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3 CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA DE CAMPO: TRAJETÓRIA E

3.2 Trajetória e desafios do trabalho de campo

Conforme mencionamos no início desse capítulo, o processo de investigação nos conduz a caminhos antes não previstos, enquanto entraves, obstáculos, aberturas, brechas, recusas, aceites, proposições e sugestões constituem esta trajetória.

Uma das maiores dificuldades que vivenciamos neste processo foi a inserção em campo, ou, mais especificamente, o acesso às universidades em cujos cursos as disciplinas de

Psicologia da Educação seriam investigadas:

Inserção. Um problema que aflige quase todos os pesquisadores – pelo menos

aqueles que tentam estudar, por qualquer método, organizações, grupos e comunidades do mundo real – é se inserir: conseguir permissão para estudar aquilo que se quer estudar, ter acesso às pessoas que se quer observar, entrevistar ou entregar questionários (Becker, 1999, p. 34 – grifo do autor).

De fato, como Becker (1999) afirma, a inserção do pesquisador e o acesso às pessoas e instituições pesquisadas são um grande desafio. Ao ressaltar a importância desse aspecto, o autor destaca que “a questão de se conseguir permissão para conduzir um estudo tem recebido pouca atenção da discussão metodológica séria” e propõe aos pesquisadores a leitura de trabalhos cujos autores o explicitam, de modo a se “investigar estes casos nos quais o acesso foi conseguido facilmente e aqueles em que se provou difícil ou impossível” (pp. 35; 36).

Durante o primeiro semestre de 2012, vivenciamos as dificuldades do processo de inserção e acesso às universidades. Dedicamos muito tempo à investigação do contato de pessoas que conhecem quem trabalha em cursos de Pedagogia, pois, ao longo do trabalho de campo, evidenciamos o fato de que o acesso às instituições é propiciado por essa rede de indicações (tal como será citado logo adiante).

88 Inicialmente, utilizávamos o conteúdo divulgado nos sites das universidades como uma

fonte de informações, pois constavam telefones dos campi e, por vezes, nomes dos docentes e

coordenadores, ou ainda, em alguns casos, a matriz curricular e o plano de ensino das disciplinas. Constatamos os alcances e limites desse recurso, que pode consistir em uma primeira ferramenta de investigação, porém, muitas vezes, pode não ser suficiente para o acesso às instituições. Um exemplo que ilustra essa questão consiste na experiência de contato com a coordenadora do curso de Pedagogia de uma universidade a que não tivemos acesso por meio de indicações. Localizamos o telefone da secretaria do curso disponibilizado no site, entramos em contato com a secretária e perguntamos o nome da coordenadora, seu

telefone institucional e o horário em que poderíamos localizá-la. Na conversa por telefone com a coordenadora, apresentamos a pesquisa, mas esta afirmou que não delibera sobre autorização de pesquisas na instituição e que isso exigiria um processo burocrático, passando pela pró-reitoria da universidade.

Por outro lado, diante do longo período de busca por indicações, localizamos pessoas que conhecíamos e que tinham contato com docentes, ex-docentes ou coordenadores de alguns cursos de Pedagogia. Por meio dessas indicações, conseguimos nos comunicar com esses profissionais e combinamos visitas às instituições, a fim de conversar sobre a pesquisa. Nesse contexto, fomos muito bem recebidas e acolhidas, as pessoas aceitaram participar da pesquisa e se dispuseram a contribuir de diferentes formas, inclusive, apresentando-nos a outros participantes e disponibilizando material para a investigação. Evidencia-se, com isso, a relevância dessa rede de indicações, por meio de pessoas conhecidas, como menciona Bourdieu:

Tomou-se por isso a decisão de deixar aos pesquisadores a liberdade de escolher os pesquisados entre pessoas conhecidas ou pessoas às quais eles pudessem ser

apresentados pelas pessoas conhecidas. A proximidade social e familiaridade asseguram afetivamente duas das condições principais de uma comunicação ‘não violenta’ (Bourdieu, 1993/1999, p. 697 – grifos do autor).

Ao atentar para as implicações desses encontros com os pesquisados, o pesquisador também deve considerar os efeitos da indicação por parte das pessoas, pois isso atravessa a relação com os participantes da pesquisa. Ou seja, quem indicou o contato com os participantes têm uma relação com estes, que atravessa o vínculo estabelecido com o pesquisado, tal como explicam Sato e Souza:

89 Sempre entramos vinculados a alguém, a alguma instituição, a alguma instância, as quais ocupam posições em relação às pessoas do local. Ainda que não tenhamos sido convidados para pesquisar aquele local, alguém permitiu nossa entrada e nossa convivência ali, tem poderes e interesses em relação àquelas pessoas, e isso define a posição que ocupamos na visão das pessoas do local, ainda que não compartilhemos dos mesmos poderes e interesses dos nossos interlocutores iniciais (2001, p. 5).

Por intermédio desta rede de indicações, conseguimos entrar em contato com coordenadores ou docentes das cinco universidades selecionadas com base nos critérios descritos anteriormente.

No primeiro contato que estabelecemos com os profissionais de cada instituição, realizamos uma conversa inicial com cada participante, anterior à entrevista propriamente dita. A finalidade destas conversas consistia em apresentar os objetivos e procedimentos da pesquisa, confirmar o consentimento para realização do trabalho de campo nestes cursos e a participação dos profissionais envolvidos, conhecer a estrutura geral dos cursos, receber a indicação e o contato de outros docentes destas instituições e agendar as entrevistas individuais.

A relevância destas conversas iniciais consistiu em favorecer uma aproximação com estes profissionais e com a instituição, pois esses encontros foram realizados nas próprias universidades, o que propiciou, inclusive, o acesso aos demais participantes da pesquisa, além de secretários dos departamentos, que informaram sobre a matriz curricular ou o horário das disciplinas, por exemplo. Além disso, por meio destas conversas, emergiram outras possibilidades de estratégias e procedimentos para o trabalho de campo (como a observação de algumas disciplinas e o acesso a trabalhos elaborados pelos estudantes), bem como a identificação de disciplinas e cursos que até então desconhecíamos.

Ecléa Bosi (2003) refere-se à importância das conversas que antecedem as entrevistas e menciona a “pré-entrevista”:

A pré-entrevista, que a metodologia chama ‘estudo exploratório’, é essencial, não só porque ela nos ensina a fazer e a refazer o futuro roteiro da entrevista. Desse encontro prévio é que se podem extrair questões na linguagem usual do depoente, detectando temas promissores. A pré-entrevista abre caminhos inusitados para a investigação (2003, p. 60).

De modo geral, esta conversa inicial foi realizada primeiramente com os coordenadores dos cursos, que autorizaram a realização da pesquisa em suas respectivas universidades e apresentaram a matriz curricular, nomeando as disciplinas de Psicologia da Educação, bem como

90 os docentes que as ministram. Em algumas universidades, conversamos inicialmente com um docente, que informou o contato do coordenador; em outra, foi possível conversar com o diretor do curso, que indicou o meio de acesso ao coordenador.

Após as conversas iniciais, começamos a realizar as entrevistas individuais. Entrevistamos os coordenadores dos cursos de Pedagogia das cinco universidades, bem como uma coordenadora da Licenciatura, e ao menos dois docentes de cada curso de Pedagogia, que ministravam disciplinas de Psicologia da Educação, totalizando dezesseis entrevistas88.

Em cada um dos cursos, havia mais de uma disciplina de Psicologia da Educação (por

vezes, identificadas com diferentes nomenclaturas, mas que se centravam na discussão de questões relativas à interface entre Psicologia e Educação), por isso, após a leitura das ementas e da conversa inicial com coordenadores e docentes, foram selecionados para a entrevista os docentes das disciplinas cujo conteúdo fosse pertinente ao objetivo da pesquisa (ou seja, com temas referentes à Psicologia Escolar ou ao processo de escolarização). Nas instituições em que mais de um docente ministrava a mesma disciplina, foram selecionados os profissionais responsáveis pela elaboração da ementa oficial ou do plano de ensino utilizado por todos os docentes, bem como os que seriam mais acessíveis, em função da rede de indicações dos participantes ou de algum contato prévio estabelecido conosco.

Durante a realização da maioria das entrevistas com os docentes, baseamo-nos tanto no roteiro de entrevistas quanto na versão impressa do plano de ensino (ou programa) da disciplina utilizado pelo entrevistado, que nos fora disponibilizado nas conversas iniciais ou no próprio dia da entrevista, conforme havíamos combinado. A leitura conjunta de trechos do plano de ensino contribuiu para o esclarecimento da configuração geral da disciplina e o aprofundamento de questões específicas em cada entrevista. Ao longo deste processo, evidenciou-se a relevância de não se restringir à leitura da ementa e do plano de ensino oficialmente divulgado pelas universidades (de forma virtual, pelos sites, ou impressos) e, sim,

analisar o plano ou programa efetivamente elaborado e executado pelo docente – de modo a ter acesso ao “currículo oculto”, tal como identifica Giroux (1997). A ementa e o plano de ensino divulgados oficialmente podem ser utilizados pelo docente como base para o planejamento de seu trabalho e também ser ajustados, de forma singular, ao conteúdo e à bibliografia propostas pelo ministrante.

Nas entrevistas com os coordenadores, orientamo-nos pelo roteiro de entrevista e pela matriz dos cursos de Pedagogia, a fim de conhecer a estrutura dos cursos e as disciplinas de

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Psicologia da Educação. Geralmente, durante as conversas iniciais, anteriores às entrevistas, os

coordenadores forneciam uma versão impressa da matriz do curso (por vezes, mais atualizada do que a versão que havíamos acessado anteriormente por meio do site das universidades). Na

maioria das entrevistas com os coordenadores, realizávamos conjuntamente a leitura da matriz e confirmávamos os nomes das disciplinas da área de Educação e dos docentes que as ministravam. Um dos coordenadores também disponibilizou o projeto político-pedagógico do curso e outro forneceu os planos de ensino de todas as disciplinas de Psicologia da Educação do

curso em sua instituição.

No mesmo período em que realizamos a maioria das entrevistas (segundo semestre de 2012), observamos às aulas de três disciplinas de Psicologia da Educação, conforme

mencionamos anteriormente.

Nas duas disciplinas oferecidas no curso de Licenciatura, acompanhamos as aulas durante todo o semestre letivo. Na do curso de Pedagogia, iniciamos as observações quando as aulas já haviam começado, logo após a realização da primeira conversa com a docente desta disciplina, já que a possibilidade de assisti-la apenas foi cogitada justamente durante esta conversa.

A observação a essas aulas consistiu em uma relevante oportunidade de conhecer o modo como estas disciplinas são efetivamente ministradas. Durante esse processo, pudemos acompanhar as discussões realizadas em sala de aula, a forma como os temas eram apresentados, as manifestações dos estudantes (como expressavam a apropriação do conteúdo, suas dúvidas e contribuições ao que estava sendo discutido), as atividades em grupo realizadas em sala, a apresentação de seminários por parte de estudantes (no curso de Pedagogia) e o relato da experiência do estágio desenvolvido ao longo do semestre (na Licenciatura), além de ter acesso ao material didático e às produções dos estudantes (provas, trabalhos e relatórios de estágio).

Ao final do período de observação, nos últimos dias de aula destas disciplinas, realizamos entrevistas em grupo com alguns estudantes (três grupos com três ou quatro participantes em cada). Buscamos agendar, junto aos participantes, uma data e um horário viáveis para todos, enfatizando que o encontro deveria ser realizado próximo ao encerramento das aulas, pois seria importante que todo o conteúdo já houvesse sido ministrado.

Outro procedimento realizado ao final do ano letivo foi a entrega de questões respondidas pelos estudantes. Os estudantes de uma turma responderam a essas questões na sala de aula, no dia em que entregaram os trabalhos finais para a docente, enquanto os de

92 outra responderam na sala antes da apresentação da experiência de estágio e os da outra as levaram para casa e entregaram no dia da prova. Para cada turma, foi preciso ajustar o procedimento às suas necessidades e às especificidades das atividades planejadas no cronograma, de modo a não interferir no seu funcionamento e no cumprimento do programa das aulas.

Um dos maiores desafios durante o trabalho de campo consiste em lidar com os imprevistos que atravessam esse processo. No primeiro semestre de 2012, enquanto nos dedicávamos às tentativas de contato com profissionais das universidades, a maioria das disciplinas de Psicologia da Educação, pertinentes ao objetivo da pesquisa, estava sendo ministrada nos cursos de Pedagogia nas instituições que passaram a fazer parte da pesquisa apenas no final deste semestre. Como estas disciplinas são oferecidas apenas nos semestres ímpares dos cursos (ou seja, durante o primeiro semestre do ano letivo), não tivemos a oportunidade de observar a essas aulas. De fato, a possibilidade de observação às aulas ainda não havia sido cogitada, pois decorreu da própria inserção em campo, durante o segundo semestre. Portanto, assim como alguns obstáculos permeiam este processo, novas alternativas e estratégias não previstas no projeto original passam a ser elaboradas diante do trabalho investigativo. A observação de disciplinas do curso de Licenciatura, não prevista originalmente, por exemplo, pode ilustrar este aspecto. Outro desafio (associado, inclusive, ao que acabamos de mencionar) consiste em impor um limite ao desejo insaciável de seguir em busca de novas fontes de informação, de outras disciplinas a observar ou de outros participantes a entrevistar, enquanto tão necessário quanto o acesso ao material obtido é o seu limite ou o recorte, como evidenciamos nesse processo.

Enfim, diante da explicitação dessa trajetória do trabalho de campo, passaremos a apresentar, no próximo capítulo, considerações decorrentes da análise do material obtido por meio da observação às disciplinas Psicologia da Educação A e B.

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4 A DISCIPLINA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA PESQUISA DE CAMPO

Neste capítulo, iremos nos dedicar à análise da Psicologia da Educação como expressão

de contribuições da Psicologia Escolar para a formação de professores. Para tanto, inicialmente faremos breve alusão à estrutura das disciplinas investigadas na pesquisa de campo (Psicologia da Educação A e B) e, então, atentaremos para alguns temas centrais que vêm

sendo discutidos no campo da Psicologia Escolar, de modo a ilustrar como são abordados ao longo de tais disciplinas. Por fim, mencionaremos considerações dos participantes da pesquisa acerca de contribuições destas disciplinas para a formação de professores.