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Devido às últimas reformas realizadas em nosso ordenamento jurídico, através da Lei n. 8.952/94, a qual deu nova roupagem à redação do artigo 461 do CPC e, também, com o advento da Lei n. 10.044/02, que implantou o artigo 461-A do CPC, nota-se um avanço na busca pela almejada efetivação da prestação jurisdicional, utilizando, dentre outros artifícios, as chamadas astreintes, com o intuito de coagir o devedor ao cumprimento voluntário da obrigação.

Necessário se faz, por primeiro, a conceituação do instituto aqui tratado, a fim de desvendar, desde já, seus objetivos e funções, bem como frisar que, o foco principal do presente estudo, são as astreintes previstas nos §§4º, 5º e 6º do artigo 461 do CPC.

A palavra astreintes, comumente utilizada nas decisões judiciais, nada mais é do que a multa coercitiva aplicada no caso concreto, e teve sua previsão e recepção através da palavra astreintes, prevista no Código Francês, a qual deriva do latim ad-stringere, que significa obrigar, sujeitar, apertar, constranger12. O termo, advindo do direito francês, como já noticiado, tem sido utilizado em todo o direito comparado, em virtude de sua difícil tradução literal e, ainda, a sua disseminação no mundo jurídico.

Acerca do assunto, expõe Amaral:

As astreintes constituem técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa a pressionar o réu para que o mesmo cumpra o mandamento judicial, pressão esta exercida através de ameaça ao seu patrimônio, consubstanciada em multa periódica a incidir em caso de descumprimento13.

Diante da nova sistemática adotada pelo artigo 461 do CPC e seus parágrafos, adequou-se as normas de efetivação dos comandos judiciais, “compatibilizando-as com as modernas técnicas mandamentais e executivas lato sensu para o adimplemento não voluntário das obrigações de fazer e de não fazer”14

.

12

TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa: (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 49.

13

AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 85.

14

As previstas no artigo 461, §§ 4º, 5º e 6º, podem ser impostas em algumas modalidades de obrigações, conforme destrinchadas nos itens 2.4.4 e 2.4.6, tais como nas obrigações de fazer fungíveis e infungíveis, sejam elas positivas ou negativas, ou, ainda, nas obrigações de dar coisa certa.

Frisa-se, por oportuno, que atualmente a multa aqui analisada encontra aplicação, além dos artigos 461, §4º, §5º e §6º, 461-A e §3º, 621, bem como nos artigos 644 e 645, todos do CPC, em algumas leis infraconstitucionais, tais como, o artigo 84, §4º, do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 52, V, da Lei 9.099/95. Desta forma, chega-se a conclusão de que a “astreinte é uma maneira de coerção ou constrangimento que visa obrigar o devedor recalcitrante a prestar determinada obrigação”15

, sob pena de a negativa no cumprimento causar repercussão e perdas sobre o patrimônio do devedor.

4.3.1 Natureza jurídica

Consoante mencionado anteriormente, as astreintes são largamente utilizadas com o fito de dar efetividade à concretização de uma obrigação/direito declarado tanto em sede de antecipação de tutela, quanto em sentença, exercendo coerção sobre o devedor para cumprimento da obrigação noticiada na decisão.

Nas palavras de Marinoni:

A multa referida nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC possui o visível objetivo de garantir a efetividade da sentença e da tutela antecipatória, fazendo com que a ordem de fazer ou de não-fazer nelas contidas sejam efetivamente observadas.16

A utilização da multa, assim, potencializa “a efetividade das ordens do juiz, de modo que o seu poder de decidir o direito não seja apenas um poder teórico,

15

PEREIRA, Carla Maria de Souza. Astreintes: importância da limitação do valor quando da sua fixação evitando-se a posterior redução diante do descumprimento da ordem judicial. Disponível em:

<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/CARLA%20MARIA%20DE%20SOUZA%20PEREIRA%20- vers%C3%A3o%20final.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2012.

16

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 61.

ou melhor, um poder sem relevância prática, sem meios que tornem o direito declarado um direito vivo”17

.

Em razão do acima transcrito, observa-se notadamente o interesse público na efetividade de suas decisões, bem como na utilização das astreintes, como meio de cumprimento e respeito aos mandamentos impostos pelo Estado, em virtude do incessante descumprimento das obrigações por parte do devedor, maculando a autoridade das decisões exaradas pelo judiciário.

Nesse mesmo sentido, é entendimento de Spadoni:

É lícito afirmar que o interesse diretamente tutelado pela multa cominatória é o do Estado. É o interesse público na efetividade das decisões jurisdicionais e no respeito à autoridade dos tribunais o objeto imediatamente protegido pela imposição de ameaça de sanção pecuniária18.

Na verdade, a fim de propiciar a efetividade do cumprimento das decisões, pode-se afirmar, com clareza, que possuem, as astreintes, força coercitiva/intimidativa, em virtude de procurar demover, do devedor, postura de resistência ao cumprimento da decisão exarada, minimizando os prejuízos do autor, advindos do descaso do réu.

Neste sentido, o §4º do art. 461 do CPC, autoriza a fixação de multa diária, aqui denominada astreintes, ainda que imposto de ofício pelo magistrado, hipótese esta prevista no corpo do parágrafo acima mencionado, sendo “um modo, assim, de zelar pela própria dignidade da justiça, como entidade sociopolítica, utilizando-se de todos os meios legais e civilizados para fazer cumprir o julgamento, sem violar a pessoa humana”19

.

Deste modo, chega-se a finalidade de sua fixação, que, nas palavras de Spadoni, reportando-se à Bobbio, classifica a astreinte como sanção preventiva20, além de sua natureza coercitiva, em virtude de sua fixação ter o dever de ser apta à pressionar o devedor ao cumprimento voluntário da obrigação.

Tem-se, assim, que as astreintes além de darem suporte aos comandos judiciais, resguardado a autoridade conferida na decisão dos magistrados, conferem

17

SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 174.

18 Ibid., p. 174. 19 AMARAL, 2004, p. 57. 20 SPADONI, 2007, p. 176.

ao autor uma possibilidade mais avantajada para ver eu direito, almejado na ação, amplamente satisfeito e assegurado.

4.3.2 Características das astreintes

A multa aqui estudada, conforme já noticiado, ainda que supervenientemente, possui três características distintas: o poder de coerção, a acessoriedade e a patrimonialidade.

A primeira delas, ou seja, a coerção, conforme já referida diversas vezes quando da analise sob o prisma da busca pela efetividade das decisões, é “destinada a pressionar o devedor para cumprir decisão judicial, e não a reparar os prejuízos do descumprimento da mesma”21

.

Com o exercício “da técnica de tutela das astreintes permite, assim, a materialização da tutela jurisdicional almejada pelo autor”22, como meio de pressionar o devedor acerca da possibilidade de incidência de multa que, em virtude de incidir por tempo indeterminado, ou seja, até o cumprimento efetivo da obrigação poderá atingir patamares superiores ao da própria obrigação principal.

Importante destacar, ainda, que o caráter coercitivo não pode ser confundido nem com indenizatório, nem com punitivo, uma vez que o valor da astreintes “reverterá à parte adversária, mas não à título de perdas e danos. O seu valor pode, por isso mesmo, cumular-se à perdas e danos (art. 461, §2º, CPC)”23

. É considerada acessória, em virtude de ter como objetivo a coação do devedor ao cumprimento de determinado comando judicial, somente tendo razão de existir quando ainda pendente e possível o cumprimento da obrigação, por parte do réu.

Neste sentido, aduz Amaral:

Conclui-se, assim, que as astreintes são acessórias da ordem (preceito) contida na decisão judicial que as fixa, razão pela qual sua existência depende da manutenção de tal decisão, e a sua incidência está vinculada a possibilidade prática de cumprimento específico da obrigação declarada na mesma24. 21 AMARAL, 2004, p. 61. 22 Ibid., p. 61. 23

BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JUNIOR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Salvador: Podivm, 2007. v. 2. p. 349.

24

Por fim, chega-se a característica patrimonial da multa, em virtude de exercer ameaça sobre o patrimônio do devedor, em que pese não ser, a priori, sua principal função, qual seja, compelir o devedor ao cumprimento da obrigação.

Vale frisar, que a patrimonialidade contida nas astreintes “antes de haver a execução da multa, a coação se dá sobre a pessoa do réu, através de ameaça contra seu patrimônio”25

, sendo meramente acidental a ofensa ao patrimônio do inadimplente, situação em que ocorrerá por sua desídia.

Sobre o assunto tratado, leciona Marinoni:

Se a multa não atinge os seus escopos, não levando o demandado a adimplir a ordem do juiz, converte-se automaticamente em desvantagem patrimonial que recai sobre o réu inadimplente. Neste momento, é certo, acaba por assumir a mera feição de sanção pecuniária; entretanto, tal feição, assumida pela multa justamente quando ela não cumpre os seus objetivos, é acidental em relação à sua verdadeira função e natureza26.

Sobre a aplicação da multa pelo descumprimento, tem-se que esta além de se reverter em favor do autor, somando ao seu patrimônio, é faculdade do mesmo, na medida em que a execução provisória, com relação à multa fixada é de sua exclusiva providência, havendo necessidade, desta forma, de pedido formulado especificadamente neste sentido.

Neste contexto, aviva-se pertinente a abordagem do prazo das astreintes, ou melhor, o prazo dado para o devedor cumprir a obrigação, frisando, apenas, que deve ser razoável para o efetivo cumprimento, mas não tão elástico capaz de gerar benesse ao devedor e prejuízo à parte.

Necessário se faz abordar as diferentes facetas descritas e adotadas pelos §§ 4º e 5º do artigo 461, no que tange às expressões “multa diária” e “multa por tempo de atraso”, as quais apenas aduzem que o magistrado, no caso concreto, poderá aplicar multas que não sejam diárias, não havendo, desta maneira, forma definida para imposição das astreintes, salientando que sua obtenção não se trata de verba integrante do crédito do autor, mas, tão somente, simples instrumento legal para coação do devedor.

Colhe-se do entendimento de Amaral:

25

AMARAL, 2004, p. 69. 26

Concluímos, portanto, a diferenciação que alguns autores fazem entre multa

fixa e multa diária e, agora, multa por tempo de atraso, não se mostra

pertinente. Trata-se de absolutamente a mesma coisa, ou seja, da astreinte prevista no §4º do artigo 461 do Código de Processo Civil brasileiro, e em todos os demais dispositivos análogos, dentre eles o próprio §5º do artigo antes referido27.

Com efeito, de acordo com o acima transcrito, chega-se a conclusão de que seja a multa por dia de atraso, tempo de atraso ou dia fixo, poderá, o magistrado, atentando às situações peculiares do caso concreto, impor multa por dia, hora, ou qualquer outra unidade de tempo que venha a entender cabível e pertinente ao caso.

Passaremos, no subitem a seguir, a um dos cernes do presente estudo, qual seja, o valor e possível limite na fixação das astreintes.