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O assentamento pesquisado foi um dos primeiros criados no estado de Minas Gerais e fruto da primeira ocupação realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no referido estado. O MST em Minas nasceu no Vale do Mucuri, mais precisamente na cidade de Poté, em 1985, com a realização da primeira Assembléia Municipal de Trabalhadores Sem Terra e a criação da primeira Coordenação do movimento. Esta articulação e organização se expandiram com a ação dos militantes vinculados aos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e à Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto às comunidades rurais da região dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha. Com o apoio de lideranças da Igreja e Sindicatos Rurais foram formados núcleos de sem terra que mais tarde, em 12 de fevereiro de 1988, realizaram a ocupação da fazenda Aruega, no município de Novo Cruzeiro32. Como relata uma das assentadas entrevistadas, esta mobilização efetivada pelas lideranças do movimento na época apontava uma nova perspectiva de vida, um novo projeto.

Nós morava numa terra pequena, eu não sei quantos hectares, e era 17 filhos e começou aquele pessoal fazendo trabalho de base, colocando naquele entusiasmo que o movimento sem terra era uma maneira boa da gente sobreviver. Era onde a gente ia ter espaço, ia ter escola ia ter tudo. (Entrevistado D)

Fernandes (2004) descreve este processo lembrando que a ocupação de terras não é o começo da luta. Muito antes de tomar esta decisão, os Sem Terra, vinculados ao MST, visitam as casas das famílias nas periferias das cidades convidando-as para ingressarem na luta pela terra e pela reforma agrária. Estas famílias se reúnem nos mais variados locais (salões paroquiais, sede de sindicatos, escolas, etc.) e criam aquilo que chamam de “espaço de socialização política”. Lá, discutem as possibilidades de luta, trocam experiências, conhecem suas histórias e trajetórias de vida, discutem sobre seus destinos, constroem identidade e conhecimentos sobre a luta pela terra e abrem novas perspectivas de vida.

A proposta do MST de ocupar a terra aparece como esperança e medo. Esperança porque é uma possibilidade apresentada por quem lutou e conquistou a terra. Medo porque a luta pode levar a conquista da terra, mas também pode levar a outros caminhos, inclusive à morte no enfrentamento com os latifundiários e com a polícia (FERNANDES, 2004, p.45).

Apesar da repressão imposta aos trabalhadores, Aruega deu lugar ao primeiro assentamento do MST no estado de Minas Gerais. No entanto, a fazenda de 950 ha não comportava as cerca de 350 famílias ali acampadas. Parte das famílias excedentes, após anos de luta em outros acampamentos, depois de várias tentativas frustradas de ocupação e andanças por lugares variados, de processos de despejo e violência, de vivências dolorosas e árduas, fez, no dizer de uma assentada, “a grande marcha”. Em 1993, famílias excedentes de outras ocupações, principalmente da fazenda Aruega, e oriundas de acampamentos ocuparam a fazenda Califórnia na região do Vale do Rio Doce já em processo de desapropriação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O assentamento recebeu o nome 10 de Junho porque foi nesta data que ocorreu a ocupação.

Na assembléia realizada no primeiro dia de ocupação foram criadas as comissões responsáveis pela organização da vida no acampamento (saúde, segurança, alimentação, roupas e comissão central), e um mês mais tarde foram criados os

grupos de resistência. Estes grupos tinham a função de produzir alimentos para a subsistência e discutir política, fazer o trabalho de “consciência coletiva”. Cada grupo era composto por doze famílias e tinha um coordenador que participava da Comissão Central. Eram produzidas hortaliças, arroz, feijão, milho, mandioca, banana, dentre outros e, após a colheita, a coordenação dos grupos discutia como seria a divisão da produção.

Estes momentos de construção do acampamento são lembrados pelos assentados como um momento bastante significativo. Ali os corações e mentes se reuniam em torno de um objetivo claro e preciso que era a conquista da terra para poder trabalhar. Para muitos assemelha-se à chegada na “terra prometida” à despeito das condições difíceis de vida.

Às vezes quando a gente entra num acampamento, todo mundo reunido, todo mundo naqueles barraquinho de lona, aquela maravilha. Depois que cada um adquire seu pedacinho de terra fica mais difícil, complica. Quando a gente vive em acampamento é como se diz semelhante as comunidades dos primeiros cristãos, todos por um e um por todos. Depois de acordo que a gente vai vivendo fica mais difícil. E não é uma coisa que a gente esperava (…) eu acho que é por causa da dificuldade. Porque as pessoas vai vivendo aquela vida, vai cansando, começa a estressar, procura um culpado mas ninguém é culpado e aquilo vai, é difícil. (Entrevistado D)

A fala acima da assentada mostra ainda que depois da ocupação e da conquista da terra existem muitos desafios na realização efetiva da reforma agrária e na construção de novos valores na sociedade. O aprendizado desenvolvido na luta e nas experiências do acampamento embasam as escolhas da comunidade, apesar dos limites na concretização destas escolhas que serão explicitados mais adiante. Quando da criação do assentamento e a legitimação da posse da terra em 1996, a experiência no trabalho coletivo levou 39 das 82 famílias assentadas optarem pelo não parcelamento dos lotes, ou seja, pelo uso coletivo da terra, créditos e pela produção coletiva. Fizeram cursos sobre cooperativismo e cooperativas, trocaram experiências com grupos que já realizavam trabalho cooperado, e em fins de 1996 criaram a cooperativa de produção, legalizada em fins de 1997.

FIGURA 1. Acampamento das famílias em 1996 (observar o avançado estado de degradação ambiental da área).

FONTE: Extraído do Projeto Final de Assentamento elaborado por INCRA-MG

Em 2005, um grupo de quatorze famílias resolveu desligar-se da cooperativa gerando instabilidade e desconforto na comunidade. O grupo dos “desistentes”, assim chamados pelos assentados, recebeu seus lotes individuais em 2006. No início da coleta de dados para esta pesquisa, no ano de 2008, as famílias que permaneceram estavam pensando e discutindo sobre os rumos que iriam dar para a cooperativa. Em 2009 decidiram que não poderiam continuar e resolveram terminá- la. Para eles não é um fim definitivo, pois ainda que a cooperativa não mais exista, os frutos por ela gerados permanecem como uma “chama viva”, tanto os bens de produção adquiridos quanto o sentido/sentimento de “coletivo”.