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Poder e função: o Poder Judiciário e a função jurisdicional

No documento 2017GustavoBuzzato (páginas 51-59)

CAPÍTULO II – O PODER JUDICIÁRIO E A CRESCENTE JUDICIALIZAÇÃO DOS

2.1. Poder e função: o Poder Judiciário e a função jurisdicional

Ao prever expressamente a tripartição dos Poderes em seu art. 2º, a CF/88 visou uma divisão orgânica das funções estatais, estabelecendo órgãos exercentes dos poderes-deveres do Estado. Assim, em verdade, a separação não é propriamente do poder, vez que este é uno, de titularidade do povo em um regime democrático.

Há como uma espécie de pacto social totalitário, no sentido de que a vontade geral popular representa o verdadeiro poder. Nesta perspectiva, a separação do poder é inviável, pois o soberano perde força se o poder for dividido, e isso não é benéfico para a sociedade e para o Estado.133

Segundo Max Weber, poder diz respeito a uma força ou energia que possui capacidade de impor a vontade e vindicar obediência, ou seja, com a obediência alheia como se fosse a própria vontade, sempre baseado em um fundamento de legitimidade, isto é, o poder existe de fato se legitimamente reconhecido.134

132 FIGUEIREDO, Professor Doutor Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário

no Brasil – uma visão geral. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da PUC. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC, julho 2007, p. 52.

133 COSTA, Hekelson Bitencourt Viana da. A Superação da Tripartição de Poderes. Monografia

apresentada como requisito para conclusão do Curso de Pós–Graduação “Lato sensu” em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Brasília, 2007. p. 13.

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Ao tratar sobre o tema, o jurista alemão estabeleceu importante diferenciação entre as noções de poder e de dominação, conceituando-os da seguinte forma:

Poder significa la probabilidad de imponer la propia voluntad, dentro de una relación social, aun contra toda resistencia y cualquiera que sea el fundamento de esa probabilidad.

Por dominación debe entenderse la probabilidad de encontrar obediencia a un mandato de determinado contenido entre personas dadas; [...].135

O exercício do poder, consoante Max Weber, representa a imposição da vontade do mandante independentemente da vontade de obediência do mandado, já que fundado no reconhecimento de legitimidade, isto é, querendo ou não obedecer à ordem, quem a recebeu deve sujeitar-se à obediência e realizar o conteúdo da ordem. Diferentemente, a dominação leva à obediência voluntária de quem recebeu à ordem, havendo ou não relação de poder; o elemento vontade é, portanto, essencial na dominação, e se verifica espontaneamente, sem imposição.

A dominação e o poder, que acarretam na obediência, voluntária ou imposta, encontram legitimidade, segundo Max Weber, basicamente, em aspectos de racionalidade (legalidade), de tradição e de carisma, do que decorrem as espécies de dominação legal, tradicional e carismática.136

Em seu “Dicionário de Política”, Norberto Bobbio salienta o sentido social do conceito de poder. Neste sentido, “em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até à capacidade do homem em determinar o comportamento do homem: Poder do homem sobre o homem”.137

135 “Poder significa a possibilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, ainda

que contra toda resistência e qualquer que seja o fundamento dessa possibilidade. Por dominação deve se entender a possibilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo entre dadas pessoas”. (WEBER, 1964, p. 43).

136 A dominação legal fundamenta-se na crença na legalidade de ordenações instituídas e de direitos

de mando daqueles que as ordenações atribuem a autoridade; neste caso, obedecem-se as ordens impessoais e objetivas legalmente instituídas e as pessoas por estas designadas, dentro do âmbito de sua competência. A dominação tradicional fundamenta-se na crença cotidiana na santidade das tradições que regem a dominação desde há muito tempo, e na legitimidade dos escolhidos por essa tradição para exercer a autoridade; neste caso, obedecem-se as ordens por se acreditar na santidade da autoridade. A dominação carismática fundamenta-se na crença ao heroísmo, à liderança ou exemplo de uma pessoa e às ordens por ela criadas ou reveladas; neste caso, obedece-se àquele carismaticamente qualificado, por razões de confiança pessoal na relação, dentro do âmbito em que seu carisma tem validade. (WEBER, 1964, p. 172-197).

137 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Carmen

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É inconcebível a noção de Estado, politicamente organizado, e de sociedade sem relação de poder. Aliás, relações de poder, no plural, já que há uma diversidade delas, afinal a organização estatal pressupõe a representatividade institucional e funcional do poder, assim como “não existe praticamente relação social na qual não esteja presente, de qualquer forma, a influência voluntária de um indivíduo ou de um grupo sobre o comportamento de outro indivíduo ou de outro grupo”.138

Sob o prisma democrático, em um Estado Democrático de Direito, o poder é exercido pelo povo diretamente ou por meio de órgãos e agentes representativos da vontade popular, mediante a institucionalização do poder nas funções estatais. Nesse sentido:

Historicamente, o poder aparece vinculado a uma pessoa. É o poder individualizado. Obedece-se à pessoa do rei, do monarca, do chefe etc. A partir daí, porém, o poder evolui e se institucionaliza, vale dizer, despersonaliza-se. Obedece-se não mais à pessoa, enquanto tal, mas enquanto titular da função. Ao institucionalizar-se, o poder torna-se estável, desligando-se das pessoas e cristalizando-se nas instituições, entre elas, a mais importante, o Estado, que passa a ser seu titular abstrato, permanente e exclusivo. Com a institucionalização do poder, os governantes não são senão agentes políticos que o exercem de forma efêmera, temporal.139

Atrelada à noção de poder está a de função, já que o poder estatal é praticado através das funções que o Estado exerce com monopólio. Dessa forma, “as chamadas funções do Estado são as formas específicas de exercício do poder político, previamente determinadas pelo direito, as quais, a juízo do legislador, constituem a estrutura mais adequada para alcançar os objetivos a que o Estado se propõe”.140

A concepção clássica da divisão de funções baseou-se na necessidade de se atribuir o poder a diferentes pessoas de forma a evitar o arbítrio. Por esta razão, o exercício do poder estatal foi dividido em funções atribuídas aos “Poderes” estatais, as quais, segundo o autor que difundiu a teoria, são definidas da seguinte forma:

Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil.

138 BOBBIO, 1998, p. 940.

139 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995.

p. 11.

55 Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado.141

Tais funções representam, desde sua concepção, “modos típicos de atuação ou exercício do poder do Estado”142, constituindo as atividades estatais fundamentais, por meio das quais o mesmo busca realizar seus fins, compreendendo, no caso brasileiro, o qual retira sua fonte na teoria da tripartição, as funções legislativa, administrativa e jurisdicional, conferidas, respectivamente, aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Dentre estas funções, importa, levando em conta o objetivo do presente estudo, mais propriamente, a função de jurisdição, isto é, de “decidir em caráter definitivo os conflitos concretos de interesses mediante a aplicação do direito e, eventualmente, executar as decisões”143, já que é sobre esta função que recai a discussão acerca de um suposto ativismo, que será estudado no próximo capítulo.

Como cada função é exercida tipicamente por determinado órgão criado para este fim, o Poder Judiciário é o poder do Estado detentor da função jurisdicional, a qual é exercida por seus agentes políticos, na busca pela satisfação da justiça sobre os conflitos advindos da sociedade, com fundamento na ordem jurídica interna.

A jurisdição, função de declarar o direito aplicável aos fatos, é a causa final específica da atividade do Poder Judiciário. Assim como é função própria e exclusiva do Poder Legislativo a de fazer leis (jus dare, como diziam os Romanos), - a do Poder Executivo executar as leis (jus executare), - é função própria e exclusiva do Poder Judiciário dizer a lei existente aplicável a um fato ocorrente nas relações entre indivíduos (jus dicere).144

A função jurisdicional, definida de maneira restrita e limitada acima, realiza-se mediante processo judicial, através do qual as lides são resolvidas pelos órgãos do Poder Judiciário com fundamento em mandamentos gerais e abstratos, presentes em leis, costumes ou padrões gerais.145

141 MONTESQUIEU, 2000, p. 167-168. 142 ROCHA, 1995, p. 12.

143 ROCHA, 1995, p. 12.

144 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito Judiciário Brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria

Freitas Bastos S/A, 1960. p. 40.

145 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução Histórica da Estrutura Judiciária Brasileira.

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Mormente após o advento da CF/88 é que, no Brasil, o Poder Judiciário ganhou maior reconhecimento, formal e materialmente, como Poder de fato independente, com o gozo das autonomias, além de funcional, financeira e administrativa. Tal fato explica a evidente ascensão do referido Poder nas últimas décadas. Ao encontro disso a afirmação de Gilmar Mendes:

A Constituição de 1988 confiou ao Judiciário papel até então não outorgado por nenhuma outra Constituição. Conferiu-se autonomia institucional, desconhecida na história de nosso modelo constitucional e que se revela, igualmente, singular ou digna de destaque também no plano do direito comparado. Buscou-se garantir a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário. Assegurou-se a autonomia funcional dos magistrados.146 Sem deixar de atribuir a devida importância e necessidade das demais funções estatais, “é a existência dessa função que infunde à sociedade a segurança, sem a qual o homem estará ‘inquieto quanto à sua liberdade, seus bens e sobre sua própria existência’, sentindo-se ‘como um estrangeiro em sua pátria’”.147

Logo, para se compreender a atuação do Judiciário e verificar se ela se encontra dentro dos limites de sua competência, necessário entender o que representa a função típica que lhe é afeta, até porque o mesmo existe em razão da função que lhe é conferida.

Inicialmente, importante suscitar a origem da terminologia, a qual vem do latim juris dictio, que significa “dizer o direito”. Partindo desta concepção, vários são os critérios utilizados pela doutrina para tentar definir a função jurisdicional, conforme o parâmetro adotado para análise da função. Neste sentido, tomam-se como parâmetros, especialmente, o objeto da função, o sujeito que desempenha a mesma, a forma de atuação e a função como substituição de atividades.148

O critério do objeto toma como centro da análise o fim a que se destina a função jurisdicional, ou seja, a solução de conflitos; o critério do sujeito destaca uma análise organicista, vez que toma como elemento central o poder, os órgãos e os agentes que exercem a função; o critério da forma de atuação se caracteriza por

<https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1072>. Brasília, vol. 1, n. 5, setembro de 1999.

146 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 11.

ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 991.

147 HENRION DE PANSEY. De l’autorité judiciaire apud MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O

Sistema Judiciário brasileiro e a reforma do Estado. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 23.

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tratar da função como atividade exercida segundo uma determinada forma, a qual é chamada de processo.149

Finalmente, destaca-se o critério da substituição de atividades, sustentado por Chiovenda, segundo o qual a jurisdição trata-se de:

[...] função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.150

Sem estabelecer maiores críticas, mas somente por constatação, qualquer critério torna-se falho ou insuficiente ao dar ênfase a um ou outro parâmetro e, assim, ao deixar de atentar para todos os demais elementos que compreendem a jurisdição.

Porém, merece especial análise o critério utilizado por Chiovenda, pois se relaciona diretamente com o objeto do presente estudo. Nesse contexto, ao pensar a função jurisdicional sob um prisma de substituição abre-se a possibilidade de o Poder Judiciário substituir, além das partes conflitantes em seus interesses particulares, também outros órgãos e poderes diante de suas omissões ou da insuficiência de suas ações.

Esse é exatamente um dos aspectos que, como se verá, promovem o chamado ativismo judicial e que levam à discussão de se encontrar o Poder Judiciário, supostamente, exercendo função que, em tese, não é sua, já que, diante da omissão ou insuficiência de ação de determinado órgão, os indivíduos buscam através de um provimento jurisdicional a realização de seus direitos e anseios.

Por outro lado, vendo-se a perspectiva da substituição como decorrência da harmonização existente entre os Poderes, mesmo porque os indivíduos requerem uma resposta que, em última análise, é estatal, independente do Poder que a profira, a substituição não seria um elemento caracterizador particular da jurisdição, mas também das demais funções do Estado.

Fato é que, embora possa gerar críticas e entendimentos contrários, não se pode conceber, hoje, um Poder Judiciário sem função substitutiva, sendo esta uma das características imprescindíveis de sua definição, como se verá logo abaixo.

149 ROCHA, 1995, p. 13-14.

150 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. V. II. Campinas: Bookseller,

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Além dos critérios supra-apresentados, outros aspectos são utilizados como parâmetro para a definição. Carnelutti, por exemplo, alia ao conceito de jurisdição o viés da lide, porquanto a jurisdição seria a busca pela “justa composição da lide”.151 Sob este prisma, seria pressuposto da jurisdição a existência de um conflito de interesses, o que, embora ocorra como regra, retira da definição a busca pelo Judiciário em ações voluntárias ou em ações de controle abstrato de constitucionalidade, por exemplo.

Como se verifica, a doutrina se debruça em buscar estabelecer uma conceituação acerca da jurisdição, sem, contudo, alcançar uma definição plenamente satisfatória, vez que, ao tomar algum parâmetro em específico, o conceito fica eivado de reducionismos.

Admite-se que é tarefa não singela buscar definir a função jurisdicional, até mesmo porque “o conceito de jurisdição é empírico, como, de resto, o são os conceitos jurídicos”152, e somente pode ser obtido “por abstração das particularidades das jurisdições concretas – jurisdição brasileira, italiana etc. – para selecionar os traços comuns e generalizáveis a todas as jurisdições”.153

Apesar da dificuldade, pode-se aproximar de uma definição, seguramente, a partir da soma de todos os critérios acima referidos. Mas, além disso, deve-se buscar uma caracterização mais fidedigna, com a inclusão de atributos de caráter sociopolítico, que compreendem a base da função jurisdicional hodiernamente.

A visão moderna acerca do Poder Judiciário e de sua função típica engloba, destacadamente, dois aspectos primários e indispensáveis, quais sejam, a natureza substitutiva de sua atuação e a aplicação da ordem jurídica para fins práticos e de efetiva realização de justiça.154

Em relação à natureza substitutiva da atividade jurisdicional, sob um primeiro aspecto, o órgão do Poder Judiciário sobrepõe-se às partes envolvidas na relação conflituosa para, de forma imparcial e com base no Direito, substituir as vontades em jogo, e dizer a melhor solução aplicável ao caso concreto. Em se tratando desta

151 CARNELUTTI, Francisco. Estudios de Derecho Procesal. Vol. II. Trad. esp. de Santiago Sentis

Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1952. p. 5.

152 ROCHA, 1995, p. 18. 153 ROCHA, 1995, p. 18.

154 SANTOS, Pablo de Oliveira. Jurisdição: considerações acerca do seu conceito, características,

princípios inerentes e "espécies". In: Conteúdo Jurídico. 18/08/2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,jurisdicao-consideracoes-acerca-do-seu-conceitocaracteris ticas-principios-inerentes-e-especies,49465.html>. Acesso em: 21/12/2016.

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substituição dos interesses particulares conflitantes pela apreciação e decisão do Estado-Juiz, este é objetivo para o qual o Poder Judiciário e a função jurisdicional foram concebidos em um primeiro momento, não se tendo qualquer dúvida de sua pertinência.

O que gera discussão e controvérsia é a substituição praticada pela função jurisdicional sobre outros órgãos e funções do Estado, sobre o que se debruçará mais adiante. Mas é indiscutível que isso efetivamente ocorre e representa, hoje, uma das feições da atuação do Poder Judiciário, devendo compreender, sem dúvidas, sua caracterização e definição. Este é um dos aspectos a serem analisados na averiguação do exercício – devido ou indevido – da função jurisdicional.

Já em relação à aplicação da ordem jurídica para fins práticos e para efetiva realização de justiça, afirma-se que, modernamente, a atuação jurisdicional vai muito além da mera aplicação do sistema normativo. Num primeiro momento, é certo afirmar que o Poder Judiciário deve tomar como base o Direito posto, com o fim de realizar o direito material estabelecido. Porém, isto deve reverter em resultados práticos efetivos e que realizem a verdadeira justiça sobre os casos em concreto. Neste sentido:

[...] o direito processual moderno preconiza que a função jurisdicional é muito maior que a mera efetivação do direito material, tendo, antes de mais nada, uma função social, ou seja, é certo que o direito substancial deve ser cumprido, materializando-se no caso concreto uma pretensão resistida, mas antes disso, o que a jurisdição visa é o escopo da pacificação social, o desejo que impere a atual e denominada ordem jurídica justa.155

Além de todos estes critérios e elementos caracterizadores da jurisdição, podem ser apresentadas, ainda, outras características decorrentes daqueles, dentre as quais se destacam: a unidade, a secundariedade e a substitutividade da função jurisdicional; o fato de ser uma atividade estatal inerte, que requer provocação; o caráter instrumental da atuação jurisdicional; a imparcialidade do órgão julgador, com atribuição desinteressada; e o caráter de definitividade das decisões pelo atributo da coisa julgada, capaz de tornar situações jurídicas imutáveis.156

Neste sentido, a unicidade confere à divisão do Poder Judiciário em órgãos o caráter apenas organizacional, vez que a jurisdição é una. A jurisdição é secundária

155 SANTOS, 2014.

156 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

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ou substitutiva, pois, em tese, o Direito deve realizar-se independentemente de um provimento jurisdicional, sendo este medida que se impõe secundariamente, em substituição, em caso de não cumprimento espontâneo e pacífico. O princípio da inércia impõe que a jurisdição somente se ative se houver provocação da parte interessada. O caráter instrumental confere à função jurisdicional o fim de servir de instrumento para fazer realizar o Direito e a justiça. O órgão julgador é um ente imparcial e que não possui nenhum interesse na demanda, senão apenas de resolvê-la. Por fim, somente o Poder Judiciário possui o poder de decidir com definitividade, ou seja, proferir provimento do qual não caiba mais recurso ou ação.157

Por fim, não se pode pensar em definir a jurisdição sem incluir o conteúdo e a carga valorativa dos princípios que norteiam esta função. Não seria possível aprofundar o estudo acerca de cada um dos mesmos, até porque fugiria do objetivo do presente estudo, mas, como são de conhecimento geral e notório, basta citá-los para trazer à noção proposta. Neste sentido, tem-se, destacadamente, o princípio da investidura, o princípio da inércia, o princípio do impulso oficial, o princípio da aderência ao território ou da territorialidade, o princípio da indelegabilidade, o princípio do juiz natural, o princípio da inevitabilidade e o princípio da inafastabilidade ou da indeclinabilidade.158

Diante do todo exposto, sem o objetivo de esgotar a temática, pode-se ter uma noção clara do Poder Judiciário e da função exercida por este tipicamente, o que permite avançar com segurança e adentrar no objeto de estudo do presente capítulo, qual seja, a crescente judicialização, suas causas e implicações.

No documento 2017GustavoBuzzato (páginas 51-59)