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As práticas ambientais no ambiente rural tornam-se questionáveis à medida que avança-se no conceito de desenvolvimento territorial sustentável, principalmente se alinha-se com os estudos para uma agricultura de cunho sustentável. Nesta perspectiva, estudos tanto brasileiros como internacionais defendem o posicionamento de que é a agricultura familiar o principal ator social que “tem as condições de realizar a passagem para um modelo de desenvolvimento sustentável” (SOTO, 2002), tanto por suas características produtivas quanto pelo seu relacionamento com a natureza.

O Brasil possui um modelo de desenvolvimento da agricultura direcionado em altas taxas de produtividade, que está sendo utilizado desde a década de 40 (GÓMEZ; TRUJILLO; DÍAS, 2013). Essas práticas utilizam-se de maquinário agrícola, sementes híbridas e transgênicas, agrotóxicos, herbicidas e pesticidas, e da biotecnologia. Apesar de passadas mais de sete décadas, somente na década passada vêm despertando a governança global e na sociedade, os impactos ambientais gerados por esse modelo de desenvolvimento: “destruição dos solos e florestas, contaminação do ar, rios e mares. Soma-se ainda os problemas de saúde provocados pela intoxicação [...] devido ao uso de agrotóxicos” (SOTO, 2002).

Na mesma visão, Gliessman (2001) já argumentava sobre as consequências do aumento da produção agrícola em detrimento da expansão da área de produção e de consequente produtividade, em virtude da crescente aumento populacional no planeta. Gliessman (2001) alerta que ainda se tem a alternativa de preservar a produtividade do território mundial ainda cultivável, ao mesmo tempo que se mudam:

os padrões de consumo e de uso dela para beneficiar a todos, tanto produtores quanto consumidores, de forma mais equitativa. A preservação da produtividade da terra agrícola, a longo prazo, requer a produção sustentável de alimentos. A sustentabilidade é alcançada através de práticas agrícolas alternativas, orientadas pelo conhecimento em profundidade dos processos ecológicos que ocorrem nas áreas produtivas e nos contextos mais amplos dos quais elas fazem parte (p. 52). Nesse cenário surge uma nova corrente do pensamento, a da agroecologia. A respeito, Carvajal (2011) explica que a agroecologia é:

uma ciência multidisciplinar para enfrentar os problemas causados pela

pseudoagricultura (grifo nosso), e os conceitos de desenvolvimento econômico

aplicados a este sistema de produção, iniciando uma construção dos referenciais conceituais, integrados em definições desde a sociologia, a antropologia, a agronomia, a ecologia e a política (p. 128). (tradução nossa)

Rosa (1998), nessa mesma perspectiva, a classifica como uma nova ética socioambiental. A agroecologia, portanto, resgata a identidade do agricultor familiar, promovendo assim qualidade de vida por meio do baixo impacto ambiental que gera (AZEVEDO; PELICIONI, 2012), devido à aplicação dos princípios e métodos ecológicos.

A agroecologia em propriedades rurais é fundamentada em objetivos, que são compreendidos como: a promoção do desenvolvimento rural, dando destaque aos aspectos agrícolas, ambiental e social; o desenvolvimento das atividades agrícolas ecologicamente sustentáveis, econômica e culturalmente aceitas e harmonizar a natureza com a produção agrícola, colocando o produtor rural como sujeito fundamental dessa relação” (ROSA, 1998). Contudo, percebe-se que para que a agroecologia se torne uma prática da produção agrícola se faz necessária uma ruptura na atual cultura inserida na sociedade, cultura essa entendida como a da alta produtividade, não importando o quão degrade o meio ambiente. Importante desmistificar qualquer cenário de ruptura, de empobrecimento, para que se possa tirar o produtor rural de uma zona de percepção ambiental para uma consciência ambiental, proveniente de uma racionalidade ambiental proposta por Leff (2009).

Em paralelo a essas atitudes voltadas à agroecologia é regulamentado, em 2012, no Brasil, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), por meio da Lei 12.651, tornando obrigatória a inscrição de todo e qualquer imóvel rural brasileiro, seja ele de propriedade ou de posse, público ou privado (SICAR, 2015). Seu objetivo, declarado no art. 1º, parágrafo único, é o desenvolvimento sustentável.

Com vistas a aproximar o produtor rural da operacionalidade do CAR, o Governo Federal criou o portal eletrônico, o qual permite efetuar:

um registro eletrônico, obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por finalidade integrar as informações ambientais referentes à situação das Áreas de Preservação Permanente – APP, das áreas de Reserva Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país. Criado pela Lei 12.651/2012 no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA), o CAR se constitui em base de dados estratégica para o controle, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas e demais formas de vegetação nativa do Brasil, bem como para planejamento ambiental e econômico dos imóveis rurais. Na proposta governamental, chama a atenção o slogam definido para a campanha: “Mais Consciência Ambiental. Bom para todos: produtor e sociedade” (SEMA, 2015). Em portais eletrônicos direcionados aos produtores rurais, como o Canal do Produtor, há textos informativos sobre o CAR e as vantagens que o produtor rural terá ao realizá-lo, como descrito a seguir:

O CAR facilitará a vida do proprietário rural na obtenção de licenças ambientais, pois a comprovação da regularidade da propriedade acontecerá por meio da inscrição e aprovação do CAR e o cumprimento no disposto no Plano de Regularização Ambiental, que será em breve instituído pelo Estado. Com isso, não haverá mais a necessidade de procedimentos anteriormente obrigatórios, como a averbação em matrícula de Reservas Legais no interior das propriedades. Todo o procedimento para essa regularização poderá ser feito online (CANAL DO PRODUTOR, 2015).

O CAR está sendo direcionado ao produtor rural como uma atitude política positiva do governo, procurando regularizar, fiscalizar e controlar futuras ameaças ao meio ambiente, mas também, ao mesmo tempo, trazer benefícios àqueles que necessitam. Todavia, muitos vezes produtores rurais relatam angústias e incertezas quanto a aplicação do cadastro, com medo de serem prejudicados. Isso talvez, porque a legislação ambiental brasileira acaba por confundir o meio rural com a agricultura (NEUMANN; LOCH, 2002), pois o rural não é apenas a área ocupada para a produção agropecuária, mas também de turismo, lazer, indústria, etc.

Nas palavras de Silva (1999), citado por Neumann e Loch (2002, p. 244):

A legislação ambiental brasileira está construída na concepção do espaço rural associado e confundido com a atividade agrícola. Entretanto, as transformações do espaço agrário contemporâneo têm se caracterizado pelo transbordamento do urbano sobre o rural. O resultado de tal processo é a radical diferenciação da população, sendo cada vez maior o número de pessoas ocupadas em atividades não-agrícolas. Assim, a tradicional vinculação mecânica entre o rural e a atividade agrícola torna-se pouco esclarecedora.

Carvajal (2011) argumenta que não se tem como descartar que a evolução humana se deu pela descoberta de técnicas agrícolas que caminharam junto com o desenvolvimento da humanidade. Entretanto é necessário nova abordagem da agricultura e do desenvolvimento agrícola com uma visão sustentável, como discutiu Silva (1993), para que se possa dar conta de atender as necessidades ambientais de controle e preservação, mas também que produza o quão suficiente para alimentar a população que está em um crescimento acelerado.