• Nenhum resultado encontrado

Nos discursos dos produtores rurais, embora reconheçam a importância da legislação, nota-se que em sua maioria, ainda estão alienados quanto a algumas práticas que entendem como algo fora do conceito de preservação, mas necessárias para a produtividade da lavoura. A legislação é vista como um instrumento de comando e controle (o que de certa forma o é realmente) e de manipulação do poder público, mas também como uma ameaça para o ganho em produtividade e detentor de injustiças, pois no olhar do produtor, estaria diminuindo sua área de cultivo e sua autonomia perante sua propriedade rural.

Ah, eu acho que teria [...] outros meios desde que o governo valorize a produção de alimentos no país, né! Com meios diferente. Que a pessoa que tem 20% da preservação do mato, de árvore, de mata nativa, eu acho que não deveria tirar a bera de sanga que ele tá plantando. Desde que ele tem os 20%! Eu acho que ele tá dentro da lei. E assim, a área que não é muito grande, o cara já vai perdê [...] dependendo da metragem da saga, o cara vai perdê de produzi! E outra coisa, o cara já fez empréstimo no banco contando com essa área de plantio, pra ter a produção pra pagá os empréstimo, e daí vai diminuindo... (E2P)

Ah, pra todo mundo! [resposta do agricultor ao Novo Código Florestal, se a lei dificultou ou não a produção] Principalmente os pequenos agricultores. Os pequenos geralmente eles tem nascente nas propriedade. Tudo em cima de dez, quinze, vinte hectare pode ter até duas, três nascentes... e daí? Como é que ele vai ter o bichinho, aonde ele se instalô com as coisa dele, por exemplo: a vaca de leite, o leitão, alguma coisa... vai ter que tirá tudo de lá! Então custo, hoje é tudo custo... alto! [...] Eu vejo que muitos vão desistir, muitos vão parar! E vai continuar maior o êxodo rural do que há trinta anos atrás. (E2P)

Aí depende o que que vão fazê, né? Porque tem gente que planta sempre perto da sanga, sabe? Nós não vamo diminuí, porque nós temo mato, sabe? Até um lageadinho que corre ali [...] foi respeitado o mato. E tem [...] outros mato [...] 20% guardei [de reserva ambiental legal] de lavoura. Na nossa lavoura não tem banhado. Agora... esses cara aí que secam esses banhado aí, sabe? Isso aí é brabo, né? Dimui a água. Eu tava vendo esses dia, lá em Santo Antônio Prado; lá conhecia umas sanga lá quando eu era criança. Tinha oito, nove ano. Tinha uns lageadinhos assim, a gente ia lá pesca, tinha jundiá embaixo das pedra. Hoje não tem mais nem água! Não tem mais, só tem as pedra! Secô! Dois lugar lá, dois rio lá que conhecia sanga lá, seco! A água está diminuindo mesmo! (E3P)

Acho que essa lei é boa, mas as vezes eu concordo... eu acho que devia fazer uma pesquisa com o agricultor pra saber realmente o que que é importante. Porque tem coisas nessa lei aí, são coisas absurdas, né? Penso eu. [...] Muita gente falando a respeito disso. A lei ela é eficaz! Ela é boa, mas o governante, ele tem que ouvir o produtor, sabe! A opinião do produtor. Muita coisa não é cabível! Claro, todo mundo, não só para o produtor, todo mundo tem que respeitar o meio ambiente, porque senão nós vamo pará onde? Só que na verdade, o problema maior ainda tá nas indústrias, né? Nas cidades. (E3F)

A legislação brasileira em contrapartida, é vista como única maneira viável de educação ambiental utilizada pelo governo. É extremamente reconhecida a importância da educação via âmbito escolar, todavia esta é observada como não tão eficaz para prevenir que novos danos ambientais surjam.

Mas acho que teria [...] mas ele não tem interesse! [...] Eles podem até ditá uma lei mas depois eles [...] não manda obedecê! Não manda os compicha dele lá obedecê! É tudo assim no Brasil! Tu não vê as corrupção que tem nesse país? (E1P)

Ah, eu acho que é no colégio, né? No colégio, desde pequeno a criança vai educando e daí ele vai se conscientizando. E depois, é claro, o governo na base da lei, daí o cara é obrigado. (E1F)

E lei sem fiscalização também não adianta! Se ele põe lá no Planalto [Congresso Nacional] as lei e não vem fiscalizá e manda técnicos pra orientá e fiscalizá [...] muita gente do interior que não consegue! E nem sabe que existe lei, porque não tem acesso, não tem orientação. Quem tem que orientá são as prefeituras, governos e os sindicatos! Porque senão o povo fica à parte! (E6M)

Acho que as duas coisas, mas tem que ter orientação, capacitação e depois a questão da legislação, né! Porque senão o pessoal não vai cumprir! [...] Mas eu acredito que ainda precisaríamos evolui mais, principalmente nestão questão do lixo, né? A questão do lixo... é ainda muito difícil, porque aqui no nosso interior, não há recolhimento de lixo. Então, muitas vezes se criou campanhas, a própria Secretaria da Agricultura, o Meio Ambiente... criou a campanha, incentivou o agricultor a guardar as sacas de... sacarias, embalagens e tal... menos os agrotóxicos, porque as próprias empresas fumageiras já fazem isso bastante, porque elas tem uma certa obrigatoriedade, mas depois... fazia isso uma vez, daí o agricultor continuava guardando, mas daí ninguém recolhia. Daí eles acabavam tendo um estoque grande no galpão, ficava lá e daí eles acabavam fazendo o que? Botaram num monte e tacaram fogo! Porque não tinha quem vinha recolhê, né! Então... até tem uma empresa aqui hoje, que às vezes ele passa assim, dependendo da titulação ele passa pra recolhê. Então o pessoal acaba cedendo essas coisas assim que ele tem interesse. Mas ainda é muito fraco. Porque as pessoas guarda e depois não tem quem recolha! (E7F )

Pequenos agricultores sentem-se menosprezados pela governo federal, alegando “falta de atenção pela ausência de incentivo à agricultura. Alguns discursos de produtores enfatizam o Novo Código Florestal (BRASIL, 2012) e o CAR como ferramentas que não foram apresentadas para ajudar a preservação do meio ambiente, mas como um mecanismo para arrecadação de impostos e geração de “mais dinheiro aos cofres públicos”. Assim sentem-se os “mais prejudicados”, por serem proprietários de pequenas extensões de terra e “esse pouco, com reserva exigida pelo governo, sobra pouca terra para o cultivo” de subsitência. Nos discursos empregados:

O primeiro passo é que todo mundo vai ter que puxá dinheiro do bolso, que é um custo alto. Poucas pessoas pra fazê. É o que a gente vê por aí, porque a gente tem procurado e tá trazendo dificuldade para o agricultor. Tá trazendo dificuldade, porque boa coisa não vem! Quem sabe futuramente vamos ter mais imposto em cima disso, e daí? Como é que fica nossa situação? Cada vez o lucro é menor! Cada vez a agricultura num arroxo que é assim, pra dizer em poucas palavras, até desestimulante. É desestimulante e não tem mais aquela expectativa do cara trabalhá, plantá, cuidá, colhê. O agricultor tá perdendo isso aí! Tá perdendo, tá perdendo [...].Agora o aumento de juro, esse mercado que sobe e desce todo dia aí...

Tá difícil! Tá difícil! Custo de máquinas agrícolas altíssimo! Sementes, custo muito alto, produtos, insumos... em tudo! (E2P)

Aquela bera do rio ali, eu acho que não foi muito certo, né? Porque a gente já tem poca tera e daí tirá aqueles trinta metros pra fica lá inválido? Trinta metros que ficaram fora e pra nois ficô o que? Mato! Daí essa terra faz falta pra gente, né! Pra plantação, e tá ali inválido! E o rio tem uma margem grande assim de mato. Com quinze metro acho que seria suficiente! Daí quiseram trinta metro. Tivemo que puxá mais pra cima na roça, daí! Foi feito a cerca, tá ali tudo a cerca, tudo! Pra nós prejudico, porque a gente podia tirá mais produto daquele pedaço, né! (E6M)

É... eu acho que foi importante, né? O detalhe é que quem deveria cumprir a lei é os grandes produtores, né! Na verdade, algumas coisas pra pequena propriedade, no início, tava meio complicado, né? Agora com essas adequações eu acredito que não que era consolidada... as consolidadas permaneceram, porque se fosse olhar aqui na nossa região, nós teríamos muito problema [muito morro]. A própria Serra Gaúcha ia ser um problema, né? E... mas agora com isso, com aquelas áreas consolidadas, eu acredito que vem... porque na verdade a pequena propriedade ela faz, ela conserva, ela cuida do meio ambiente, né! Os grandes é que estão [desmatando]... o problema é na Amazônia, lá naquela região. Esse é que é o detalhe, né! (E7F)

Com exceção da Entrevista 5 realizada, todos os demais produtores rurais alegam que a Prefeitura não é atuante quanto à fiscalização ambiental nas propriedades rurais nem mesmo quanto a uma educação ambiental no campo de forma eficiente. Parte das Prefeituras realizam políticas educativas e de incentivo às práticas ambientais adequadas, entretanto acabam por não cumprir as exigências que obrigam e nem mesmo fiscalizam as propriedades rurais. Assim discursam os produtores:

Nunca foram lá uma vez! Nunca foram lá uma vez! Dizer o que é certo, o que é errado, dizer alguma coisa. Nunca foram uma vez! E não vão em parte nenhuma! Nenhum fazem nada! [...] Não vão lá fora, dizer assim: aqui tá certo, tá errado. Podem lá como agrônomo, tal , isso e aquilo... mas o pessoal da prefeitura não vão. (E3P)

(suspira) Nada! Até hoje, nada! (E2P)

[o avô dá uma risada] Não. Não vem ninguém da prefeitura. Só eles vem... a prefeitura dá o caminhão pra eles fazê a coleta dos vasilhame vazio, né! Colabora ali, mas daí acho... da prefeitura não aparece ninguém. [interferência do avô: “o meio ambiente é o sindicato”]. O sindicato que orienta [sobre meio ambiente]. Sábado eles tem um programa, daí ele fala bastante sobre o meio ambiente, pelo rádio! (E6M)

Quanto à questão dos agrotóxicos, os informantes relatam que estão cientes da toxidade do produto, no entanto não o descartam da produção e o eliminam apenas da horta que produzem na sua propriedade para o consumo da sua família. Um produtor rural assim discursa: “Não, não... a gente não usa agrotóxico! [...] Tem tudo estufa! [...] Só para a lavoura! Só para a lavoura” (E2P). A consciência do perigo à saúde por consequência do uso

excessivo de agrotóxico é nessa fala, porém tal consciência não é manifestada quando pensa em sua produção agrícola.

Um discurso que chama à atenção é o que carrega consigo a visão protecionista de cunho regional. Os produtores rurais acreditam que o estado do Rio Grande do Sul, onde

residem, estaria em um grau de consciência ambiental muito mais elevado que outros estados brasileiros. Para eles, o Rio Grande do Sul caracteriza-se por um estado em que não há mais desmatamentos, ao contrário do estado do Mato Grosso do Sul e região norte do país, por exemplo, que segundo eles, ainda desmatam para aumentar a terra produtiva e não realizam todas as exigências que a lei assim obriga. Muitas vezes compram áreas de mato longe de sua propriedade e registram como reserva legal de mata nativa da sua propriedade. Os discursos assim são sustentados:

Tu sabe que, aqui dentro do Rio Grande do Sul, nós temo mais mato que na Amazônia? Lá na Amazônia tão derrubando tudo. Aqui no Rio Grande do Sul faiz [...] quinze ano que não deixam derrubá nem um pinheirinho, não deixa derrubá nada! E lá tão derrubando tudo e o governo fechando o olho. (E1P)

Hoje o pessoal aqui na nossa região, aqui no sul, o pessoal não desmata, né! É diferente de lá pro norte! Lá, eles vão lé e abrem lavora! Aqui não... aqui não existe mais isso! Ninguém mais faiz esse tipo de coisa. (E2P)

Com base nos discursos analisados, observa-se que o produtor rural possui um discurso voltado à sua proteção, tanto familiar como de sua propriedade e de sua produtividade, demonstrando estar usando a racionalidade instrumental nas suas falas e ações. Ainda se sentem prejudicados pelo goveno em todas as suas esferas pela falta de apoio aos produtores, falta de incentivo à agricultura e pela cobrança de exigências impostas que, na visão deles, gera discriminação e injustiças no campo.

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo será realizada a discussão dos dados coletados a partir dos discursos e práticas apresentadas pelos produtores rurais em duas partes complementares. Inicialmente se abordam as atitudes ambientais dos produtores rurais em sua propriedade para que em segunda análise construa-se o processo de caracterização da consciência ambiental dos produtores rurais.