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Bens públicos não-afetados: locação, arrendamento, enfiteuse ou aforamento, cessão de

3. VISÃO GERAL DOS BENS PÚBLICOS NO DIREITO BRASILEIRO

3.4 Uso dos bens públicos por particular

3.4.2 Uso privativo

3.4.2.2 Bens públicos não-afetados: locação, arrendamento, enfiteuse ou aforamento, cessão de

Os bens públicos não afetados, ou dominicais, podem ter seu uso privativo outorgado aos particulares pelos instrumentos referidos no item anterior, quando houver o atendimento de interesse público, assim como, quando houver predominância de interesse privado, por meio de instrumentos de direito privado (CUNHA, 2019).

Essa faculdade da Administração Pública empregar institutos de direito privado para outorga do uso privativo de bens públicos é possível no caso de bens dominicais porque, conforme a doutrina, esses bens fazem parte do comércio jurídico de direito privado (DI PIETRO, 2018).

O emprego desses institutos de direito privado, todavia, ocorre de forma adaptada ao âmbito público, com modificações necessárias. Certas vezes, de acordo com Di Pietro, esses desvios são tamanhos que mudam a natureza do instituto, “como ocorre com a locação, o arrendamento e a enfiteuse de bens imóveis da União, subordinada ao regime instituído pelo Decreto-lei n. 9.760/1946” (2018, p. 879).

Com relação a locação dos bens públicos imóveis da União, o artigo 86 do Decreto-lei n. 9.760/1946 prevê que os bens dominicais possam ser alugados para residência de autoridades federais ou de outros servidores federais, para residência de servidor da União em caráter voluntário ou ainda a quaisquer interessados. A legislação prevê, ainda, que será feito contrato, que não se sujeita à outras disposições legais que tratem de locações, que é vedada a sublocação e que poderá ocorrer a rescisão na hipótese do imóvel tornar-se necessário ao serviço público (CUNHA, 2019).

De acordo com Di Pietro, a locação diverge da concessão pois nesta última haverá a finalidade de utilidade pública, ao passo que na locação o interesse público é indireto, apenas relativo à arrecadação financeira aos cofres públicos (2018, p. 879).

Também previsto no Decreto-lei n. 9.760/1946 como modalidade de locação, o arrendamento de bem público imóvel deverá ser empregado quando o objetivo do uso é a exploração de frutos ou prestação de serviços. (CUNHA, 2019). O prazo máximo é de 20 anos e possuem preferência Estados e Municípios, devendo ser precedido de licitação (DI PIETRO, 2018).

O aforamento ou enfiteuse de imóveis da União é previsto na Lei n. 9.636/1998 e no Decreto-lei n. 9.760/1946. Explica Di Pietro que a enfiteuse prevista no Código Civil anterior, atualmente vedada a ser constituída, é instrumento de direito privado, ao passo que a incidente sobre os imóveis da União é instituto de direito público (2018, p. 880).

De acordo com Justen Filho, há duas hipóteses de aforamento previstas na Lei n.

9.636/1998, sendo a primeira referente a modalidade de concessão urbanística, como remuneração do investimento, e a segunda aplicável aos imóveis dominicais que não sejam indisponíveis ou inalienáveis, e tampouco apresentem interesse para o serviço público (2018, p. 1100-1101).

Em geral, o aforamento de imóveis da União é verificado nas áreas chamadas terrenos de marinha e acrescidos. O domínio útil é outorgado ao particular (enfiteuta ou foreiro), enquanto que o domínio direto permanece com a União. Como contraprestação, o foreiro deve pagar anualmente o foro (valor equivalente a 0,6% do valor pleno do imóvel), e na hipótese de transferência onerosa do domínio útil incidirá ainda o laudêmio, no montante de 5% do valor do domínio pleno, excluídas as benfeitorias (CUNHA, 2019).

A cessão de uso, por sua vez, trata de instituto jurídico de direito público previsto originalmente no Decreto-lei n. 9.760/1946 para possibilitar à União a outorga do uso de seus imóveis de forma gratuita e por prazo determinado, no sentido de prestar um auxílio ou colaboração (DI PIETRO, 2018).

Atualmente, está disciplinada pela Lei n. 9.636/1998, e visa o auxílio aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e entidades sem fins lucrativos que desenvolvam suas atividades nas áreas da educação, saúde, cultura ou assistência social, bem como a pessoas físicas ou jurídicas quando houver interesse público ou aproveitamento econômico nacional (CUNHA, 2019).

De acordo com a lição de Di Pietro, o parágrafo segundo do artigo 18 da Lei n.

9.636/1998 estabelece que a cessão de uso é modalidade adequada nos casos de “espaço aéreo

sobre bens públicos, espaço físico em águas públicas, áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d‘água, de vazantes, plataforma continental e outros bens de domínio da União, insuscetíveis de transferência de direitos reais a terceiros” (2018, p. 883).

Ainda, a autora explica que o objetivo do legislador é vetar a outorga de direitos reais sobre esses bens, razão pela qual a cessão só poderia ser por locação ou arrendamento, que possuem natureza obrigacional (DI PIETRO, 2018).

Desse modo, resta clara a diferença entre o potencial direito real de laje na Administração Pública e a cessão de espaço aéreo sobre bens públicos, institutos distintos, a começar pela natureza jurídica.

Chega-se então ao título jurídico de outorga de uso que mais se aproxima do direito real de laje na Administração Pública, a concessão de direito real de uso. Conforme Cunha, é instituto previsto no Decreto-lei nº 271/1967, tratando-se de contrato utilizado pelo poder público para transferência, como direito real resolúvel, do uso de terreno público ou espaço aéreo de forma gratuita ou onerosa, devendo ser atendida determinada finalidade, por tempo determinado ou não (2019, p. 434). De acordo com o autor, é contrato de natureza real, diferenciando-se assim da concessão de uso, que possui natureza pessoal (2019, p. 434).

A concessão de direito real de uso pode ser instituída também entre particulares, de acordo com os artigos 7º e 8º do Decreto-lei nº 271/1967 (DI PIETRO, 2018). A licitação, por sua vez, poderá ser dispensada quando o uso for destinado a outro órgão ou entidade da Administração Pública, quando for destinado a pessoa natural que cumpra pré-requisitos de exploração de área rural e quando tratar-se de imóvel inserido “no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos da Administração Pública”

(DI PIETRO, 2018, p. 885).

Para Justen Filho, um dos principais aspectos da concessão de direito real de uso consiste na “impossibilidade de resolução da outorga em virtude de razões de conveniência administrativa (art.7º, § 3º) e a possibilidade de sua transferência a terceiros por ato inter vivos ou mortis causa, salvo disposição contratual em contrário” (2018, p. 1098).

De acordo com Moreira Neto, o instituto constitui verdadeira ferramenta jurídica para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possam outorgar a particulares direito real de uso que permita, por meio dos recursos e inovações próprias, dar melhor utilização a imóveis dominicais (2014, p. 390). Essa também é a ideia da aplicação do direito de laje no âmbito estatal. Os institutos possuem objetivos parecidos, mas representam meios diversos para o alcance dessas finalidades.

A concessão de direito real de uso, portanto, assemelha-se ao direito real de laje na Administração Pública em alguns aspectos, como a possibilidade de incidir sobre terreno ou espaço aéreo, a natureza de direito real, a possibilidade de transferência por ato inter vivos ou mortis causa e o intuito de melhor aproveitamento de um bem imóvel.

Contudo, distingue-se também em vários aspectos, notadamente por ser direito real sobre coisa alheia, por tratar apenas do uso do bem imóvel, pela reversibilidade do instrumento, por ter menor estabilidade, pela inexistência da característica da perpetuidade, pela ausência de duplo vértice (aplicação sobre bem público ou particular em favor de particular ou da Administração Pública, respectivamente), entre outras características diferentes daquelas apontadas no primeiro capítulo.

Mantém-se, dessa forma, a singularidade do direito real de laje aplicado no âmbito público. Ainda que, em determinados aspectos, haja correspondência em outros institutos jurídicos, como a similaridade apontada com a concessão de direito real de uso, considera-se inexistente instituto jurídico que trate do uso de bem imóvel público com as mesmas funções, características e potencialidades do direito real de laje aplicado à Administração Pública.