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Ativismo Judicial e autoexpansão da jurisdição e dos poderes decisórios

No documento 2017GustavoBuzzato (páginas 159-162)

CAPÍTULO III – O ATIVISMO JUDICIAL E SUAS DIMENSÕES VERIFICADAS NA

3.2. As dimensões do Ativismo Judicial segundo a jurisprudência do Supremo

3.2.6. Ativismo Judicial e autoexpansão da jurisdição e dos poderes decisórios

Esta dimensão do ativismo judicial está intimamente atrelada a questões de processo e de procedimento. Através de sua ação institucional, o Judiciário cria mecanismos para ampliar o acesso à sua função e o âmbito de sua atuação, afastando eventuais entraves e dificuldades procedimentais de busca pela jurisdição. Com base nesta dimensão, verifica-se a evolução das regras procedimentais no sentido de ampliar o acesso ao Judiciário, controlar o número de ações e de recursos, bem como de aumentar a força de suas decisões e sua independência perante os demais Poderes.

Neste sentido, Carlos Alexandre de Azevedo Campos assim explica esta face do ativismo judicial:

As cortes e juízes ativistas também expandem o papel institucional por intermédio da ampliação jurisprudencial do acesso à sua jurisdição e de seu espaço de atuação, afastando por sua conta dificuldades procedimentais, como critérios rígidos de legitimidade processual e de cabimento de ações e recursos. [...]. Por meio desta dimensão, as cortes ativistas também ampliam seus poderes de decisão, formulando doutrinas que reforçam o alcance das ações e recursos constitucionais, assim como a força vinculante das decisões. Com o desenvolvimento ampliativo dessas regras procedimentais, as cortes aumentam para si o grau de independência em face dos poderes políticos.454

O primeiro elemento que leva à autoexpansão jurisdicional é a ampliação do acesso à Justiça como garantia constitucional de tutela judicial, já tratado no capítulo anterior como causa da massiva judicialização. De qualquer forma, ainda pendem alguns comentários pertinentes ao entendimento desta dimensão.

Inicialmente, sob o modelo constitucional adotado no Brasil, as “portas” do Judiciário estão “escancaradas” para quem precisar dela um provimento. Há, sim,

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limitadores de legitimidade na norma processual, mas há, ainda mais, instrumentos que facilitam e legitimam o acesso à Justiça, muitos dos quais estão previstos na norma processual e na própria Constituição, como, por exemplo, o direito à justiça gratuita aos que dela precisarem. Porém, muitos instrumentos decorrem não da norma, mas da própria atuação expansiva do Judiciário.

A esse respeito, Lenio Streck aduz que há uma crise no modelo adotado, a qual “se instala justamente porque a dogmática jurídica, em plena sociedade transmoderna e repleta de conflitos transindividuais, continua trabalhando com a perspectiva de um Direito cunhado para enfrentar conflitos interindividuais”.455 Segundo Streck, “esta é a crise de modelo (ou modo de produção) de Direito, dominante nas práticas jurídicas de nossos tribunais, fóruns e na doutrina”.456

Nesta visão, o modelo vigente favorece o crescimento das demandas judiciais, pois o Direito foi concebido de forma a permitir tratar individualmente interesses de natureza coletiva, dada a convicção de que “a parte precede o todo, ou seja, de que os direitos do indivíduo estão acima dos direitos da comunidade”.457

Marcelo Paulo Wacheleski e Clayton Gomes de Medeiros atribuem à autoexpansão, além disso, o modelo de justiça interventiva que sucedeu a justiça formal. Segundo os autores, a passagem à justiça interventiva “se deu sob duas frentes distintas, porém conexas: a assunção de novos direitos decorrentes do Estado Providência/Welfare e também pelo surgimento de novos atores”.458 Ao lado destas duas causas, os autores elencam uma terceira: “a constatação da incompetência democrática dos Poderes Executivo e Legislativo de oferecer respostas seguras à demanda social por justiça, o que exige a implementação de direitos assegurados formalmente na Constituição Federal de 1988”.459

Estas três causas verificam-se intimamente entrelaçadas. Nesse contexto, os direitos prestacionais sociais, como visto no tópico anterior, são diretamente responsáveis pela excedente judicialização verificada nas últimas décadas, ao que

455 STRECK, 2014, p. 46. 456 STRECK, 2014, p. 46.

457 FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios, alternativas. Brasília:

Conselho de Justiça Federal, 1995. p. 46.

458 WACHELESKI, Marcelo Paulo; MEDEIROS, Clayton Gomes de. Judiciário Interventivo, Acesso

à Justiça e a Judicialização das relações sociais. In: Ajuris. Disponível em:

<www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/article/download/364/299>. Acesso em: 06/02/2017.

459 WACHELESKI, Marcelo Paulo; MEDEIROS, Clayton Gomes de. Judiciário Interventivo, Acesso

à Justiça e a Judicialização das relações sociais. In: Ajuris. Disponível em:

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se deve o referido surgimento de novos atores na seara judicial, buscando a esfera protetiva jurisdicional diante da não satisfação pelos Poderes políticos do Estado. Ademais, em relação a esta esfera protetiva, destaca-se “a prevalência dada nos sistemas constitucionais à agenda igualitária, que colocou no palco novos atores sociais – afrodescendentes, ambientalistas etc. −, que cobram maior regulação e normatização de seus direitos de forma a torná-los efetivos jurisdicionalmente”.460

A dimensão em apreço possui, além do acesso à Justiça, outros elementos caracterizadores do ativismo judicial, atinentes aos poderes decisórios do Judiciário. Nesse sentido, o STF, “embora sempre constrangido pela preocupação com sua funcionalidade”461, ao menos em algumas manifestações de seus Ministros, evidencia sinais claros desta dimensão, “máxime com os novos instrumentos decisórios estabelecidos pela EC 45/2004 – súmula vinculante e repercussão geral”.462

Ambos os institutos, criados pelo constituinte derivado, conferem uma procedimentalidade, a ser executada pelo STF, que favorece a autoexpansão e aumenta o poder de controle e decisão do órgão constitucional brasileiro, já que é o mesmo quem “cria o Direito” em relação a ambos, tendo como um de seus intuitos, em via contrária ao acesso à Justiça, controlar o aspecto quantitativo de demandas e recursos.

Quanto a essa função, Kelsen prevê que a função criadora do Direito pelos tribunais surge quando a estes é conferida competência para produzir normas gerais por meio de seus precedentes, o que os coloca em situação de concorrência com o órgão legislativo, significando isso uma descentralização da função legiferante.463

Com base no art. 103-A da CF/88, a súmula vinculante é instrumento que permite ao Judiciário brasileiro impor sua jurisprudência consolidada frente aos demais Poderes, haja vista o caráter vinculante da decisão sumulada, à qual todos os demais órgãos e Poderes de todas as esferas federativas do País devem se submeter. A súmula advém de reiteradas e uniformes decisões sobre matéria

460 WACHELESKI, Marcelo Paulo; MEDEIROS, Clayton Gomes de. Judiciário Interventivo, Acesso

à Justiça e a Judicialização das relações sociais. In: Ajuris. Disponível em:

<www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/article/download/364/299>. Acesso em: 06/02/2017.

461 CAMPOS, 2014, p. 172. 462 CAMPOS, 2014, p. 172. 463 KELSEN, 1998, p. 174-178.

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constitucional tomadas pela corte constitucional, e adquire o caráter vinculante pela disposição de dois terços de seus membros.

O intuito da súmula vinculante é afastar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, decorrentes de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, sobre a qual tenha sido proferida decisão e a esta atribuído a validade, a interpretação e a eficácia de normas constitucionais.

Na prática, nenhum ato emanado de outro Poder nem decisão judicial de órgão inferior podem contrariar disposição sumular vinculante, sob pena, respectivamente, de anulação ou cassação, determinadas em face de reclamação interposta diretamente perante o STF.

No mesmo intuito de contornar o problema da crise numérica, não propriamente de ações, mas de recursos perante o órgão constitucional, a citada emenda também instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade e elemento de uniformização do recurso extraordinário perante o STF. Neste sentido, o STF “só conhecerá o recurso extraordinário quando a questão constitucional oferecer repercussão geral, ou seja, quando discutir questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico”.464

O instituto cria regra procedimental que confere ao recurso sobre matéria constitucional o caráter de interesse que ultrapasse a esfera particular do recorrente, e que demonstre a relevância geral da matéria, isto é, que repercuta fora do âmbito do respectivo processo, alcançando a repercussão extraprocessual, sob pena de não ser conhecido o recurso.

Nesta seara, assim como em relação às súmulas vinculantes, é o STF quem define as matérias que possuem repercussão geral e, logo, é o mesmo órgão quem decide quais matérias constitucionais e recursos extraordinários serão por ele processados e julgados.

Portanto, mais esta dimensão do ativismo judicial, de autoexpansão da jurisdição e dos poderes decisórios, é verificada na prática da corte constitucional brasileira, com a devida legitimidade atribuída pela norma constitucional.

3.2.7. Ativismo Judicial e superação de precedentes

No documento 2017GustavoBuzzato (páginas 159-162)