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Atividade Providencial Indireta

No documento Tratado de Teologia Adventista (páginas 161-184)

Fernando L Canale

D. Presença Histórica

1. Atividade Providencial Indireta

Conforme apresentada na Escritura, a modalidade indireta de atividade provi­ dencial divina inclui os seguintes mode­ los: (1) Deus decide permitir que o pecado siga seu curso natural tanto no nível geral da história humana (Gn 3:S-15) como tam­ bém nas situações históricas mais especí­ ficas (SI 81:12, 13; Mt 19:8; At 14:16; Rm 1:24, 26, 28); (2) em determinada situação, Deus restringe efetivamente a extensão real da maldade (Jó 1:12; SI 124:1-3; lCo 10:13; cf. At 17:26); (3) Deus é capaz de utilizar

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situações causadas por atos humanos maus para atingir Seu propósito de salvação (Gn 50:20; At 2:36); (4) às vezes, Deus intervém para impedir um ser humano de pecar (Gn 20:6; SI 19:13; Jd 24), Na linguagem teoló­ gica esses modelos de atividade providen­ cial divina são conhecidos, respectivamente, como vontade divina permissiva, limitativa, diretiva e preventiva.

De acordo com a Escritura, Deus não con­ trola a história humana no sentido de dese­ jar e executar tudo quanto acontece. O mais acertado seria dizer que Deus está envolvido pessoalmente em guiar a história humana em direção ao fim que se propôs (predestinou): "de fazer convergir nEIe [...] todas as coisas, tanto as do Céu, como as da Terra” (Ef 1:10). Visto que a natureza humana, conforme idealizada por Deus, inclui a característica essencial de liberdade ou autodeterminação, Deus não força nem controla os seres huma­ nos, muito menos todo o âmbito da história. Já que a força é incompatível não só com a liberdade mas também com o amor, a inten­ ção de Deus na história, que é atrair volunta­ riamente a Ele todos os seres humanos, não pode ser realizada forçando-se ou ignorando- se a liberdade humana. Ao envolver-Se com a história humana, Deus realiza a salvação em vários níveis: no individual, no social e no cós­ mico. Os resultados não são predeterminados. Mas isso não nos deixa na incerteza quanto ao resultado futuro do término da história.

Apresciência de Deus é a base para a cer­ teza quanto ao futuro. Isso, porém, não eli­ mina da tarefa divina da providência coisas como o risco, o envolvimento e até mesmo o sofrimento. A presciência de Deus não rea­ liza o futuro; apenas o prevê. Sem o ensino bíblico sobre a realidade da presciência divina, tanto Deus como os crentes viveríam na incerteza quanto ao futuro. No entanto, os conteúdos da legítima e garantida presciên­ cia divina se tornarão realidade mediante o envolvimento e a orientação pessoal de Deus

na história humana (cf. Jo 1:17). Segundo a Escritura, Deus guia a história humana pes­ soalmente, de dentro do fluxo das realidades humanas com todas as suas complexidades, e não do Céu, por meio de decretos eternos e irresistíveis.

2. Atividade Providencial Direta

A Escritura mostra claramente a orien­ tação providencial e direta de Deus quando escolhe habitar com Seu povo, viver entre eles e dirigi-los (Êx 3:1-14; 25:8; 40:34- 38). Apresenta a encarnação como uma continuação do modelo direto de orienta­ ção providencial divina na história humana (Jo 1:14). Depois da ascensão de Cristo, esse modelo de providência divina se centrali­ zou na presença e obra do representante de Cristo, a saber, o Espírito Santo. As interven­ ções diretas de Deus na orientação da histó­ ria humana também incluem a revelação de Sua vontade por meio dos profetas, dos atos miraculosos e da missão da igreja. Por último, a intervenção providencial direta de Deus incluí Sua “obra estranha”, a ira divina, tanto na história humana em toda a sua extensão, como na erradicação escatológica do pecado do Universo (ver III.C).

A providência divina utiliza todas as maneiras conhecidas, diretas e indiretas, de atividade divina; as reveladas na Escritura e provavelmente muitas outras, sobre as quais não temos qualquer ideia. A dinâ­ mica orientadora da providência divina é um processo educativo, no qual os conteú­ dos são a revelação da vontade de Deus na Escritura; o professor é Cristo, mediante o Espírito Santo; e os estudantes são todos os seres humanos. O objetivo desse processo é transformar o entendimento de seres huma­ nos livres, possibilitando-lhes compreender e escolher livremente a vontade revelada de Deus, E desse modo que os crentes pas­ sam a ter “a mente de Cristo” (lCo 2:16; cf. Fp 2:5; IPe 4:1; 2Pe 1:4). Quando ocorre 136

DOUTRINA DE DEUS essa transformação, que envolve direta­

mente a justificação e a santificação, a his­ tória humana se desenvolve livremente segundo a vontade de Deus. Por causa da inteligente e voluntária submissão do crente à lei e à vontade de Deus, nenhum controle é necessário. Quando essa comunidade de discípulos (Israel nos tempos do AT e a igreja nos tempos do NT) toma forma, acaba se tornando um instrumento no mesmo pro­ cesso que a trouxe à existência. A realização desse propósito é a missão da igreja e sua razão de existir como entidade corporativa.

A realização dos propósitos de Deus abrange mais do que essa atividade central, universal, direta e indireta, persuasiva e edu­ cativa. Abrange uma obra de juízo (ver Juízo II-IV) e a manifestação final da ira divina. Embora o juízo seja uma obra estranha a um Deus de amor e misericórdia (Is 28:21), ainda assim é parte integrante do governo de Deus, ordenado somente contra aqueles V.

que voluntária e obstinadamente rejeitam o projeto de Deus para a vida e a história humana, A realização definitiva do propó­ sito de Deus exige, portanto, a destruição daqueles “que destroem a Terra” (Ap I1:1S). Essa não é uma obra de governo, mas de retribuição pela destruição e pelo sofrimento causados por aqueles que obstinadamente rejeitam a lei de Deus e as providências da salvação em Jesus Cristo, Essa retribuição, que também inclui a destruição do origina- dor do pecado (Ml 4:1; Ap 20:10), é necessá­ ria para que se criem “novo céu e nova terra” (Ap 21:1) e para que se erradique definitiva­ mente o mal do Universo (Na 1:9).

Por meio dos livros históricos e proféti­ cos, a Escritura apresenta detalhada reflexão sobre as múltiplas formas pelas quais Deus Se envolveu, Se envolve e Se envolverá na obra providencial de salvação, guiando pessoal­ mente todo ser humano receptivo a alcançar a salvação presente e futura em Jesus Cristo. V. Unicidade de Deus

Não há na Bíblia um lugar específico em que se examine toda a doutrina de Deus. A teologia propriamente dita é desenvolvida seguindo-se o relato histórico das interven­ ções e revelações pessoais de Deus no texto sagrado. À doutrina da Trindade, que é o cen­ tro da doutrina de Deus em particular e da teologia cristã em geral, não constitui exceção. Mas quando Deus Se revelou em Jesus Cristo, um conhecimento da natureza trinitária de Deus se tornou necessário para a igreja cristã. A encarnação de Jesus Cristo envolveu mais do que a habitação de Deus com a humani­ dade; ela trouxe consigo conhecimento sobre o Pai e o Espírito Santo como pressuposto necessário para uma compreensão apropriada da encarnação de Jesus Cristo, da cruz, da res­ surreição e do ministério celestial.

O fato de a natureza trinitária da Divindade se tornar conhecida mediante a encarnação

não significa que ela não tivesse existido antes ou que não estivesse diretamente envolvida na obra de salvação. Visto que Deus é eterno e imutável, Sua natureza trinitária nunca se alterou nem passou a existir.

Voltaremos agora a atenção para o ensino bíblico da Trindade. As teorias e as doutri­ nas teológicas sobre a Trindade, geradas pela infeliz combinação entre dados bíbli­ cos e idéias filosóficas, serão analisadas na seção histórica. Porém, antes de examinar especificamente os dados revelados sobre a encarnação, é necessário considerar o con­ ceito bíblico da unicidade de Deus e as alu­ sões veterotestamentárias à pluralidade do ser divino (ver VI).

A. Evidência do AT

A “unicidade” de Deus diz respeito à singu­ laridade do ser divino. Ou seja, a “unicidade” de

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Deus designa o fato de que, segundo a Bíblia, existe um único Deus, em contraste com mais de um, A clássica declaração do AT sobre a unicidade de Deus, também seguida por algu­ mas no NT, proclama que Deus é um: "Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6:4). Moisés, porém, já havia explicado que "só o Senhor é Deus” e que "nenhum outro há” (Dt 4:39). Quando Davi soube que seria reno­ vada a promessa pactuai feita com o Senhor, louvou a Deus e reconheceu: "Não há outro Deus além de Ti” (2Sm 7:22; ICr 17:20). Por intermédio do profeta Isaías, o próprio Yahweh intimou Israel a Lhe reconhecer a exclusivi­ dade, Disse Ele: "Sou Eu mesmo, e que antes de Mim deus nenhum se formou, e depois de Mim nenhum haverá" (Is 43:10; cf. 42:8). O que se deduz desses textos é que, de acordo com o AT, só existe um Deus absoluto tanto para Israel como para toda a criação. Essas declarações nada falam, porém, sobre a natu­ reza interior do único Deus absoluto.

J3, Evidência do NT

Apesar de Deus haver revelado de maneira surpreendente a complexidade interna de Seu ser através da pessoa de Jesus Cristo, a concep­ ção básica de um Deus uno, já expressa nos tempos do Antigo Testamento, é mantida em VI.

todas as partes do NT. O próprio Jesus, quando perguntado qual era o principal mandamento, remeteu Seus ouvintes a Dt 6:4: "O principal é: Ouve, 6 Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Mc 12:29), Discutindo a função da lei em sua carta aos gálatas, Paulo afirma categoricamente que "Deus é um” (G1 3:20). Por último, Tiago afirma também que "Deus é um só” (Tg 2:19). A ideia veterotestamentá- ria da unicidade de Deus permanece inalte­ rada no NT. Yahweh, Deus de Israel, é o Deus da cristandade, Ele é o único Deus. Não há outro. As vezes “unicidade” pode ter o sentido de unidade (por exemplo, Jo 10:30; 17:21, 23). Mas se a "unicidade” expressa nesses textos for concebida apenas como um conjunto de' uni- cidades” independentes que se reúnem para formar uma unidade, a singularidade especí­ fica, característica da Divindade única a res­ peito da qual testificam esses versos, acaba se dissolvendo em uma pluralidade de deuses. A unicidade de Deus desempenha papel deci­ sivo e sistemático na determinação do refe­ rente para as revelações bíblicas sobre Deus. Ou seja, visto que o Deus da Bíblia é um e não muitos, todas as diversas revelações sobre Ele, apresentadas ao longo da Bíblia, referem-se ã mesma realidade divina, e não a uma plurali­ dade de seres divinos.

VI. A Divindade no AT Na Bíblia, a radical afirmação da unici­

dade de Deus não determina o conteúdo da natureza divina. Ao associar a unicidade de Deus com a interpretação atemporal de Sua eternidade, a teologia clássica chegou à con­ clusão de que a natureza de Deus deve ser simples; isto é, não se pode pensar em Deus como tendo partes ou componentes. A sim­ plicidade excluiría qualquer forma de plu­ ralidade ou composição. Não obstante as vigorosas afirmações da unicidade divina, o pensamento bíblico não concebe a natu­ reza de Deus em termos de simplicidade,

mas de complexa pluralidade. A comple­ xidade pessoal do Deus único, claramente articulada no NT, já era expressa pelo AT, embora de maneira muito menos específica. Consideremos algumas das alusões vetero- testamentárias à pluralidade pessoal do Deus único, expressas de maneira adicional e defi­ nitiva no NT.

A. O Plural de Plenitude

e a Divindade

No relato da criação, Deus Se refere a Si mesmo na forma plural. "Também disse Deus: 138

DOUTRINA DE DEUS Façamos o homem à Nossa imagem, conforme

a Nossa semelhança" (Gn 1:26). Outros exem­ plos ocorrem em outras partes do Gênesis: “Eis que o homem se tornou como um de Nós" (Gn 3:22); “Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem” (Gn 11:7). Por último, “o ► Senhor assentado sobre um alto e sublime

trono” (Is 6:1) no templo celestial (v. 1-4), reve- lou-Se a Isaías e manifestou Sua missão ao perguntar: “A quem enviarei, e quem há de ir por Nós?” (v. 8). Embora outras interpreta­ ções tenham sido sugeridas para essas refe­ rências às ações divinas no plural, quando se entende que elas são "plurais de plenitude”, é possível perceber que “a distinção no Ser divino com referência a uma pluralidade de pessoas é representada aqui como uma ídeía embrionária” (Hasel, 65). De si mesmo, então, o emprego da forma plural com relação a Deus aponta para um conceito de divindade em que a simplicidade adotada pela teologia clássica é substituída por um conceito de Divindade única que envolve pluralidade e complexidade.

B. O Anjo do Senhor

Uma linha mais interessante de evidên­ cias que procura esclarecer o conceito vete- rotestamentário de pluralidade com relação à essência de Deus encontra-se nas diversas passagens que tratam do Anjo do Senhor. O conceito de malak YHWH incorpora o papel de anjos direcionados para uma mis­ são com a capacidade divina de Se revelar de maneira pessoal, direta e visível, adotando uma forma criada. Deus tomou, por exem­ plo, a forma de homem quando Se revelou a Abraão (Gn 18:1-5) e a Jacó (Gn 32:24-30). Em todas as partes da Bíblia, os anjos são seres criados, que não devem receber ado­ ração (Cl 2:18; Ap 19:10). Os seres angélicos têm a tarefa específica de realizar os propó­ sitos específicos de Deus relacionados com a história humana (Hb 1:14).

A designação "anjo do Senhor” ou “anjo de Deus” é frequentemente empregada com

relação a seres angélicos (cf. 2Sm 14:17; 24:16; lRs 19:7; 2Re 1:3, 15; ICr 21:12, 15, 16). Em algumas ocasiões específicas, porém, o Anjo do Senhor é equiparado a Yahweh. Em Juizes 2:1-5, o Anjo do Senhor aparece como Aquele que libertou Israel do Egito e estabeleceu a aliança com os hebreus, enquanto outros textos identifi­ cam Yahweh como o agente desses mesmos acontecimentos (Ex 6:6; 13:3; Dt 5:12; 7:19; Js 2:10; lRs 8:9). Deus apareceu pessoal­

mente a Moisés na sarça ardente. Nessa grandiosa teofania (Ex 3:2-15), apareceu a Moisés “o Anjo do Senhor numa chama de fogo” (v. 2), mas logo em seguida Yahweh é Aquele que Se revela a Moisés (v. 4, 6). A mesma equiparação direta do Anjo do Senhor com Yahweh ocorre em outros tex­ tos (Gn 16:7-14; 22:9-18; Jz 6:11-24), Quando a equiparação específica do Anjo do Senhor com Yahweh é compreendida com base nos conceitos bíblicos de eternidade (ver III.A), imutabilidade (ver III.B) e presença histórica (ver IV.D), salienta-se a capacidade divina de Se apresentar e agir direta mente no âmbito da ordem temporal da história humana. Embora a equiparação do Anjo do Senhor com Yahweh não comprove a pluralidade da essência de Deus, prepara, mesmo que indi­ reta mente, o terreno necessário para discer­ nir-se a revelação dual de Yahweh.

C. A Revelação Dual de Yahweh Em Gênesis 16, o Anjo do Senhor não somente é considerado por Agar como idên­ tico a Yahweh (v. 13), mas também o mesmo Anjo do Senhor, que é Yahweh, refere-Se a Yahweh na terceira pessoa (v. 11), sugerindo assim a existência de uma diferença possí­ vel entre o Anjo do Senhor que é Yahweh e o próprio Yahweh. Em Êxodo 23, Yahweh pro­ mete aos israelitas “enviar um Anjo adiante” deles (v. 20). A relação de Israel com esse anjo é muito especial. Israel deve obedecer ao Anjo do Senhor, que é retratado não como um

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intermediário entre Yahweh e o povo, mas como a própria fonte de revelação e per­ dão (v. 21). Por último, Yahweh declara que neste Anjo está o Seu nome (v. 21). O “nome" designa a natureza de Deus, diretamente associada com o nome Yahweh, usado na aliança (Ex 3:14, 15). É possível perceber que nessa passagem Yahweh fala de outro [também chamado de] Yahweh, que é o Anjo enviado pelo Senhor,

Ao falar sobre o domínio do Messias, no Salmo 110:1, Davi apresenta Yahweh dirí- gindo-Se ao Messias como “Meu Senhor". Jesus, procurando apresentar aos fariseus provas da origem divina do Messias, tiradas do AT, citou essa passagem, na qual Deus Se dirige ao Messias como “Meu Senhor” (Mt 22:44), Ao que parece, o Salmo 110 não apenas sugere a natureza divina do Messias, mas também, ao fazê-lo, revela a existência de uma dualidade de “Senhores”. Essa dualidade é desenvolvida anos depois, quando Zacarias, numa visão do Senhor, vê “o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do Senhor, e Satanás estava à mão direita dele, para se lhe opor" (Zc 3:1). A seguir, o Anjo do Senhor equi­ parado com o "Senhor", dirige-se a Satanás: “Adas o Senhor disse a Satanás: O Senhor te repreende, ó Satanás” (v. 2). O texto parece sugerir a existência de duas pessoas denomina­ das de Yahweh, um identificado como o Anjo do Senhor, responsável por atividades reden- tivas junto ao povo (ver IV.D), e o outro identi­ ficado como o Deus transcendente (ver 1II.D). VII.

A pluralidade de Deus — sugerida pela forma plural da palavra hebraica para Deus (Elohim), mais a ideia específica de uma dualidade pes­ soal entre o Anjo do Senhor que é Yahweh e o próprio Yahweh — não dissolve o conceito da unicidade de Deus em politeísmo. Pelo con­ trário, a incipiente revelação da presença de pluralidade na ideia bíblica de Deus deve ser compreendida sobre o fundamento provido pela ideia de unicidade.

Desde o princípio, o pensamento bíblico não concorda com a equiparação grega de uni- cídade com simplicidade, exigida pela inter­ pretação atemporal do ser divino. Baseando-se na interpretação histórica da imanência (ver IV.D) como comunhão pessoal, o AT concebe a unicidade de Deus não como contraditória, mas como compatível com a pluralidade pes­ soal e dinâmica da Divindade.

A natureza trinitária de Deus no AT não se expressa de maneira específica e profunda como acontece no registro do NT. A par­ tir da perspectiva privilegiada da revelação divina em Cristo, fornecida pelo NT, é pos­ sível interpretar os conceitos sobrepostos de unicidade e pluralidade como alusões vetero- testamentárias à doutrina trinitária de Deus. Seja como for, as duas linhas de revelação, a que revela a unicidade de Deus e a que revela a pluralidade dentro da unicidade de Deus, não se anulam; pelo contrário, for­ necem um pano de fundo apropriado para a surpreendente revelação de Deus trazida pela encarnação.

VII. A Divindade no NT A autorrevelação de Deus em Jesus como

realidade concreta e histórica trouxe nova luz para a compreensão de Deus. A revelação de Deus em Jesus Cristo não modificou a abor­ dagem básica do AT quanto à compreensão da Divindade, que inclui tanto a ideia de uni­ cidade (ver V) quanto de distinções pessoais (ver VI), mas simplesmente se apropriou dela.

Na realidade, o NT aprofunda o conceito dinâmico da pluralidade divina já apresen­ tado no AT, ao mesmo tempo em que afirma a unicidade de Deus. O resultado é a revelação de Deus como Trindade. O NT aceita a ideia da unicidade divina sem novas elaborações, ao mesmo tempo em que expande a área da pluralidade divina. A revelação concreta da 140

DOUTRINA DE DEUS pessoa eterna de Deus Filho em Jesus Cristo

abriu a porta para uma revelação mais espe­ cífica de um “Outro” divino. A ascensão de Cristo ao Céu pedia uma explicação para a continuidade da presença histórica e pessoal de Deus, constantemente manifesta no san­ tuário do AT e na encarnação no NT. A reve­ lação específica e o envio da eterna pessoa de Deus Espírito Santo foram necessários para explicar a continuidade histórica da imanên- cia pessoal de Deus.

A. Deus, o Filho

Jesus Cristo homem nasceu de Maria (Mt 1:16). Aqueles que O conheceram como criança e jovem adulto tiveram dificuldade em aceitar Jesus como profeta (Mc 6:3-5). De acordo com o NT, porém, o homem Jesus foi a revelação mais clara e direta de Deus à humanidade (Jo 1:18; 14:8, 9; Hb 1:2, 3). Ele é Deus encarnado. Em um sentido muito real, nossa compreensão da Trindade divina vem da cristologia. Quando se per­ cebe a divindade da pessoa de Cristo den­ tro do contexto revelatório da pluralidade na unicidade divina no AT, prepara-se o terreno para a nova revelação sobre a pessoa do Pai e a pessoa do Espírito Santo. Sem o con­ texto do AT e a revelação histórica específica do Filho eterno em Jesus Cristo, conforme apresentada pelos escritores do NT, tratar do Pai e do Espírito Santo não seria suficiente para revelar a natureza interna e trinitária do ser divino. Esses dois passos são neces­ sários para que os seres humanos obtenham uma compreensão mais profunda de Deus. 1

1. Divindade

Diversas passagens do NT se refe­ rem a Cristo como Deus (jo 1:1, 18; 20:28; Hb 1:8, 9; 2Pe 1:1; ljo 5:20). João ensina não apenas a preexistência de Cristo (Jo 17:5), mas expressa isso de uma forma absoluta como se faz somente a Deus (Jo 1:1,2; 8:58; cf. Cl 1:17). Atribui a Cristo características

divinas: eternidade (Hb 1:11, 12), posse de vida não derivada (Jo 1:4; 14:6) e poder divino para criar (Jo 1:3; Hb 1:2, 10; Cl 1:16). A introdução da carta aos hebreus afirma que o Filho “é o resplendor de Sua glória [de Deus] e a expressa imagem de Sua pessoa” (Hb 1:3, ARC). Paulo descreve Cristo como “subsis­ tindo em forma de Deus” (Fp 2:6).

As declarações “Eu Sou” parecem ser outra maneira de o próprio Cristo chamar a atenção para Sua natureza divina, Quando reivindicou para Si mesmo a designação “Eu

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