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Apesar de atualmente ser um país que concilia alto nível de desenvolvimento e estabilidade social, a Suécia alcançou o patamar de sociedade industrializada tardiamente, a partir da Segunda Revolução Industrial. Aproveitando-se do fato de que um dos motores dessa revolução consistiam na eletricidade e em seu alto potencial hidrelétrico, o país desenvolveu uma robusta indústria para esse setor, deixando para trás a situação de pobreza que o caracterizava até o século XIX.

Entretanto, o alto nível de desenvolvimento trouxe novos desafios para o país: apesar de a eletricidade ser abundante, com o desenvolvimento, o país passou a precisar de energia térmica e motriz em grandes quantidades; logo, os combustíveis fósseis importados vieram a suprir essa demanda, mas gerando, além de poluição em níveis críticos nos centros urbanos, grande vulnerabilidade aos choques de oferta.

A partir da metade do século XX, a necessidade de diminuir a poluição das cidades fez com que o país buscasse uma racionalização da geração de calor forma centralizada, os sistemas de District Heating. Nessa mesma época, surgiu a necessidade de reduzir os grandes volumes de lodo de tratamento de esgotos, abrindo perspectivas para o desenvolvimento das tecnologias de digestão anaeróbica. Ambas as iniciativas seriam fundamentais para as posteriores rotas de aproveitamento energético de resíduos.

O alto nível de desenvolvimento também gerou, no decorrer do século XX, grande quantidade de resíduos urbanos e industriais. Na década de 1970, quando o petróleo antes barato se tornou um grande fardo para as economias, o país buscou novas fontes de energia térmica e motriz. Os resíduos foram parte dessa busca, ocupando o papel de aquecimento nos sistemas de district heating e suscitaram as pesquisas de aproveitamento do biogás dos digestores anaeróbicos.

Grandes desafios tiveram de ser superados, incluindo as desconfianças com relação à confiabilidade das soluções tecnológicas, mas a estabilidade institucional, assim como a visão de longo prazo, vigentes no país, possibilitaram que as tecnologias tivessem uma evolução contínua. Essa visão de futuro ficou evidente com a imediata adesão do país à questão climática, sendo um dos primeiros a instituir uma taxa sobre as emissões de carbono, ainda em 1991, quando a questão era incipiente.

O mesmo foco se deu na busca por alcançar cada vez maiores níveis de redução dos desperdícios materiais e energéticos dos resíduos, proibindo o aterramento e fomentando a economia circular. Desse modo, assim como saltou da condição de pobreza para a de nação desenvolvida, em função de uma revolução tecnológica (Segunda Revolução Industrial), o país atua para não perder a atual revolução tecnológica.

4 VISITAS TÉCNICAS E ANÁLISE DAS SOLUÇÕES ENCONTRADAS

Para verificar o estágio de desenvolvimento da gestão de resíduos e o mercado de recuperação energética na Suécia, foram realizadas diversas visitas técnicas a produtores e instituições produtoras tanto de calor e eletricidade quanto de biometano a partir de resíduos sólios urbanos. A produção de calor e eletricidade se dá por meio da incineração dos resíduos sólidos urbanos combustíveis e a produção de biometano – usado principalmente para movimentar veículos – se dá por meio da digestão anaeróbica de resíduos sólidos orgânicos.

No período de seis meses (de março a agosto de 2017, o pesquisador esteve debruçado sobre o sistema de gerenciamento de resíduos sueco, utilizando-se da estrutura do Campus de Helsingborg, da Universidade de Lund, sob supervisão do Professor Torleif Bramryd (e orientação da Professora Virgínia Parente).

Foram realizadas várias entrevistas com especialistas, a saber: Anna-Carin Gripwall, da Associação Sueca de Resíduos Sólidos (Avfall Sverige); Desirée Grahn, diretora da Biogas Syd, consórcio para fomento de biogás na Escânia; Ingemar Gunnarsson, da Göteborg Energi; Per Lindgren, da empresa de limpeza de gases GMAB; Bernt Svensén, da Göteborg Business Region; Professor Tobias Richards, da Borås Högskola; Erik Dahlquist, da Mäalardalens Högskola; Catarina Östlund, da Agência de Meio Ambiente da Suécia (Naturvardsverket), além de participar da Conferência Opening the Bin, que reuniu pesquisadores da Europa e América do Norte.

Também foram visitadas plantas de incineração em Malmö, Helsingborg, Borås, Kil, Karlskoga, Västerås, Södertalje, Linköping e Jonköping, além de plantas de biometano em Helsingborg, Borås, Karlskoga, Västerås, Huddinge e Kristianstad. Dentre as 12 mais populosas cidades do país, apenas Uppsala, Örebro e Norköping não tiveram nem visitas nem entrevistas cobertas por esse estudo. Norköping foi visitada, mas sem entrevista ou visita técnica.

Além disso, foi visitada a Agência Ambiental Sueca, a Swedish EPA, ou Naturvardsverket, que tem basicamente o seguinte papel na gestão de resíduos do país: produzir diretrizes de regulação; licenciar processos que tratam de atividades de risco ambiental alto – consultas, direito de apelação contra a licença; estabelecer um plano nacional de gestão de resíduos e programas para prevenção de resíduos; apoio governamental nas políticas e legislação tanto nacionalmente quanto na União Europeia; cálculos e estatísticas; emitir licenças para importação e exportação de resíduos (ÖSTLUND, 2017).

Como exemplo de atuação nos cálculos e estatística, podemos acompanhar a evolução significativa das alternativas ao aterramento de resíduos a partir de 1992. Na Figura 20, nota- se que o banimento do aterramento dos resíduos combustíveis contribuiu mais fortemente na minimização do aterramento do que o banimento do aterramento de resíduos orgânicos:

Figura 20 – Tratamento de resíduos urbanos – instrumentos usados Fonte: Östlund (2017).

A Agência segue os dados para verificar também o estágio de cumprimento da meta, por exemplo, o desempenho dos produtores responsáveis por alcançar as metas de reciclagem previstas na disposição da responsabilidade estendida do produtor. Os números dessas metas podem ser acompanhados na Tabela 15:

Tabela 15 – Metas de reciclagem da responsabilidade estendida dos produtores

Estatística Eurostat 2012 Meta 2017 Meta 2020 Metal 67 % 70 % 85 % Papel/cartão 77 % 65 % 85 % Vidro 88 % 70 % 90 % Plástico 29 % 30 % 50 % Madeira 17 % 15 % 15 % Total 55 % 65 % Fonte: Östlund (2017).

Quando se trata de apoio à formulação de política, a Agência foi essencial nas principais políticas da gestão de resíduos, entre elas: objetivos ambientais e hierarquia de resíduos; planejamento municipal de resíduos (1991); responsabilidade do produtor; imposto sobre aterramento (2000); imposto sobre incineração de resíduos urbanos (2006-2010); proibição de aterramento (2002, 2005); apoio governamental a investimentos (1998-2008, 2015-); e plano nacional de gestão de resíduos e programa de prevenção de resíduos (ÖSTLUND, 2017).

O plano nacional de gestão de resíduos de então (2012-2017) estabeleceu as seguintes estratégias: encontrar novos instrumentos para atender a hierarquia de resíduos e desenvolver instrumentos para reduzir o consumo de novos recursos e materiais; fabricação de produtos sustentáveis, considerando o potencial de melhoramento dos designs dos produtos para facilitar o reuso, reparo e reciclagem; aumentar a reciclagem de boa qualidade; usar o material armazenado na sociedade, o que inclui mineração urbana e mineração de aterro (ÖSTLUND, 2017).

Há, neste plano, dois exemplos de novas metas que devem orientar as prefeituras e as empresas: ao menos 50% de reciclagem biológica de resíduos alimentares, em 2018; ao menos 70% de reúso e reciclagem de material de construção e restos de demolição, em 2020. Focados nessas metas e leis gerais, os principais atores (prefeituras e empresas) exercem seus papéis.

As prefeituras são responsáveis pela coleta dos resíduos urbanos e o serviço é pago por uma tarifa de resíduos que as empresas precisam pagar. De outro lado, sob o regime de responsabilidade do produtor, alguns tipos de resíduos como as embalagens precisam ser coletadas pelos produtores das mesmas (ÖSTLUND, 2017).

Em 2013, as taxas de reciclagem alcançadas pela logística reversa, estabelecida pelo sistema de responsabilização do produtor (com a colaboração das prefeituras que oferecem uma grande infraestrutura como os 630 centros de reciclagem), foram: vidro: 89%; metais: 73%; papel e papelão: 77%, plástico 37%, e papéis de jornal e revista: 80% (ÖSTLUND, 2017).

De acordo com Östlund (2017), o caso de sucesso da reciclagem na Suécia se deve a uma série de ferramentas de políticas misturadas, dentre elas: compromisso das autoridades locais; cooperação entre os atores principais; consciência dos benefícios sociais da coleta seletiva e da reciclagem dos resíduos na população sueca (há uma pesquisa que mostra que 96% dos habitantes suecos fazem parte do sistema de separação ao menos em uma pequena parte, e 82 % dizem que fazem isso porque querem contribuir para uma sociedade recicladora).

Os municípios são os principais atores desse avanço alcançado e este estudo de caso pôde conhecer 11 municípios e os seus sistemas de recuperação energéticas de resíduos. São soluções e estratégias diferentes de cada município que, neste capítulo, a título de organização, serão divididos por tamanho.

É importante ressaltar que as dimensões populacionais suecas são muito menores do que as brasileiras. A primeira série de municípios reúne as três maiores cidades do país: Estocolmo, Gotemburgo e Malmö; a segunda, os municípios com cerca de 100 mil habitantes, médias para os padrões suecos; e a terceira lista reúne as pequenas cidades: Boras, Kristianstad, Karlskoga e Kil.