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No processo de análise das práticas com o discurso empregado pelos produtores rurais identificam-se atitudes ambientais que contribuem ou não para a construção de sua consciência ambiental. As atitudes ambientais de afeição, cognição e comportamento foram analisadas e revelaram uma lógica que envolve a formação da consciência ambiental dos produtores rurais.

Com base no entendimento dessas atitudes, percebe-se que o discurso empregado pelos produtores rurais não demonstra um grau significativo de atitudes de afeição pelo meio ambiente. Mesmo as ações que representam consciência ambiental, geralmente são empregadas em detrimento da justificativas de outras, com escassez dessa consciência, como observado na Quadro 6.

Quadro 6 – Ações representativas de consciência ambiental

Comportamento observado

Membro

da família Significação Práticas adotadas

Contrário ao

desmatamento Pai

“Lá na Amazônia, tão derrubando tudo. Aqui no Rio Grande do Sul [...] faiz, dez, quinze ano que não deixam derrubar nem um pinheirinho. Não deixa derrubá nada! E lá tão devorando tudo e o governo fechando os olho!”

Criticar o comportamento dos políticos para rever as políticas públicas de desmatamento.

Preocupação com

poluição das águas Pai

“Acho que deve ser respeitada as água, as nascente! Eu tenho um problema ali, com vizinho [...] que ele não respeita [descarte irregular de efluente doméstico]. Ele larga [...] esgoto de [...] banheiro dentro de uma sanga minha [...]. Então eu [...] fico muito preocupado com esse tipo de coisa!”

“[...] nós não temo problema [...] água da nossa lavoura é limpa. Não tem nada [de contaminação]. Não se conserva sujeira, não tem nada [de produto contaminante]!”

“Agora, esses cara aí que secam esses banhado aí, sabe? Isso aí é brabo, né? [...] Dimui a água. Eu tava vendo esses dia, lá em Santo Antônio do Prado... lá conhecia umas sanga lá, quando eu era criança. Tinha oito, nove ano... tinha uns lageadinhos assim, a gente ia lá pesca! Tinha jundiá embaixo das pedra. Hoje não tem mais nem água! Não tem mais, só tem as pedra! Secô! Dois lugar lá, dois rio lá que conhecia sanga lá, seco! A água está diminuindo mesmo!”

Elaborar um programa de orientação para o manuseio das sangas e controle de dejetos.

Entrega de embalagens de agrotóxico vazias

Pai e Filho

“Nós temo que leva lá! [entrega de embalagens de agrotóxico vazia na prefeitura] Uma vez por ano, tem um local em Sertão que eles recebe tudo direitinho, carrega no caminhão, vai lá, entrega.”

“Nós levemo [...]! Até eu tô achando que tem melhorado, porque até a pouco tempo era só a prefeitura! [...] Agora tem firmas, né, que estão fazendo.”

“[...] Eu carrego tudo em cima do caminhão e levo numa coisa de embalagem que tem pra cá do Lucas Pesca [local de referência do município]. Eles são só para embalagens. Daí tu tem que leva, furá e entrega ali e eles te dão uma nota. [...] Lá fora tu não acha embalagem!”

Cumprir as exigências da lei de logística reversa

Lei como forma de educação ambiental

Pai e Filho

“Mas eu acho que teria [outra forma de educação ambiental que não seja a lei], [...] mas ele [governo federal] não tem interesse! Eles podem até dita uma lei mas depois [...] não manda obedecê! Não manda os compincha dele lá obedecê! É tudo assim no Brasil! Tu não vê as corrupção que tem nesse país?”

Criticar o comportamento do governo federal quanto a criação e aplicabilidades das leis.

Produzir a partir da

área já cultivada Pai

“Eu podia ter desmatado muito aqui! [...] mas a visão da gente é produzir mais em cima da área cultivada [...].

correção do solo e produzir mais em cima da área que a gente planta.” Aluir negativa à lei.

(continuação)

Horta sem uso de agrotóxico

Pai e Filho

“Tudo, tudo! Até tenho uma horta grande lá, tô fazendo outra aqui.”

“Não [...] a gente não usa agrotóxico! [...] Tem tudo estufa! A gente tem outros produto casero [...], então a gente usa isso aí...[...]”

“Ah, não! Na horta não vai veneno não!”

Proteger a saúde da família

Favorável ao Novo

Código Florestal Pai

“Eu já li... é bom, né! [Código Florestal] Começaram a ajeitar agora [...] não se sabe ainda quanto a beirada [do rio] vai pegar, né? [...] Mas seria bom...”

Fazer referência a problemática da nova lei

Preocupação com o lixo doméstico

Pai e

Filho “Nós temo um buraco. De vez em quando enche aquele, tapa e abre outro. Não fica nada ao redor de casa.”

Realizar saneamento doméstico básico na propriedade rural

Preocupação com o uso excessivo de agrotóxico

Pai e Filho

“Agora, de uns ano pra cá, tá pior que antigamente, sabe? Precisa mais veneno! Tá criando mais bicho, sabe? E o soja adoece mais fácil. Entrou outro bichos ali! Terminou um, mas entrô otro! [...] Agora com esses veneno que tem aí, sabe, a gente aplica veneno e fica limpo que nem isso aqui [mostra o chão da casa]. Não tem! Mata tudo! Problema sabe o que que tem, também esses veneno aí? É que mata até os passarinho! Perdiz, mais um poco, você não acha mais na lavora! É que come o bichinho envenenado, né? E ela morre. Tá aparecendo outro bicho agora. [...] Quati. Lá fora tem um bando de quati! Nunca teve quati! Apareceu um bando de quati agora! Aquilo lá come tudo, sabe? [...] É, que nem lá fora tinha [...] avestruzes. [...] As vezes tinha trinta, quarenta lá na lavora! Desapareceu!”

Justificar o uso excessivo de agrotóxicos em detrimento do aumento de insetos nas lavouras.

O desmatamento, por exemplo, tem sua prática reduzida devido à imposição da lei. Os produtores rurais fazem menção à legislação ambiental como mecanismo de proteção e/ou de decisão sobre a prática ao mesmo tempo em que tecem críticas à má gestão política, a falta de fiscalização para fazer cumprir a legislação cujo sentimento de impunidade gera outro sentimento, o de injustiça por parte daqueles que a cumprem.

No discurso encontram-se presentes também sentimentos de discriminação das práticas exigidas pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul em relação aos demais estados da Federação. O “aqui” e o “lá” é utilizado para definir os espaços de discriminação das práticas, tendo em vista que o produtores rurais e seus familiares percebem que em outros estados continua o desmatamento. Apoiando-se em Gadotti (2003), a significação não é de uma atitude afetiva do praticante em relação à natureza e à preservação dos reucross naturais, mas, sim, de obrigação e descontentamento .

Essa ausência de atitudes de afeição anteriormente mencionada também é visualizada em outras ações representativas de consciência ambiental, como por exemplo: entrega de embalagens vazias de agrotóxico, atribuição da lei como forma de educação ambiental, preocupação com o lixo doméstico, horta sem uso de agrotóxico, quando favorável ao Novo Código Florestal, produzir a partir da área cultivada, entre outras práticas apresentadas no Quadro 6. Percebe-se, todavia, que a maioria das atitudes ambientais positivas no ambiente rural são realizadas para o cumprimento da legislação brasileira, cujo propósito é evitar/conter o avanço da degradação ambiental, como argumenta Bertolini e Possamai (2006) e Silveira (2012).

Outra prática, que chama atenção pela falta de atitude de afeição, é a maneira dos produtores rurais manejarem os agrotóxicos em suas propriedades. A horta tem como objetivo satisfazer as necessidades de consumo da família, sendo desprovida de agrotóxicos. Em contrapartida, as lavouras e outras hortas para produção agrícola são cultivadas com a utilização de agrotóxicos para controle de pragas e doenças. O produtor tem plena consciência do poder destruidor dos agrotóxicos, todavia suas atitudes em frente a esse problema, ainda está encoberta pelos seus ideais capitalistas de produção em grande escala para obter o maior lucro possível (NEUMANN; LOCH, 2002; SOTO, 2002; BOCHNER, 2007).

Por sua vez, na proteção das águas verifica-se nos discursos que há uma inquietação maior, tanto pela poluição que as atinge quanto por sua escassez. Há a presença de um sentimento amoroso entrelaçado com uma preocupação do seu desaparecimento, tendo em vista que a água é necessária para a sobrevivência de todos, assim como fonte de riqueza ambiental. O anseio pela preservação das águas geralmente está presente na comunidade na

qual o produtor rural faz parte, representando, portanto uma atitude de cognição (VYGOTSKY, 1987; OLIVEIRA; SOUZA-LIMA, 2006).

No processo de formação da consciência ambiental dos produtores rurais, as influências são transmitidas de forma cognitiva por meio de agentes influenciadores. Esses agentes determinam o comportamento dos produtores, influenciando sua conduta e as reproduzindo na comunidade no qual pertencem.

Assim, na construção do pensamento para atingir a maneira pelo qual os produtores rurais constroem a consciência ambiental, observa-se que a maioria das ações representativas de consciência ambiental estão vinculadas a esses agentes influenciadores, que determinam as suas futuras ações. O Quadro 7 destaca os principais agentes que foram apresentados nos discursos dos produtores rurais: Governo Federal, jornal regional, legislação brasileira, escola, Congresso Nacional e polícia ambiental.

Quadro 7 – Agentes que inflenciam a construção da consciência ambiental.

Discurso do produtor rural Fonte influenciadora Agentes Influenciador

“Veio o Collor de Mello nas área dos índio e ele falô, diz: óia, de agora em diante não se derruba nem um timbó mais aqui”.

Discurso do Presidente da República

Governo Federal “A Zero Hora da manhã [informou que] a presidente Dilma e o

Obama [presidente Estados Unidos] fizeram um acordo prá conservá mais mata [...]. Não deixa derrubá mais! Não vai ser fácil! Assim... prá arrumá licença [ambiental] agora.”

Reportagem da mídia regional

Jornal Regional

“O pessoal tá aceitando [cadastramento CAR], tá com uma aceitação bem boa já! [...] O pessoal tá condicente disso aí.”

Pessoas da comunidade rural no qual o

produtor rural faz parte

Legislação Brasileira “Ah, eu acho que é no colégio, né? No colégio, desde pequeno,

né! A criança vai educando e daí ele vai se conscientizando, né! [...] Mas acho que educando a criança, o adolescente... ele vai... a gente já nota, né, o pessoal [...] tá bem mais consciente dessa parte, uma vez era, mas hoje... hoje tu faz alguma coisa aí, alguém vê, eles te delatam e coisa. Eles tão mais consciente.”

Discurso dos

professores Escola

“Os deputados, político fazem a lei, aprovam a lei e o agricultor

tem que se adequar, porque senão não tem crédito nos banco”. Políticos

Congresso Nacional “Eu acho que seria multando. Porque tem certos produtor que não

aprende, né? Eu acho que seria a forma de multando para eles parar”.

Agente fiscalizador Polícia Ambiental Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

As atitudes dos produtores rurais estão entrelaçadas com os ideais proclamados por esses agentes influenciadores, que direcionam o pensamento daqueles na construção de uma consciência ambiental, tanto politicamente como pelo ensino educacional. Os produtores rurais realizam novas práticas ambientais no momento em que alguém, com poder de influência ou formador de opinião, como a mídia, chama a sua atenção para o problema. O estímulo recebido de tais agentes influenciadores, como sugerem vários autores (CARVALHO, 2001; NEUMANN; LOCH, 2002; LOUREIRO et al., 2009; LEFF, 2012), contribuem para que novos conhecimentos sobre preservação ambiental tornem-se práticas institucionalizadas em nível de consciência do produtor rural e assim tais conhecimentos se tornam práticas rotineiras nas ações.

Os discursos dos produtores rurais demonstram que as práticas ambientais carregam um grau de consciência ambiental, mas a suposta afeição requerida pelos teóricos para ter consciência ambiental efetiva só é produzida quando um dos agentes anteriormente mencionados estimulam a mudança de práticas. Para que ocorram as mudanças nas práticas, tais agentes precisam apontar objetivamente ao produtor rural que sua prática é uma ação negativa (“codenada”) ou danosa ao meio ambiente e que poderá provocar prejuízos, como já apontado nos estudos de Leff (2012).

O comportamento dos produtores rurais ainda é caracterizado como resposta às necessidades individuais, interagindo com o meio ambiente em razão do estímulo social que recebe. Em contrapartida, é visível no comportamento dos produtores rurais os conhecimentos de justiça e injustiça; aprovação e desaprovação de atos, bem como opinião; sinceridade e honradez, mencionados por muitos autores (FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES, 1994; TRIGUEIRO, 2005; COSTA, 2010; PRUDENTE JUNIOR et al., 2014).

A análise dos dados sobre o comportamento do produtor rural sobre as questões ambientais e até descritos revela que há consciência ambiental, pois ele reflete sobre os problemas ambientais. No entanto, sua consciência ambiental é limitada e nem sempre gera comportamentos positivos frente à crise ambiental, por consequência dos ideiais capitalistas serem muitos fortes nesse segmento social. Adotam-se práticas ambientais positivas somente quando esta não afeta a produção rural ou a propriedade rural (área de terra). Ainda, tais práticas podem ser adotadas pelo produtor rural quando forem viáveis economicamente.

Diante do exposto, argumenta-se em favor de ações públicas que provoquem mudança no comportamento dos produtores rurais, para que se construa comportamento ético socioambiental por meio do desenvolvimento rural almejado pelos princípios da agroecologia e pela racionalidade ambiental.

5.2 PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL ENTRE OS