laje, sem qualquer cota referente ao terreno (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Ainda sobre a base de cálculo do tributo incidente sobre a laje, merece ser destacado que as prefeituras deverão se atentar que há diferenças entre a situação fática em que já há construção sobre o pavimento laje (laje edificada, será tributado pela área construída) e quando não há construção, o que demanda bases de cálculo distintas (FERRAZ, 2018).

Já em relação ao tributo incidente no momento da transmissão do direito de laje, diante do caráter de transmissão de bem imóvel do negócio jurídico, a tributação ocorrerá pelo ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), quando a transmissão for onerosa, ou pelo ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) quando for gratuita ou mortis cuasa (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Deve ser ressalvada, entretanto, a hipótese de o direito de laje surgir da extinção de condomínio, por exemplo, ou procedimento de divisão, o que afastaria a incidência da tributação da transmissão (CAMARGO, 2017).

4 § 2 o O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade.

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Cumpre esclarecer que os referidos tributos incidirão no caso de transmissão da laje já instituída. De outro lado, no ato unilateral de instituição do direito de laje ou nas hipóteses de usucapião, não há incidência do tributo de transmissão inter vivos (FERRAZ, 2018).

Brevemente analisadas tais hipóteses de tributos, constata-se que o regramento tributário incidente no direito real de laje, como espécie de propriedade imobiliária, possui interessantes reflexos econômicos para o município de localização do imóvel.

Nessa toada, abordando as repercussões econômicas da regularização fundiária urbana, Diogo Canuto afirma que a regularidade registral de um imóvel, com o reconhecimento do direito de propriedade a determinada pessoa, transforma a propriedade em ativo, podendo não só ser alienado como dado em garantia para qualquer negócio de crédito (2020, p. 57). Tal medida aumenta, por consequência, o capital existente em determinada localidade para movimentar a economia daquela sociedade.

Os impactos tributários também são mais profundos com a regularização do imóvel, o que no caso significa tornar regular a laje instituída informalmente, com posterior reconhecimento e registro do direito real de laje.

Como é sabido, a propriedade imobiliária urbana é fato gerador do Imposto Territorial e Predial Urbano, da mesma forma que a transmissão onerosa de bem imóvel ocasionará a incidência do ITBI.

Este último, contudo, somente será arrecadado se o imóvel estiver regularmente registrado. Caso contrário, as partes farão a alienação do bem (e da laje, na maior parte das vezes) por instrumento particular ou verbalmente, sem que haja qualquer notícia ao ente tributante, o que praticamente inviabiliza a cobrança do tributo.

Antes do registro da transferência da laje, por exemplo, o registrador exigirá o comprovante de pagamento do imposto. Na hipótese de alienação da laje não registrada, somente haverá o recolhimento do tributo caso a parte pague espontaneamente. No cotidiano das transações de imóveis sem registro não é isso que ocorre, ficando o ente tributante “a ver navios”.

O IPTU, por sua vez, é lançado de acordo com o cadastro imobiliário, que reúne as informações contidas no banco de dados de cada município, como endereço, área do imóvel, valor venal e identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, considerado “proprietário”

pela administração tributária municipal (CANUTO, 2020).

Dessa maneira, tendo em conta que o cadastro imobiliário possui essa finalidade fiscal, não há uma exigência mais rígida por parte dos municípios no que toca à regularidade registral, sob o principal aspecto, de constituição e modificação de direito real (CANUTO, 2020).

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De acordo com Canuto, isso ocorre principalmente em razão do princípio tributário pecunia non olet, que prevê o lançamento e cobrança do imposto mesmo em situações de irregularidade do bem imóvel, sem que seja dada grande importância a quem é o proprietário registrado, mas sim ao “proprietário de fato” (2020, p. 60).

Todavia, engana-se quem pensa que a efetividade de cobrança do IPTU está garantida apenas com o cadastro imobiliário. De fato, a situação de irregularidade ou clandestinidade do imóvel perante o Registro de Imóveis é menos gravosa para o lançamento do IPTU do que para o ITBI, como visto. Mas em que pese ser possível lançar o IPTU apenas com base no cadastro imobiliário municipal, é no momento da cobrança, especialmente judicial, que aparecem os obstáculos nos casos de irregularidades registrais.

As dificuldades são encontradas nas execuções fiscais, tumultuadas por embargos de terceiros e exceções de pré-executividade, em que o “proprietário fático”, em nome de quem foi lançado o tributo, não é o legítimo proprietário registral (CANUTO, 2020).

A regularidade registral, portanto, demonstra-se importante para garantir a efetividade da cobrança judicial do tributo, a excussão do bem imóvel e a diminuição do tempo para recebimento do valor devido pelo contribuinte (CANUTO, 2020). Nesse sentido, também em relação ao IPTU, a regularização da laje, por exemplo, impulsiona a arrecadação aos cofres públicos.

Os reflexos tributários da regularização fundiária urbana, e aqui incluído o direito real de laje, são amplos. Não apenas em relação aos tributos de incidência direta, como o ITBI e o IPTU, mas também sobre os demais tributos, de forma indireta, pela valorização do ativo imobiliário e consequente aquecimento econômico da localidade.

2.1.3.3 Direitos do titular da laje

Seguindo adiante na análise do tema, no parágrafo terceiro do artigo 1.510-A5 do Código Civil, estão os direitos conferidos ao lajeário, que são basicamente os direitos de uso, gozo e disposição da sua unidade. Esses direitos, em verdade, revelam o caráter de direito real sobre coisa própria do direito de laje (FERRAZ, 2018).

Garantindo ao lajeário que se sirva da coisa, o direito de usar também confere ao titular da laje a prerrogativa de sempre ter a laje à sua disposição para que utilize como quiser, desde que respeitados os limites legais.

5 § 3 o Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.

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Por sua vez, de acordo com a doutrina, o direito de gozar garante ao titular da laje colher os frutos naturais ou civis fornecidos pelo bem, como por exemplo receber eventuais aluguéis com a locação da laje a terceiro (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018). Deve-se destacar que tanto o uso quanto a fruição da laje conferem ao titular o exercício pleno desse direito, de forma independente e autônoma do proprietário da construção base, sendo cabível medida protetiva para garantir tal exercício.

O direito de dispor do bem, também verificado em favor do titular da laje, confere a prerrogativa de alienação da coisa ou fazer que incida qualquer ônus sobre ela. Todavia, no caso de alienação da laje, deve ser respeitado o direito de preferência previsto no artigo 1.510-D6 e seus parágrafos do Código Civil.

Referido direito de preferência obedece uma ordem legal em relação a quem pode exercer a preferência de compra no caso de alienação da laje, da seguinte forma: primeiro o titular da unidade base; em seguida, o titular da unidade sobreposta (acima) à unidade à venda;

depois, o titular da unidade sotoposta (abaixo) à unidade à venda (FERRAZ, 2018). Se não for exercida a preferência, parte-se então para a venda a estranhos.

A doutrina aponta que a intenção pretendida pelo legislador ao estabelecer o direito de preferência na transmissão onerosa da laje foi de estimular a concentração da titularidade da construção base e da laje ou lajes no mesmo indivíduo, em similitude ao que ocorre no condomínio tradicional (FARIAS, EL DEBS, DIAS, 2018).

Contudo, caso seja exercida tal preferência e haja a concentração da titularidade, isso por si só não causa a extinção do direito de laje. Por ser a laje dotada de matrícula própria, a situação seria semelhante ao caso em que um proprietário possui dois terrenos contíguos, com registros próprios. Em que pese ser possível a unificação matricial, nem por isso ela é presumida, permanecendo, na ausência de ato em sentido contrário, a existência das unidades autônomas sob a mesma titularidade.

Ainda sobre o direito de preferência, Ferraz entende que ele é recíproco, isto é, o titular da laje também possui preferência sobre terceiros no caso de alienação da construção base,

6 Art. 1.510-D. Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso.

§ 1 o O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de cento e oitenta dias, contado da data de alienação.

§ 2 o Se houver mais de uma laje, terá preferência, sucessivamente, o titular das lajes ascendentes e o titular das lajes descendentes, assegurada a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada.

Referências

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