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Aspectos referentes à estrutura das disciplinas

3 CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA DE CAMPO: TRAJETÓRIA E

4.1 Contextualização das disciplinas Psicologia da Educação A e B

4.1.3 Aspectos referentes à estrutura das disciplinas

Apresentaremos, neste item, considerações relativas à estrutura da Psicologia da Educação A e B, fazendo alusão aos objetivos e conteúdo ministrado nestas disciplinas, com

base nas entrevistas com as docentes, na leitura dos planos de ensino (ou programas) e nas observações das aulas.

Um primeiro aspecto a ser ressaltado consiste no fato de que Psicologia da Educação A é

oferecida para três turmas do curso de Pedagogia (duas no período noturno e uma no vespertino), no segundo semestre do ano letivo. Anita e outra docente, cujo referencial teórico também consiste na perspectiva histórico-cultural, ministram individualmente esta disciplina: em um semestre, enquanto uma docente assume duas turmas e outra uma, no semestre do ano seguinte, inverte-se esta situação. A princípio, as duas planejaram conjuntamente o programa da disciplina, que atualmente apresenta basicamente a mesma estrutura, com algumas especificidades em relação ao conteúdo e à bibliografia indicada96.

No plano de ensino elaborado por Anita para ser entregue aos estudantes, constam informações sobre os objetivos, conteúdo programático, procedimentos utilizados, avaliação e cronograma (com datas das aulas, temas e textos da bibliografia básica a serem discutidos a cada dia), além da bibliografia complementar.

Segundo Anita, este programa não coincide com o plano de ensino oficialmente divulgado pela universidade (de forma virtual, pelo site), elaborado há muitos anos97. Porém,

96 Como realizamos a pesquisa de campo com base na disciplina ministrada por Anita, faremos referência à

estrutura da disciplina oferecida por esta docente.

97 Conforme indicamos no capítulo anterior, essa distinção entre o plano de ensino utilizado efetivamente em

aula e o divulgado oficialmente é abordada por Giroux e Penna (1997), ao se referirem à ideia de “currículo oculto”.

105 durante o recente processo de reestruturação do curso, houve possibilidade de revisão dos planos de ensino e, nesse contexto, Anita e a outra docente propuseram alterações no subtítulo da disciplina (que originalmente estava associado a uma abordagem cognitivista), na ementa, no conteúdo programático e na bibliografia. Como este processo ainda não havia sido efetivado, o plano de ensino divulgado no site da universidade não fora atualizado.

Enquanto o plano original divulgado oficialmente está em vigor, Anita mantém no seu programa utilizado efetivamente em sala de aula os objetivos propostos originalmente no plano de ensino, referentes à ideia de apresentar conceitos básicos da Psicologia do Desenvolvimento que se relacionam com a questão da inteligência e discutir temas psicológicos voltados para a Educação (como relações entre desenvolvimento e aprendizagem e associação entre aspectos psicológicos, o organismo biológico e o lugar social que o indivíduo ocupa, tal como se indica no programa).

No entanto, a docente considera que os objetivos da disciplina que ministra não seriam propriamente esses e, sim, propiciar o conhecimento acerca de teorias psicológicas sobre o desenvolvimento humano, com base nas considerações apresentadas por Piaget, Vigotski e Wallon (que são os principais autores de referência para a fundamentação teórica desta disciplina), bem como a compreensão de aspectos presentes nestas teorias, que se associam ao âmbito educacional. Nesse sentido, acrescenta que busca apresentar um breve panorama sobre as diferentes perspectivas teóricas em Psicologia e sua articulação com a Educação, discutir temas como aprendizagem, desenvolvimento, linguagem e conhecimento, com base nas contribuições dos autores citados acima, além de propiciar uma reflexão com base em uma perspectiva crítica acerca da ideia de inteligência, sucesso e fracasso escolar e da questão da deficiência.

O conteúdo ministrado nesta disciplina pode ser agrupado, de acordo com Anita, em duas partes: na primeira, a docente apresenta as teorias psicológicas sobre o desenvolvimento humano e sua relação com a Educação e, na segunda, discute alguns temas específicos referentes ao processo de escolarização (como aprendizagem, inteligência, fracasso escolar e deficiência).

Na primeira parte da disciplina, Anita inicia a discussão sobre a articulação entre Psicologia, desenvolvimento e Educação, introduzindo considerações gerais sobre o Behaviorismo, o Inatismo e a Psicologia Histórico-Cultural. Depois, ao apresentar as teorias psicológicas do desenvolvimento a partir da perspectiva de cada um dos três autores (Piaget, Vigotski e Wallon), a docente contextualiza sua biografia e suas produções bibliográficas,

explicitando as bases epistemológicas de sua obra e os principais conceitos desenvolvidos por cada autor.

Como o foco de investigação de nossa pesquisa se aproxima mais do conteúdo ministrado na segunda parte dessa disciplina, em que se atenta para o processo de escolarização, as considerações apresentadas no próximo item são decorrentes de discussões realizadas nas aulas referentes a essa segunda parte. Em relação à primeira, deve-se ressaltar que ao introduzir a perspectiva histórico-cultural sobre o desenvolvimento humano, a partir das considerações apresentadas por Vigotski e Wallon98, Anita atenta para a constituição social e histórica dos fenômenos estudados (tanto do desenvolvimento humano ou do homem, propriamente dito, na primeira parte, quanto do processo de escolarização, na segunda)99 e explicita a influência da obra de Marx e Engels nas teorizações destes autores.

Nesse sentido, a docente ressalta que dentre as principais preocupações de Vigotski, encontram-se a fundamentação de uma concepção no campo da Psicologia embasada nos pressupostos marxistas e a compreensão da relação dialética entre indivíduo e sociedade, bem como da origem social das funções psicológicas superiores. E então, ao explicar esta influência da obra de Marx e Engels nas ideias formuladas por Vigotski, apresenta alguns pressupostos do materialismo histórico dialético100, que fundamentam suas proposições teóricas101. Ao se referir à obra de Wallon, também menciona o pensamento marxista como fundamento teórico e metodológico de sua abordagem e ressalta como um de seus pressupostos a concepção de que a contradição é constitutiva do sujeito e do objeto e que os conflitos são propulsores do desenvolvimento. Diante disso, a docente apresenta conceitos centrais desenvolvidos na obra

98 No momento em que começamos a assistir às aulas dessa disciplina, o conteúdo referente à teoria apresentada

por Piaget sobre o desenvolvimento humano já havia sido ministrado, por isso não consta em nossos registros, que se referem às observações a partir do primeiro dia de aula sobre a perspectiva teórica de Vigotski, de modo a contemplar considerações relativas à sua obra, bem como a de Wallon.

99 Este aspecto também é mencionado por Anita, durante a entrevista, ao afirmar que a constituição social e

histórica do homem é enfatizada ao longo da disciplina: “Embora a primeira parte seja sobre Psicologia do Desenvolvimento, isso é visto de uma forma crítica, não é como tradicionalmente é trabalhada a Psicologia do Desenvolvimento (...) porque apresento uma outra proposta, com o indivíduo constituído social e historicamente; e tento fazer com que os alunos tenham uma leitura crítica da obra dos três autores [Piaget, Vigotski e Wallon]. (...) E na segunda parte, ao falar de aprendizagem, desenvolvimento, linguagem e conhecimento, isso já é situado no âmbito social, com o referencial vigotskiano; já é com a ideia de que o sujeito é constituído na cultura”.

100 Na perspectiva histórico-cultural, utiliza-se o termo materialismo histórico

dialético.

101 Com base no registro do conteúdo ministrado nesta disciplina, são apresentados em aula os seguintes

pressupostos do materialismo histórico dialético que fundamentam a obra de Vigotski: “o modo de produção da vida material condiciona a vida social, política e espiritual do homem; o homem é um ser histórico, que se constitui através de suas relações com o mundo natural e social; o processo de trabalho (transformação da natureza) é o processo privilegiado nessas relações homem/mundo; e a sociedade humana é uma totalidade em constante transformação, um sistema dinâmico e contraditório, que precisa ser compreendido como processo de mudança, em desenvolvimento” (Registro de observação em sala de aula). O método dialético também é explicitado em aula com referências à ideia de se analisar o processo (sem se deter no produto), explicar os fenômenos com base em sua origem (de modo ir além da aparência) e no princípio da contradição.

107 de Vigotski, tais como mediação, instrumentos, signos e internalização; e de Wallon, como afetividade, movimento, cognição, emoção e os estágios do desenvolvimento, além se referir ao pensamento e à linguagem, abordados por ambos os autores.

Na segunda parte, Anita associa os temas trabalhados no campo da Psicologia do Desenvolvimento ao processo de escolarização, referindo-se à articulação entre o desenvolvimento e a aprendizagem, a linguagem, o conhecimento, o funcionamento intelectual e a temática da deficiência, com base na abordagem histórico-cultural. Além disso, introduz questões discutidas no campo da Psicologia Escolar, com base em uma perspectiva crítica, que serão abordadas no próximo item. Estes aspectos são desenvolvidos por meio de aulas expositivas, ministradas por Anita, ou por seminários apresentados pelos estudantes e mediados pela docente.

A respeito dessa segunda parte, deve-se ressaltar que ao longo da discussão sobre esses temas relativos ao processo de escolarização, a docente busca propiciar reflexões acerca das implicações da concepção e dos conceitos propostos por Vigotski para a Educação, de modo a estabelecer uma associação entre os pressupostos da perspectiva histórico-cultural e a atuação profissional do professor102. Desse modo, partindo da compreensão sobre o desenvolvimento e a aprendizagem como fenômenos social e historicamente constituídos, Anita passa a se dedicar a estes temas; e ao analisá-los, fundamentalmente quando se refere à questão da inteligência e ao fracasso escolar, faz alusão, inclusive, a contribuições de autores no campo da Psicologia Escolar, de modo a atentar para a problematização do fracasso escolar, com referências a elementos sociais, políticos e institucionais envolvidos em sua produção, bem como para as relações entre os participantes do contexto escolar e a medicalização da Educação, conforme apresentaremos posteriormente.

Segundo Anita, o conteúdo desta disciplina poderia ser aprofundado caso fosse ministrado ao longo de dois semestres (tal como ocorria em outra instituição na qual trabalhou anteriormente), de modo a se dedicar um semestre para a discussão da primeira parte, voltada para a Psicologia do Desenvolvimento e outro para a segunda, sobre temas referentes ao processo de escolarização. Nesse sentido, considera restrito o tempo para trabalhar estas questões, pelo fato de que a Psicologia da Educação A é ministrada em um

semestre e não há continuidade deste conteúdo na outra disciplina obrigatória de Psicologia (oferecida no semestre seguinte), que se refere à Psicologia da Personalidade, com base em

102 A articulação entre a Educação e as teorias desenvolvidas pelos três autores é realizada desde o início da

disciplina, porém, intensifica-se ao se tratar de temas trabalhados nesta segunda parte, vinculados de forma mais específica ao processo de escolarização.

uma perspectiva psicanalítica. Por outro lado, como o referencial psicanalítico é apresentado em uma disciplina específica, não há necessidade de introduzi-lo na Psicologia da Educação A

(que em outras instituições abrange um panorama geral das abordagens no campo da Psicologia).

A Psicologia da Educação B é oferecida regularmente no curso de Licenciatura, com uma

turma no período matutino e outra no noturno. Uma das especificidades da Licenciatura consiste na diversidade da formação dos estudantes de uma mesma turma, tanto em relação às áreas de seus cursos de bacharelado, quanto à etapa (inicial ou final) dos cursos em que se encontram. Na turma que observamos, havia graduandos em Física, Biologia, Letras, História, Filosofia, Geografia e Ciências Sociais, que estavam em diferentes momentos de seu curso de origem (abrangendo desde o primeiro ao último semestre) e da Licenciatura (enquanto alguns haviam acabado de ingressar e assistiam à sua primeira disciplina, outros estavam finalizando este curso, sendo esta a última disciplina necessária para a sua conclusão). Dentre os estudantes, alguns já possuíam experiência profissional como professores e outros, que não atuavam como educadores, reportavam-se a situações vivenciadas em instituições escolares decorrentes da realização de estágios em ambos os cursos103.

Do plano de ensino elaborado por Clarice e entregue aos estudantes, constam informações sobre o conteúdo ministrado, a avaliação e a bibliografia básica utilizada, além de um cronograma com os temas a serem abordados em cada aula.

Ao apresentar esse plano de ensino aos estudantes no primeiro dia de aula, a docente explicita a ideia de que a proposta central desta disciplina consiste nas contribuições da Psicologia para compreender a escola, de modo a situá-la como objeto de estudo. Nesse sentido, Clarice afirma: “Faremos um percurso teórico-metodológico que uma parte da Psicologia fez para

pensar conceitualmente a escola na sociedade (...), o cotidiano escolar. Pensar quais as contribuições da Psicologia para compreender a escola”. E, então, acrescenta: “A proposta é colocar a escola como objeto de estudo” (registro de observação). Ao longo das aulas, a docente esclarece que no campo da

Psicologia Escolar, o foco da análise sobre as questões escolares centra-se nos “processos e práticas de escolarização” e nas “relações” que se constituem na vida diária escolar (Registro de

observação).

Este aspecto é reiterado por Clarice, em sua entrevista, ao explicitar que o objetivo desta disciplina consiste em discutir questões contemporâneas referentes à escolarização, “às

103 Deve-se ressaltar que esta diversidade referente à experiência como professor também se encontra nas turmas

de Pedagogia; este curso corresponde, inclusive, à segunda graduação de alguns estudantes, já formados em outras áreas.

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relações interpessoais, às práticas e aos processos que se dão no âmbito da escola” (Entrevista). Desse

modo, ao situar as relações interpessoais na escola como um dos focos de discussão, a docente afirma buscar sensibilizar os estudantes para que direcionem um olhar e uma escuta genuínos para os participantes do dia a dia escolar, de modo a se aproximar e ouvir o que estes têm a dizer, sem se restringir a abstrações, generalizações e concepções previamente estabelecidas ou a argumentações utilizadas a fim de convencê-los acerca de suas posições. Sendo assim, relata que procura propiciar aos estudantes o questionamento de suas “certezas”, verdades ou

“crenças” preconizadas, inclusive, no meio acadêmico; percebe-se, portanto, que a docente busca contribuir para a problematização de ideias ou concepções naturalizadas que são cientificamente legitimadas e reproduzidas no discurso dos estudantes.

Conforme Clarice menciona na entrevista, a estrutura geral da disciplina e o conteúdo ministrado são coerentes com sua trajetória acadêmica e profissional (“[a disciplina] tem uma estrutura (...) que tem muito a ver com a forma como foi a minha própria carreira”), ou seja, expressam

sua aproximação com uma perspectiva crítica em Psicologia Escolar, que tem fundamentado suas pesquisas e atuação ou, mais especificamente, seu contato com a obra de autores como Maria Helena Patto, Agnes Heller, Justa Ezpeleta e Elsie Rockwell, conforme citado anteriormente.

Com base nessa perspectiva, a docente indica em seu programa a discussão de temas como a História da Psicologia Escolar (ou dos “modelos de atuação” nesse campo), o fracasso escolar, a pesquisa etnográfica e a formação docente. Como o conteúdo ministrado em praticamente todas as aulas desta disciplina expressa contribuições da Psicologia Escolar para a formação de professores, grande parte do material registrado ao longo dessas aulas será apresentado no próximo item, a que passaremos a nos dedicar a partir de então.

4.2 Disciplina Psicologia da Educação como expressão de contribuições da Psicologia Escolar para a formação de professores

Ao problematizar questões relativas à interface entre Psicologia e Educação, autores no campo da Psicologia Escolar propiciam relevantes reflexões sobre elementos que constituem a vida diária escolar. Dentre estes, encontram-se os que são abordados ao longo das disciplinas Psicologia da Educação A e B, voltadas para a formação de professores. Nesse

contexto, temas como o fracasso escolar, a queixa escolar e as relações intersubjetivas que se configuram no cotidiano escolar, são discutidos com futuros (ou já atuantes) profissionais da Educação, sujeitos que participam efetivamente do dia a dia nas escolas. Neste item, buscaremos apresentar brevemente algumas considerações teóricas referentes a tais temas, proferidas por autores dessa área, em uma perspectiva crítica, e explicitar o modo como são debatidos nas disciplinas investigadas.