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Neoplatonísmo

No documento Tratado de Teologia Adventista (páginas 184-192)

Fernando L Canale

A. Antecedentes Filosóficos

1. Neoplatonísmo

Como tendência filosófica, o neoplato- nismo designa um movimento sincretísta com fortes traços religiosos. Integra, nem sem­ pre de maneira bem-sucedida, elementos do 158

DOUTRINA DE DEUS platonismo, pitagorismo, aristotelismo e estoi-

cismo. Influenciadores do pensamento patrís- tico foram Filo (c. 20 a.C.-c. 50 d.C.), o grande filósofo judeu alexandrino, e Plutarco (c. 46-c.

120 d. C.), representantes do platonismo médio. Podemos considerá-los precursores do neoplatonismo, que recebeu formulação sis­ temática em Plotino (c. 205-270 d.C.). Esses autores abraçaram a teoria dos dois mundos de Platão, ainda que substancialmente modi­ ficada. Para eles, o reino celeste não era ape­ nas um mundo de entidades atemporais, mas o domínio transcendente do Eterno.

Filo concebia Deus como um Ser atempo­ ral, único, transcendente, pessoal, ilimitado, autossuficiente e inefável, que compartilha toda a perfeição de Sua natureza de um modo sublime. Considerava Deus tão diferente do mundo que se fazia necessária, entre Ele e o mundo, uma série de realidades intermediárias pertencentes ao mundo inteligível. Para o filó­ sofo judeu, Deus criara não somente o mundo inteligível, mas também o nosso mundo tem­ poral no qual Ele atua providencialmente por meio da presciência divina, ainda que permi­ tindo certo grau de liberdade humana. O plato­ nismo médio, conforme expresso por Plutarco, afastou-se de Filo no sentido de que conce­ bia Deus à maneira do Demiurgo de Platão, que organiza o mundo somente de acordo com as idéias celestes. Plotino, compartilhando o mesmo esquema básico, articulou a relação entre Deus, os seres intermediários e nosso mundo por meio de um panteísmo emanacio- nista todo abrangente.

2. Aristotelismo

A filosofia de Aristóteles se fundamentava no sistema de Platão, ao mesmo tempo em que o criticava. O sistema aristotélico não é con­ traditório ao platonismo ou ao neoplatonismo, mas um resultado crítico do platonismo. Há entre eles não somente diferenças distintas, mas também semelhanças básicas. Por essa razão, em sentido geral, o aristotelismo foi

sempre um fator contribuinte no desenvolvi­ mento da filosofia grega, até mesmo na ten­ dência neoplatônica acima comentada. E mais ainda, como abordagem sistemática global, o neoplatonismo foi bem-sucedido em influen­ ciar o período patrístico e o início do período medieval da teologia cristã. Em um sentido mais específico, o aristotelismo remonta sua-*§ profunda influência à descoberta e tradução dos escritos de Aristóteles, feita em Toledo, na Espanha, por diversos pensadores árabes e judeus no século 12. O aristotelismo tam­ bém ganhou impulso com a discussão e expli­ cação das obras de Aristóteles, em Oxford e Paris. Essa redescoberta das idéias do filósofo grego lançou os alicerces para a síntese esco- Iástica da teologia cristã no período medieval.

No tocante à natureza de Deus, o neoplato­ nismo concorda basicamente com Aristóteles. As diferenças que surgem dizem respeito às atividades divinas. Na visão desse filósofo, não há espaço para atividade divina ad extra. Deus não conhece o mundo. Ele não criou ex

nihilo, nem mesmo organizou o mundo, que é

eterno em seu âmbito espácio-temporal. Deus não tem nenhum relacionamento com a his­ tória humana, nem é capaz de realizar mila­ gres. A única atividade adequada à perfeição, autossuficiência, imutabilidade e eternidade divinas é concebida em analogia com a vida teórico-contemplativa do filósofo. A ação típica da divindade é conhecer a Si mesma. Por não precisar de outro objeto a não ser Ele próprio, a atividade divina é autossuficiente. Como ela ocorre na atemporalidade, é imutá­ vel. Visto que o “alvo” da ação é o ser perfeito que Deus é, Sua ação é absolutamente perfeita,

B. Período Patrístico

Durante o período patrístico, a doutrina cristã de Deus se desenvolveu sob a suposição admissível de que a concepção neoplatônica grega de Deus era, em sentido amplo, com­ patível com a revelação bíblica. Produziu-se uma síntese crescente, embora nem sempre

TRATADO DE TEOLOGIA

uniforme, entre a filosofia grega e as idéias bíblicas. Surgiram contradições internas nas construções teológicas, trazendo como resul­ tado uma concepção de Deus mais modelada pela matriz da filosofia grega do que pelo pen­ samento bíblico.

1. Justino Mártir (c. 100-c, 165)

Ao adotar a concepção platônico-aristo- télica de um Deus eterno, imutável, impas­ sível e incorpóreo {Primeira Apologia, 13, 61;

Segunda Apologia, 6 [ANF 1:166, 183, 190]),

Justino e os apologistas estabelecem o modelo para a teologia clássica. Mas, Justino também tratou de Deus em termos bíblicos e pessoais, termos estes que, conforme se encontram na Escritura, são incompatíveis com as idéias filo­ sóficas de eternidade, imutabilidade e impassi- bilidade divinas, implicitamente adotadas por Justino. Essa descrição de Deus corresponde ao Pai de Cristo. Visto que tal Ser não pode atuar na história, precisa-se de um mediador. Influenciado pelo judaísmo posterior, pelo estoicismo e por Filo, Justino discorre sobre o Logos divino. Este Logos preexistiu em Deus como Sua razão e está contido em Sua essên­ cia {Diálogo com Trifo, 128,129 [ANF 1:264]). Por geração-emanação, o Logos nasceu da von­ tade do Pai, tornando-se pessoa pouco antes da criação {Diálogo com Trifo, 61, 62 [ANF 1:227, 228]). Sendo Verbo e Unigênito de Deus, o Logos também era divino {Primeira

Apologia, 63 [ANF 1:184]). O Logos, e não o

Pai, encarnou-Se em Jesus Cristo {Primeira

Apologia, 5; Segunda Apologia, 10 [ANF 1:164,

191]). Em Justino, prepara-se o terreno para a doutrina da Trindade imanente, junto com certo subordinacionismo claramente implícito na doutrina do Logos.

2. Irineu (c. 115-c. 202)

Irineu abordou a doutrina de Deus a par­ tir de sua preocupação apologética contra as heresias gnósticas. Seguiu propositada mente a Escritura, embora categorias neoplatônicas

pareçam desempenhar algum papel em sua teologia. Enfocou, desse modo, a doutrina de Deus mais da perspectiva de Suas obras do que de Sua natureza, Duas idéias principais foram fundamentais para a concepção de Deus adotada por Irineu: criação e Trindade. Para Irineu, Deus é o Criador do mundo ex nihilo

{Contra as Heresias, 2.1.1; 2.10.4 [AN F 1:359,

370]). A Trindade Se desloca para o âmbito histórico, onde a Escritura apresenta Deus realizando a salvação. Por conseguinte, a con­ cepção de Trindade adotada por Irineu era eco­ nômica, e envolvia tanto a realidade interna de Deus quanto Seus atos de salvação na história + humana. Devido à sua falta de rigor filosófico, essa concepção foi tida como ingênua, sendo superada pela reflexão teológica posterior. 3. Orígenes (c. 185-c. 254)

No apogeu da Escola Alexandrina, o pensamento de Orígenes representou a pri­ meira tentativa de derrotar heresias por meio de uma abordagem teológica sistemática. Lamentavelmente, esse pai da igreja desen­ volveu uma abordagem teológica baseada não somente na Escritura, como Irineu havia ten­ tado, mas também em idéias filosóficas neo- platônicas. Essas idéias influenciaram, em grande medida, a concepção de Orígenes sobre a natureza divina: Deus é uma realidade una, simples, atemporal, ilimitada, imutável, impassível, invisível, intelectual e pessoal {De

Principiis [Tratado dos Princípios]), 1.1.6;

1.2.4, 6; 1.3.4 [ANF, 4:245, 247, 252, 253]). Orígenes tentou exprimir a revelação bíblica do Deus trinitário dentro das mesmas categorias filosóficas neoplatônicas. Ao fazer isso, deslocou-se do nível econômico-histó- rico no qual a Escritura revela a Divindade para um nível imanente, atemporal, ilimitado, que correspondia à natureza de Deus em Si mesmo. Entendido assim, somente o Pai é a causa simples e não originada de tudo (ibid., 1.3.5 [ANF, 4:253]). Para explicar a “multi­ plicidade” divina das hipóstases, Orígenes 160

DOUTRINA DE DEUS inventou a ideia de geração eterna, segundo

a qual o Filho é eternamente gerado pelo Pai (ibid., 1.2.4,6 [ANF, 4:247]). O Espírito Santo, embora participante da Trindade, pertence a uma posição ontológica inferior a do Filho. O Pai, como fonte de tudo, ocupa a posição mais elevada, até mesmo acima do Filho (ibid., 1.3.4, 5 [ANF, 4:252, 253]). Um duplo e claro subor- dinacionismo acha-se implícito na interpreta­ ção de Orígenes da Trindade imanente. Para Orígenes, a Trindade é eternamente ativa como criadora, benfeitora e provedora (ibid., 1.4.3; edi­ ção de Butterworth de 1973). O bendito e preva- lente poder da Trindade “exerce domínio sobre todas as coisas” (ibid.), O poder de Deus não implica a existência eterna da criação temporal. Contudo, seguindo a ontologia platônica dualís- tica básica, Orígenes ensinou que todas as coi­ sas “sempre existiram em sabedoria, por meio de uma prefiguração e pré-formação" (ibid., 1,4,3,5). Isso constituiu a base para a doutrina da pre­ destinação divina. O que foi feito por Deus na criação é o que já estava feito, e, portanto, pre­ destinado, na eterna atividade de Deus. 4. Heresias Trinitarianas

Do segundo ao quarto século da era cristã formularam-se algumas conceitualizações malsucedidas do ensino bíblico a respeito da Divindade. O monarquianismo dinâmico, o monarquianismo modalista e o arianismo representaram esforços para compreender a

Trindade a partir do pano de fundo intelec­

tual provido pelo neoplatonismo na tradição de Justino Mártir e Orígenes.

O monarquianismo dinâmico se iniciou com Teodoto (c. 190), sendo desenvolvido mais tecnicamente por Paulo de Samósata (segunda metade do terceiro século). Essa doutrina se baseava no adocianismo, here­ sia cristológica segundo a qual Cristo foi

um mero homem sobre o qual desceu o Espírito, que O ungiu com poderes divinos no momento do Seu batismo e tornando-0 Filho adotivo de Deus a partir de então. Ensina

essa doutrina que não existe na natureza do Deus eterno pluralidade de pessoas. A ideia de uma Trindade eterna e imanente é subs­ tituída pela ideia da presença “dinâmica” de Deus em Cristo pela habitação do Espírito. Para o monarquianismo, Deus não é uma plu­ ralidade de pessoas, mas um soberano eterno e uno, O termo "dinâmico” significa que o Deus uno está ligado ao homem Jesus Cristo mediante poder espiritual impessoal.

O monarquianismo modalista floresceu no fim do segundo século por Noeto de Esmirna (c. 200). Como no caso do monarquianismo dinâmico, o monarquianismo modalista tam­ bém postulava a existência de um só Deus: o Pai. Se Cristo era Deus, como queria a fé cristã, então Ele devia ser idêntico ao Pai. Pai e Filho não seriam duas pessoas divinas diferentes, mas nomes de um mesmo Deus envolvido em diferentes atividades em épo­ cas diferentes. O Espírito não desempenha­ ria outro papel, a não ser outra palavra para designar o Pai. No monarquianismo moda- lista, o termo “monarquia" garante que Deus é um só, ou seja, o Pai, enquanto "modalismo" declara que Deus Pai é capaz de adotar um modo específico de revelação histórica em Jesus Cristo, o Filho. O monarquianismo modalista constitui uma heresia antitrinita- riana, pois rejeita a ideia da Trindade, tanto em níveis imanentes como em econômicos.

O modalismo sabeliano imagina Deus como uma mônada, que se manifesta em três sucessivas operações históricas, a saber, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ao incluir o Espírito Santo e colocar o Pai no mesmo nível que as outras pessoas, o sabelianismo melhora a versão do modalismo de Noeto. Apesar disso, reconhece a Trindade de pes­ soas apenas como diferentes formas de mani­ festação divina, e não como algo intrínseco à natureza de Deus.

O arianismo se originou com Ario (c. 250- 336), que abordou a compreensão da Trindade imanente dentro de uma concepção de Deus

TRATADO DE TEOLOGIA

mais próxima do aristotelismo do que do pla- tonismo e do neoplatonismo. Apesar de par­ tilhar da concepção adotada por Orígenes de que Deus é imutável, atemporal e simples, o arianismo rejeitou a ideia de emanação implí­ cita no seu conceito de geração eterna do Filho. Precisamente por causa da simplicidade e imu­ tabilidade de Deus Pai, Ário ficou convencido de que a essência divina não é comunicável por emanação ou geração. Para ele, a transcendên­ cia atemporal de Deus precisava de um media­ dor capaz de executar os propósitos de Deus no espaço e no tempo. Assim, Ário substituiu a ideia de Orígenes de uma geração eterna pela ideia de criação a partir do nada, uma criação descrita como “anterior” e “exterior" ao tempo, embora “tenha havido um tempo em que Ele [o Filho] não era" (0’CarroIl, 26). O Filho seria, portanto, a criatura mais exaltada, sem paralelo com o restante da criação, sendo Ele mesmo o Criador do mundo. O Espírito Santo é criado pelo Filho e a Ele subordinado. Como se vê, o arianismo constitui a mais grave distor­ ção do conceito trinitariano de Deus, levando o monarquianismo e o subordinacionismo ã sua expressão mais extrema. 5

5. Concilio de Niceia (325)

O primeiro concilio ecumênico se realizou em Niceia, com o objetivo de tratar da amea­ ça representada pelo arianismo, que foi termi- nantemente condenado, O concilio confirmou a divindade de Cristo, proclamou oficialmen­ te a doutrina da eterna geração do Filho - o Filho “nascido do Pai e consubstanciai ao Pai”, e expôs a bastante discutida consubstanciali- dade (homoousios) do Pai e do Filho. Ratificou, por fim, o Espírito Santo como uma refle­ xão tardia dizendo: “E [cremos] no Espírito Santo”. Em 381, reuniu-se o segundo conci­ lio ecumênico, dessa vez em Constantínopla. Promulgou-se ali o que se conhece como Credo Niceno-Constantinopolitano, que am­ plia a declaração de Niceia, afirmando explíci­ tamente a divindade do Espírito Santo.

6. Agostinho (354-430)

Nas obras de Agostinho, a síntese patrís- tica do neoplatonismo e das Escrituras alcançam sua formulação mais articulada e influente. De acordo com Agostinho, Deus é atemporal, simples, imutável, autossufi- ciente, impassível, onisciente e onipotente

(Cojifissões, 7.11; 12.15; 11.11; 11.13; 13.16

[NPNF-1, 1:110, 167, 180, 196]; Da Santa

Trindade, 1.1.3; 5.2.3 [NPNF-1, 3:18, 88]; A Cidade de Deus, 11.10; 22.1 [NPNF-1,

2:210, 479]). Partindo desse princípio, Agostinho levou a doutrina da Trindade à sua expressão teológica clássica em seu livro

Da Santa Trindade. Diferentemente dos pais

capadócios, Agostinho parte da concepção da unicidade de Deus, e daí avança para Sua tri- plicidade. Ele concebe a unicidade de Deus se baseando na consubstancialidade (identi­ dade de substância) das pessoas. A simples e atemporal essência de Deus constituí não apenas o fundamento decisivo para Sua uni­ cidade ontológica, mas também coloca o Pai como o nascedouro da Trindade, tornando- Se assim a fonte da qual se derivam tanto as pessoas como a unidade delas.

Agostinho, porém, não foi feliz ao usar a palavra “pessoas”, provavelmente porque o termo sugere a ideia de indivíduos separados. Ele acredita que o termo é empregado “não^£ para dar uma explicação completa, mas para que não fôssemos obrigados a permanecer em silêncio” {Da Santa Trindade, 5.9 [NPNF-1, 3:92]). A teoria agostiníana é a de que as pes­ soas divinas são relações inalteráveis, origi­ nais e subsistentes. Apropriando-se das idéias de geração e processão eternas, utiliza-as para definir as relações. As pessoas são assim redu­ zidas a relações de procriar, ser procriado e proceder. Dentro dessa estrutura e defendendo que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho

{Filioque), Agostinho promove a ideia de que

o Espírito Santo, como pessoa subsistente, é fruto do amor mútuo entre Pai e Filho, o elo consubstanciai que Os une. Há razões para se 162

DOUTRINA DE DEUS perguntar se essa visão faz justiça à revelação

bíblica de três pessoas independentes. O Deo

imo parece absorver o Deo trino. A Trindade

é substituída pela monarquia.

A atemporalidade da essência simples de Deus faz surgir a interpretação da providên- cía-predestinação-presdência divina como a causa soberana, eterna e divina da multipli­ cidade, da criação temporal e da história (ver

A Cidade de Deus, 22.2 [NPNF-1, 2:480]).

A duplicação platônica da eternidade no tempo não é produzida por um demiurgo, mas por Deus, que é visto como Criador tanto do mundo das idéias como de sua duplicação no tempo (ibid,),

7. O Credo Atanasiano (c. 430-500)

Considera-se que o Credo Atanasiano, também conhecido como Qiticunque, seja a expressão definitiva da crença católica na Trindade. Redigido por um autor desconhe­

cido, esse credo revela a influência da teolo­ gia agostíniana sobre a Trindade, Ele enuncia explicítamente a pluralidade e a unicidade simultânea de Deus: “O Pai é Deus, o Filho é Deus, (e) o Espírito Santo é Deus; e ape­ sar disso não há três deuses, mas há um só Deus" (Denzinger, 15). Declara a divindade de pessoas não só chamando cada uma expli­ citamente de Deus e Senhor, mas também atribuindo a cada uma, respectivamente, as qualidades divinas de incriabilidade, imensi­ dade, eternidade e onipotência. Faz clara dis­ tinção entre as três pessoas, que não devem ser confundidas (contra o sabelianismo). Conserva, infelizmente, uma forma sutil de monarquianismo e subordinacionismo onto- Iógico, quando explica as diferenças das pes­ soas metafisicamente, recorrendo às idéias de geração e processão. Para o credo ata­ nasiano, o Pai não é gerado; mas o Filho é gerado do Pai, e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (daí a expressão Filtoque). A unicidade da Trindade é explicada com base em sua substância ou natureza divina:

“A natureza divina do Pai e do Filho e do Espírito Santo é uma” (Denzinger, 39).

C. Período Medieval

A reflexão teológica durante a Idade Média articulou, de maneira sistemática, as consequências lógicas da síntese agos- tiniana. Diferentemente de Agostinho, Tomás de Aquino (1225-1274), o repre­ sentante mais destacado da teologia esco- lástica, desenvolveu sua teologia sobre o alicerce filosófico aristotélico.

Tomás de Aquino não formulou um novo conceito de Deus, senão que, tomando Agostinho como base, elevou a doutrina clás­ sica de Deus a um nível de especificidade téc­ nica e coerência interna não alcançada por seus predecessores. Alicerçou seu sistema de pen­ samento em sua própria interpretação cristã de Aristóteles. Tratou primeiramente da dou­ trina sobre Deus, que é por ele descrito como um Ser eterno, uno, simples, imutável, per­ feito e bom (Suma Teológica, la.20.4; la.11.3; la.3.6, 7; la.9.1; la.4.1; la.6.1). Concluída a doutrina sobre Deus, apresentou uma longa discussão sobre a doutrina da Trindade (ibid., la.27-43). Ele concebe a una e simples essência ou substância de Deus em analogia com as ati­ vidades e características do intelecto humano; mais precisamente, com a semelhança da inter­ pretação aristotélica do intelecto. Como resul­ tado, as pessoas da Divindade não são centros independentes de conhecimento e atividade, conforme o declara o registro bíblico. Isso-*;jE implicaria em triteísmo. Para ele, as pessoas são distinções reais dentro da essência divina absoluta e simples. As distinções, que deter- ' minam as pessoas como subsistentes dentro da essência, são relações dentro da essên­ cia, e as relações são concebidas como pro­ venientes da geração do Filho e da processão do Espírito Santo. Tomás incorpora o ensino clássico da geração eterna e da processão do Espírito como "resultados” necessários do inte­ lecto de Deus (o Pai), que, ao expressar-Se,

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produz em Si mesmo uma Palavra (o Filho). Afinal de contas, Deus não está somente conhecendo, mas também simultaneamente amando. O amor surge de duas pessoas divi­ nas, o Pai e o Filho, em um ato que é des­ crito como o movimento unitivo, uma espécie de retorno. Esse movimento, que emana tanto do Pai como do Filho, precipita uma erupção dentro deles, a saber, o Espírito Santo, que Se toma tão real quanto Eles. O Espírito Santo é o ato pelo qual o amor que emana do Pai e do Filho é consumado. Estabelece-se, assim, uma tríplice distinção de oposição mútua (paterni­ dade, filiação, expiração-processão) dentro da essência simples de Deus como idêntica a ela. Essas relações subsistentes, entendidas como oposição dentro da essência simples de Deus, são conhecidas como hipóstases ou pessoas. As relações, porém, são idênticas â essência sim­ ples. Revela-se, assim, na estrutura interna da substância simples uma certa relacionalidade.

Para Tomás de Aquino, presciência, pre­ destinação e providência se fundamentam na própria natureza atemporal de Deus (ibid., la.14.13; la.19.3, 4; la.22), dando continui­ dade assim à tradição agostiniana. As per­ cepções de Aquino sobre Deus são cativantes e coerentes dentro do sistema filosófico que ele escolheu seguir. Visto, porém, que sua abordagem não emana da Escritura, ele é incapaz de apresentar a coerência interna da concepção bíblica de Deus.

D. A Reforma

O interesse teológico da Reforma Protestante centralizou-se em questões sote- riológicas e eclesiológicas. Essa ênfase tal­ vez explique por que a doutrina de Deus não passou por uma revisão. Em termos gerais, o protestantismo reafirmou a abordagem clássica de Deus, ao mesmo tempo em que intensificou e modificou algumas ênfases. Também não tratou especificamente da fun­ damentação filosófica para a teologia. As teo- logias luteranas e calvinistas empregaram

em alto grau informações e linguagem bíbli­ cas, dando assim a impressão de estarem-se fundamentando unicamente na Escritura. Há, contudo, nos escritos desses reformado­ res influências neoplatônicas, agostiníanas e ockamistas em operação, tanto de maneira implícita como explícita.

1. Martinho Lutero (1483-1546)

A teologia de Deus elaborada por Lutero se baseia na revelação divina em Jesus Cristo.

No documento Tratado de Teologia Adventista (páginas 184-192)