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O ser humano, em seu transcurso do tempo, aproveitou-se dos recursos naturais disponíveis em abundância para sobreviver e alcançar êxitos econômicos sobre eles (GONÇALVES, 2000; LEFF, 2009). Em tempos primórdios, seres humanos divididos em tribos, andavam em busca de um melhor lugar que lhes ofertassem água e comida. Com o passar do tempo, com o conhecimento da agricultura, começaram a trocar suas sobras de produção (o chamado escambo) e gradativamente adquiriram conhecimentos de comércio

com a descoberta de metais preciosos como principal produto de troca, redirecionando seu pensamento para um viés econômico.

Essa exploração sem limites sustentada por uma falsa ideia de progresso da civilização moderna (LEFF, 1998; GADOTTI, 2003) trouxe consequências negativas em se tratando de qualidade de vida e possível escassez de recursos naturais (LEFF, 2012). Surge então a preocupação em preservação do meio ambiente para garantir uma recuperação da degradação gerada às futuras gerações e a forte corrente de continuarmos desenvolvendo sem agredir o meio ambiente (ROSA, 1998; BOFF, 2003 LEFF, 2012).

A crise ambiental põe em prova os paradigmas organicistas e a razão cartesiana que estavam por trás do modelo econômico constituído, que negava a natureza pela obtenção de lucros (LEFF, 1998). Entretanto, mesmo que buscasse um novo entendimento por uma consciência e um novo modelo de desenvolvimento desde a década de 1960, o meio ambiente e suas interfaces ainda não fazem parte de um rol de estratégias nos principais países (LEFF, 2009). Há um viés capitalista na governança mundial (LEFF, 2009) e, tentar gerar consciência ambiental entre aqueles que usam os recursos naturais em abundância (produtores rurais, por exemplo), em todas as classes sociais e em todas as sociedades, pode ser uma estratégia de ação de longo prazo em prol do real desenvolvimento com sustentabilidade. Tais propostas de ação, no entanto, precisam desvelar a dicotomia entre percepção e consciência, já discutida nesta dissertação.

De acordo com Fernandes, Luft e Guimarães (1994), a percepção implica “compreender; entender; adquirir conhecimento de; por meio dos sentidos; ver ao longe; divisar; ouvir: não percebi o que disseste; receber (ordenados, honorários); deixar perceber: dá a entender”. E, consciência é uma palavra que contempla percepção, mas ganha relevância por implicar julgamento. Nas palavras do autor, consciência é:

conhecimento ou percepção do que se passa em nós; faculdade, que tem a razão, de julgar os próprios atos; voz secreta da alma; que aprova ou desaprova nossos atos; sinceridade; probidade; honradez; escrúpulo: é um comerciante sem consciência; justiça; retidão; conhecimento; cuidado; esmero; opinião; fato que causa remorso; injustiça; caso de consciência: dificuldade de resolver acerca do que a religião autoriza ou proíbe; escrúpulo em fazer determinada coisa; com a mão na consciência: com toda a verdade e justiça; em consciência: na verdade, francamente; ter a consciência elástica: ser pouco escrupuloso; liberdade de consciência: liberdade de cultos (p. 171).

Segundo Costa (2010), consciência é uma palavra derivada do latim conscientia e seu significado remete a uma relação intrínseca do ser humano, que o permite conhecer de modo imediato e julgar de forma segura. Para Prudente Junior et al. (2014), a consciência ambiental

“se dá na exata proporção em que percebemos o meio ambiente como algo que começa dentro de nós, alcançando tudo o que nos cerca e as relações que estabelecemos com o universo”.

Com as contribuições de Foladori (2005), entende-se a complexidade instalada no campo da consciência ambiental. A consciência ambiental é construída socialmente e, portanto, a crise ambiental instalada é consequência de uma sociedade capitalista que gera poluição e degradação ambiental em virtude de seus ideais (FOLADORI, 2005).

A análise do período histórico transcorrido desde a Rio-927 e da Rio+208 revela que a consciência ambiental aumentou de forma significativa mas, contraditoriamente, a degradação ambiental não diminuiu, muito pelo contrário. Para Accioly e Sánchez (2012), isso revela a “incapacidade da consciência ambiental” por si só fazer frente à problemática ambiental no Brasil. O mesmo autor esclarece ainda que há um estranho processo político que atua nas questões ambientais. O meio ambiente só é defendido quando for economicamente viável, caso contrário, o que predomina é o discurso anti-ecologismo, mesmo que isso gera comprometimento da marca de grandes empresas9.

Por essa falta de capacidade política de gerir ambientalmente, o país vem emergindo no decorrer dos anos grupos na sociedade civil organizada10, impulsionando através das organizações não-governamentais (ONGs) a pulverização de uma consciência e de uma educação ambiental por meio de práticas sociais (CARVALHO, 2001). O mesmo autor destaca que os educadores ambientais enquadram-se nesse cenário, sendo a educação ambiental uma manifestação educativa do sujeito ecológico. Cenário que também se apresenta nas políticas públicas e legislações de educação ambiental, nas quais “a presença dos organismos e instituições governamentais de meio ambiente é maior e mais antiga do que as instâncias institucionais de educação” (CARVALHO, 2001).

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Rio 92: Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, no qual foram assinados acordos ambientais em nível mundial, dentre eles as Convenções do Clima e da Biodiversidade, a Agenda 21, a Declaração do Rio para Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Declaração de Princípios para as Florestas (CORDANI et al., 1997).

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Rio+20: Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, ocorrida em julho de 2012. O tema discutido foi a Governança Ambiental Internacional, em que pretendeu-se fortalecê-la com a participação de países emergentes (RIBEIRO, 2012).

9 Algumas políticas públicas induzem a construção da consciência ambiental, bem como limitam as ações anti-

ecológicas das grandes empresas. Entre outras, destaca-se a proibição de outdoors de agroquímicos às margens das rodovias no território brasileiro. Também há ações simbólicas de algumas grandes empresas na comercialização de seus produtos, como é o caso do Dimecron® que é um placebo, induzindo o comprador do produto a acreditar em uma ação eficaz da equipe de marketing da empresa fabricante.

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Entende-se como sociedade civil organizada aquela que não parte do Estado e também, desvinculada à este, dedicadas à causas e problemas de ordem social, não objetivando lucro no atendimento das necessidades sociais (TENÓRIO, 2001).

Loureiro et al. (2009) entendem que, para uma educação ambiental crítica deve-se ter uma teoria crítica de interpretação da realidade social. Para essa interpretação, deve-se utilizar o método materialista histórico-dialético de Karl Marx, como método de interpretação da realidade, visão de mundo e práxis. Assim descrevem os referidos autores:

O caráter material do método diz respeito à organização da sociedade para a produção e reprodução da vida e o caráter histórico busca compreender como se organizou a sociedade através da história, isto é, procura desvendar, para interpretação da realidade, as formas históricas das relações sociais estabelecidas pela humanidade (LOUREIRO et al., 2009, p. 86).

Instigante aqui salientar o entendimento de Gonçalves (2000) sobre o comportamento do homem, tendo como base a etologia11, que coloca a vida em sociedade como característica dos organismos vivos. O ser humano, afirma o referido autor, é um ser social, mas isso não o diferencia dos demais seres vivos, tendo em vista que eles já vivem em sociedade. E ainda, que isso também não significa que àquele não seja social, mas que o é por ser um animal.

E como ser social, seres humanos expressam e constroem sua consciência por atitudes direcionadas a afeição, cognição e comportamento. Para melhor compreendê-las e direcionar o estudo de construção da consciência ambiental dos produtores rurais, faz-se necessário apresentar seus conceitos, como assim os seguem.

Por afeição entende-se o sentimento amoroso e de afeto, neste caso, ao meio ambiente. Na compreensão da filosofia, afeto é o que“designa todo estado, condição ou qualidade que consiste em sofrer uma ação sendo influenciado ou modificado por ela" (ABBAGNO, 2000). E, nas palavras de Correa (2005, p. 61), afeto, em seu senso comum, é representado por:

emoções positivas que se referem a pessoas e que não têm o caráter dominantemente totalitário da paixão. Enquanto as emoções podem se referir a pessoas e coisas, os afetos são emoções que acompanham algumas relações interpessoais, das quais fica excluída a dominação pela paixão. Daí a temporalidade indicada pelo adjetivo afetuoso que traduz atitudes como a bondade, a benevolência, a inclinação, a devoção, a proteção, o apego, a gratidão, a ternura, etc.

Enquanto a cognição, no entendimento de Vygotsky (1987), advém de um conhecimento adquirido que pode ser internalizado no sujeito através da ação influenciadora do ambiente no qual faz parte. Por fim, entende-se por comportamento o conjunto de funções que promovem a interação do organismo com o ambiente (SKINNER, 1984), conforme o estímulo social ou necessidade íntima, nesse caso auferida pelo produtor rural. Diante do exposto, a consciência ambiental está ligada à compreensão de mundo que faz os seres humanos responsáveis por atitudes e pensamentos sobre um cenário de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a natureza, ou seja, de desenvolvimento sustentável. A

consciência ambiental está intimamente ligada às questões éticas, à noção de justiça. Portanto, os instrumentos direcionados à gestão ambiental devem ser democráticos visando ao conceito de sustentabilidade.

Leff (2012, p. 107) chama a atenção para o fato de que:

a racionalidade ambiental não é a expressão de uma lógica, mas o efeito de um conjunto de interesses e de práticas sociais que articulam ordens materiais diversas que dão sentido e organizam processos sociais através de certas regras, meios e fins socialmente construídos. Estes processos especificam o campo das contradições e relações entre lógica do capital e as leis biológicas; entre a dinâmica dos processos ecológicos e as transformações dos sistemas socioambientais.

O comportamento do ser humano pode ser alterado através da conscientização ambiental, trazendo resultados positivos ao meio ambiente (BERTOLINI; POSSAMAI, 2006), por reconhecer a parcela de responsabilidade sobre os problemas ambientais e desejar encontrar soluções. Isso é ser consciente ecologicamente.

Nesse sentido, a consciência ambiental pode ser medida em uma escala. Para Bedante (2004), uma escala eficaz de medir o grau de consciência ambiental de um grupo de entrevistados é a environmental concern (EC), que foi proposta por Straughan e Roberts em 1996. Ela contempla variáveis que indicam o perfil dos sujeitos pesquisados, o que permite segmentá-los em grupos, como características psicográficas e demográficas de um comportamento ambiental (LAGES; VARGAS NETO, 2002). A escala possui trinta variáveis operacionalizadas numa escala Likert de cinco pontos.

Destaca-se, portanto, o quão complexo é a inserção de uma consciência ambiental, tanto em nível regional, quanto mundial. “Um planeta vivo requer de nós uma consciência e uma cidadania planetárias, isto é, reconhecermos que somos parte da Terra e que podemos viver com ela em harmonia” (GADOTTI, 2003, p. 64). Mesmo tendo uma percepção ambiental, não tem-consciência ambiental capaz de transformar as atitudes das pessoas na sociedade, para um viés ambiental-econômico modificador do sistema econômico capitalista existente.

3 METODOLOGIA

Neste Capítulo são apresentados os procedimentos metodológicos adotados na investigação empírica, iniciando-se pela classificação e delineamento da pesquisa e, na sequência, definindo o objeto de estudo, descrevendo as etapas dos processos de coleta e interpretação dos dados.