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Formas de organização e gestão do trabalho

3.4. Meios de Trabalho

3.4.4 Formas de organização e gestão do trabalho

Ao longo do processo de construção do assentamento, a questão da criação de formas alternativas de produção, dentre elas a cooperativa, foram colocadas pelas lideranças do movimento às famílias acampadas desde o início da ocupação. Começaram produzindo coletivamente, até como forma de garantir a posse da área, mas na medida em que o processo de legitimação do assentamento era encaminhado e o número de famílias que poderiam ficar na área definido, a comunidade decidiu pela constituição de dois grupos: um de produção familiar individual, composto por 42 famílias e outro de produção coletiva, composto por 39 famílias. A unidade de produção coletiva decidiu que terra, trabalho e crédito seriam utilizados coletivamente e, em 1997, formalizaram a cooperativa agropecuária de produção.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - compreende a cooperação agrícola como toda forma de organização coletiva da produção, seja na comercialização, na prestação de serviço e na agroindústria com o objetivo criar condições mais favoráveis de vida nos assentamentos, mas também de formação dos trabalhadores tendo em vista o fortalecimento de suas lutas, a transformação da sociedade e o “controle absoluto dos meios de produção” (MST, 1991, p.146).

Menezes Neto (2003), partindo da análise de documentos sobre o cooperativismo produzidos pelo MST, relata que a proposição do trabalho cooperado nasce de uma preocupação com a produtividade nos assentamentos desde as primeiras ocupações e em meio à luta por crédito público nos anos oitenta. Paralelamente, o MST participou da organização de uma entidade com objetivo de discutir com assentados a importância da cooperação no trabalho agrícola, o Centro de Técnicas Agropecuárias Alternativas (CETAP). Por meio de estudos e contatos com experiências de organização em cooperativas na América Latina, Israel e Espanha, o movimento começa a delinear seus princípios em torno da cooperação. Stédile (1999 apud MENEZES NETO, 2003) afirma que este foi um período importante pois aprenderam que para implementar a cooperação agrícola deveriam considerar tanto

as condições objetivas - nível de acumulação de capital existente, condições naturais, possíveis produtos a serem produzidos - quanto as condições subjetivas da comunidade - consciência política e histórico de participação na luta.

As primeiras cooperativas vinculadas ao movimento surgem em 1989 e 1990 no Rio Grande do Sul e em 1992 é constituída a CONCRAB - Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda. À medida que a CONCRAB vai se fortalecendo e que o movimento passa a cobrar mais do Estado um comprometimento com as questões dos trabalhadores, as concepções sobre o cooperativismo no MST vão se clareando.

A luta, que era apenas pela ocupação de terras, contra o latifúndio, adquire uma dimensão política mais ampla. No terreno econômico, o projeto cooperativista definiu-se pela agroindústria, representando uma derrota de setores que defendiam a formação de pequenos grupos de subsistência, pois define-se que o que orienta e organiza a cooperação é o capital e não a terra (item c)43. Este conceito político é fundamental e redireciona as ações do MST, que, desde então, incorpora a luta pelo direito ao crédito e ao financiamento público (MENEZES NETO, 2003, p.83).

Para o Movimento, o cooperativismo se desenvolve em etapas começando pela mais simples, os núcleos de produção (terra, lotes, meios de produção, planejamento são individuais), passando pela Associação (trabalho e terra de uso individual, meios de produção e moradias mistas), pelo Grupo Semi Coletivo (parte da terra e dos meios de produção são coletivos, parte individual; predomina a moradia na agrovila), pelo Grupo Coletivo (terra, meios de produção, planejamento e trabalho coletivos), até chegar a formas mais complexas que são a Cooperativa de Prestação de Serviços (serve para comercializar, prestar assistência técnica, viabilizar serviços com máquinas, organizar e beneficiar a produção, oferecer cursos de capacitação técnica e formação política) e a Cooperativa de Produção Agropecuária (é uma empresa em que terra, trabalho, gestão e produção são coletivas; planejamento é centralizado e os meios de produção estão sob controle da cooperativa; cabe a ela ter um plano de desenvolvimento e liberar quadros para o Movimento). (SISTEMA, 1998 apud MENEZES NETO, 2003, p.87).

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Item c refere-se às resoluções aprovadas sobre cooperativismo no Seminário Nacional do MST em 1994: “o que determina a possibilidade não é mais o tamanho do lote (terra), e sim a sua localização,

modelo tecnológico, volume de capital e mercado. Enfim, o que orienta e organiza a cooperação é o capital e não a terra” (SISTEMA, 1998, p. 33- 34 apud MENEZES NETO, 2003, p. 83).

A história de constituição da cooperativa no assentamento passou por etapas que se aproximam das identificadas pelo MST, particularmente pela de formação do Grupo Coletivo e de criação da Cooperativa de Produção Agropecuária. No ano seguinte ao início da ocupação, um grupo de sessenta famílias aderiu ao trabalho coletivo e fundou uma associação para gerenciar pequenos projetos e organizar a produção no acampamento. Após três anos de experiência no trabalho coletivo, algumas famílias resolveram partir para a produção individual e um grupo de 22 famílias, primeiramente, e 39, definitivamente, deliberaram pela apropriação coletiva da terra e dos créditos e organização do empreendimento coletivo.

A escolha pela produção individual ou coletiva foi sendo feita ao longo do exercício no trabalho coletivo, da realização de cursos, assembléias e seminários, com a participação de dirigentes da CONCRAB inclusive, onde o tema era debatido. O relato da visita feita por dois representantes do assentamento às cooperativas do sul do país também são consideradas fundamentais no delineamento dessa escolha. No entanto, um momento crucial e que permeia o relato de todos os entrevistados quando indagados sobre os motivos da escolha ou não pela cooperativa foi o da realização de uma oficina de formação ocorrida entre os dias primeiro de novembro e dez de dezembro de 1996, conhecida como laboratório. Esta combinava um período de discussão teórica e outro período de trabalho prático sobre os princípios de cooperação do MST, a história do cooperativismo no Brasil e o modo de organizar uma cooperativa de produção agropecuária. No final dos quarenta dias de estudo a cooperativa foi constituída e no final de 1997 foi registrada formalmente.

Cada um aqui tinha que sentar trinta dias meio período pra discutir e debater o associativismo e o cooperativismo. Pra nós chega no entendimento do que era bom pra nós sem precisar alguém olha eu fui pra cooperativa eu não sabia. Esse estudo deu base, garantia pra que as pessoas ia se definindo o que que ela queria. (Entrevistado F)

O método do Laboratório Organizacional adotado para implantação das cooperativas do Movimento é criticado atualmente por ser considerado rígido na sua aplicação e estanque, não considera o processo e o ritmo da comunidade, já que após quarenta dias de reunião tem que sair a cooperativa. (maiores detalhes ver Menezes Neto,

2003, p.81 e 121-122) Esta também é a avaliação de grande parte dos entrevistados. Para eles quarenta dias de formação foram muito pouco para consolidar os valores do cooperativismo. Embora a experiência no trabalho coletivo seja formadora, o espaço para a reflexão sobre o significado do cooperativismo praticamente ficou restrito a este momento do Laboratório.

Para muitos assentados, a reforma intelectual e moral necessária a construção da nova prática produtiva coletiva esbarra o tempo todo na mentalidade individualista que marca o modo de vida do camponês.

Ate porque o processo de coletividade é muito difícil. O camponês por si já é individual, ele já é artesão individual por si, ele já tem essa dificuldade de compreender o todo da coisa, de desenvolver a cooperação. (Entrevistado J)

O camponês às vezes ele é viciado e isso interfere na questão política igual eu to dizendo. As vezes tem camponês que diz assim: ele tá bem ele tá vivendo coisa e tal mas ele tem alguma coisa dentro de si, um vício que ele tem que estar tocando naquela questão que ele diz meu e não nosso. Ele aprendeu a fala o meu. (Entrevistado F)

Para Damasceno (1993), o entendimento que parte dos camponeses tem sobre o trabalho individual (familiar) e o coletivo pode ser considerado como um dos mais polêmicos por escamotear a visão que o camponês tem da propriedade da terra. Citando Martins (1980), ela lembra que essa postura advém das condições objetivas de vida do pequeno produtor marcadas pelo isolamento e controle individual do processo de trabalho44, isolamento este rompido somente quando o produto do seu

trabalho atinge o mercado. Além disso, Damasceno ressalta que as classes dominantes reforçam esta atitude com o trabalho ideológico em torno da negação da coletivização e da afirmação dos valores individualistas. No assentamento, por exemplo, as famílias que escolheram trabalhar individualmente o fizeram por não conseguirem se adaptar ao trabalho coletivo, por acharem que ele não atendia às necessidades específicas da sua família e, principalmente, por julgarem necessário ter maior autonomia na definição do ritmo e forma de trabalho.

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Vale lembrar que “o pequeno produtor familiar não é o dono do produto do seu trabalho, pois este é

apropriado pelo capital, é fácil depreender que a percepção de que a propriedade da terra garante o controle do processo de trabalho por parte do camponês é uma representação da existência do camponês que é necessariamente aparente. Trata-se evidentemente de uma forma ideológica de mascaramento da própria realidade. Esse fato caracteriza uma fragmentação da consciência, a incapacidade de estes apreenderem sua realidade como uma totalidade” (DAMASCENO, 1993, p.66).

Por outro lado, as políticas desenvolvidas pelo Estado tendem a reforçar este comportamento. Os serviços de extensão e assistência técnica são forjados para apoiar trabalhadores individuais. Os créditos também são concedidos aos beneficiários individualmente (DAMASCENO, 1993).

De todo modo, a experiência do trabalho na cooperativa foi considerada um espaço importante na formação dos trabalhadores, ainda que não tenha conseguido romper completamente com a atitude de isolamento e individualismo considerados típicos do modo de pensar do pequeno produtor “tradicional”.

Trabalho coletivo, processo coletivo, as cooperativas foram um processo de formação. Mesmo que elas acabaram, não deu certo pela questão econômica, outros foi por essa questão de conviver porque você tem pessoas mesmo que não deu muito certo essa questão, a escola, a educação dada a cada membro, eu acho que hoje pra cada um voltar a constituir, vai ter mais maturidade para fazer uma coisa mais sólida. (Entrevistado I)