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Ativismo Judicial e maximalismo

No documento 2017GustavoBuzzato (páginas 168-173)

CAPÍTULO III – O ATIVISMO JUDICIAL E SUAS DIMENSÕES VERIFICADAS NA

3.2. As dimensões do Ativismo Judicial segundo a jurisprudência do Supremo

3.2.8. Ativismo Judicial e maximalismo

Esta dimensão do ativismo judicial está relacionada ao princípio da motivação ou da fundamentação que deve orientar as decisões judiciais. Todas as decisões emanadas do Poder Judiciário devem expor as razões ou os substratos jurídicos que levaram ao entendimento aplicado. Conforme Cretella Jr., “a fundamentação ou motivação das decisões judiciais é onde se encontram expostas as bases lógico- jurídicas do julgamento, as premissas claramente fixadas e o enquadramento dos fatos nos dispositivos legais pertinentes”.486

Além de atender à publicidade dos atos processuais e permitir o controle sobre o exercício da função jurisdicional, a motivação possui “função política [...] com a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões”.487 A motivação representa, nesse contexto, na visão de Piero Calamandrei, garantia de justiça, senão vejamos:

A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua

485 LEITE, Glauco Salomão. Súmula Vinculante e Jurisdição Constitucional brasileira. Rio de

Janeiro: Forense, 2007. p. 149.

486 CRETELLA JR., José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2. ed., v. VII. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2006.

170 conclusão, pois, se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado desorientou.488 O princípio da motivação é exigência constitucional prevista no art. 93, IX, da CF/88. Porém, diante de sua imperiosa relevância no sistema processual vigente, ganhou trato específico no Novo Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 11. Em comento ao dispositivo processual em questão, Artur Torres explica que:

[...] é possível afirmar que a atividade motivacional exigida possa ser compreendida, em suma, como a exigência de que o Estado-Juiz justifique o porquê adota, caso a caso, esta ou aquela postura de julgamento, explicitando, sempre de forma límpida, o raciocínio lógico desenvolvido e a racionalidade das decisões proferidas.

Fundamentar, na perspectiva do atual modelo de processo, representa ir além da mera enunciação formal dos ditames que devem regular o caso concreto. Trata-se, pois, da exigência que obriga o julgador a esmiuçar (atento ao princípio da concretude) como, quando, e porque optou por emanar esta ou aquela decisão. A partir de um jogo de palavras, não raro compreendido por todos, afigura-se plenamente possível afirmar que, atualmente, exige-se mais do que mera motivação, exige-se a motivação da motivação. Decisório insuficientemente ou não motivado representa ato jurídico nulo.489

A constitucionalização do Direito Processual foi formalmente positivada no Novo Código de Processo Civil, estabelecendo-se em sua disciplina inicial princípios constitucionais que formam o núcleo chamado de “normas fundamentais” aplicáveis ao processo, dentre as quais está o princípio da motivação.

Esta fundamentação não possui forma determinada, por isso, apresenta-se de maneiras variadas de acordo com o juiz que a formule. Em um extremo, “o juiz minimalista não diz mais do que o necessário para justificar as decisões bem como deixa, enquanto possível, questões sem decidir”.490 De outro norte, o juiz maximalista “procura decidir casos de um modo que estabeleça amplas regras para o futuro e também dá justificações teóricas ambiciosas para seus resultados”491, não apenas jurídicas, mas também morais, sociais, filosóficas, políticas, científicas, econômicas, etc.

488 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. 9. ed. São Paulo:

Clássica Editora. p. 199.

489 TORRES, Artur. Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre: OAB/RS, 2015. p. 31-

32.

490 CAMPOS, 2014, p. 303.

491 SUNSTEIN, Cass. One Case at a Time: Judicial Minimalism on the Supreme Court apud

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É esta segunda forma de agir jurisdicional que se enquadra na dimensão do ativismo judicial ora tratada, quando o julgador vai além da simples fundamentação da decisão no Direito posto, estabelecendo profundas, rebuscadas e amplas teorias na formulação do seu entendimento. Neste sentido, essa atuação maximizada do julgador é bem explicitada por Carlos Alexandre de Azevedo Campos:

Alguns juízes ativistas justificam suas decisões em formulações teóricas ambiciosas, extensas e profundas, além do necessário para fundamentar o resultado das decisões concretas. Essas decisões são maximalistas no sentido de superar as questões teóricas e principiológicas do caso julgado para estabelecer amplas regras e princípios que dirigirão no futuro os resultados de outros casos também.492

A amplitude de tais decisões, além de restringir a ação futura dos legisladores, tem como consequência a limitação de atuação dos juízes de instâncias inferiores, retirando a possibilidade destes de conferir sua margem interpretativa sobre o caso concreto.

Sobretudo se fazer-se aplicar a “teoria da eficácia transcendente da motivação”, ou seja, pretender reconhecer efeito de coisa julgada erga omnes e eficácia vinculante não só ao dispositivo da decisão emanada do STF, mas também aos seus motivos determinantes, o que se discute no Direito brasileiro e é tema desenvolvido e sustentado, especialmente, por Gilmar Mendes, baseado no Direito alemão.493

A eficácia transcendente da motivação significa, segundo Luiz Guilherme Marinoni, conferir “eficácia que, advinda da fundamentação, recai sobre situações que, embora especificamente distintas, tem grande semelhança com a já decidida e, por isto, reclamam as mesmas razões que foram apresentadas pelo tribunal ao decidir”.494

Assim sendo, todos os órgãos submetidos à eficácia vinculante das decisões do STF estão, com base nesta teoria, obrigados a seguir não só a decisão proferida, mas toda a fundamentação jurídica que a motivou. Neste sentido:

492 CAMPOS, 2014, p. 172.

493 MENDES; BRANCO, 2016, p. 1377-1380.

494 MARINONI, Luiz Guilherme. Elaboração dos conceitos de ratio decidendi (fundamentos

determinantes da decisão) e obter dictum no direito brasileiro. In: Marinoni. Disponível em:

<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:cVsTts8l9isJ:www.marinoni.adv.br/wp- content/uploads/2016/08/Elabora%25C3%25A7%25C3%25A3o-dos-conceitos-de-ratio-

172 [...] com o efeito vinculante pretendeu-se conferir eficácia adicional à decisão do STF, outorgando-lhe amplitude transcendente ao caso concreto. Os órgãos estatais abrangidos pelo efeito vinculante devem observar, pois, não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado.495

Da análise da postura adotada por alguns Ministros da corte constitucional, percebe-se uma tendência maximalista, que, apesar de muito contribuir juridicamente e, em tese, não deixar dúvidas acerca da razão de decidir, em nome da segurança jurídica, Virgílio Afonso da Silva demonstra preocupação ao constatar que extensas fundamentações trazem, muitas vezes, mais o desenvolvimento de opiniões, do que propriamente a motivação “clara, objetiva, institucional e, sempre que possível, única”.496 Constata-se o incômodo do autor com fundamentações amplas como forma de construir teses particulares e opinativas, e não a fim de refletir o entendimento institucional da corte acerca da matéria julgada.

Carlos Alexandre de Azevedo Campos atribui tal problemática à atual falta de uma “liderança intelectual difusa na Corte [...] desde a aposentadoria de Moreira Alves”, o que evidencia um STF como um “conjunto de várias intelectualidades autônomas, cada qual decidindo sinceramente o que acredita ser o correto entendimento da Constituição, mas sem interconexão de ideias e conclusões”.497

As decisões maximalistas se dão, sobretudo, diante de casos que envolvem matérias que exorbitam da mera disciplina jurídica. Diante de áreas de conhecimento estranhas às habitualmente percorridas pelo Judiciário, nas quais os julgadores têm de adentrar em aspectos específicos e não antes apreciados, é que se identificam teses construídas ampliativamente.

Neste sentido, alguns exemplos já citados em outras dimensões apresentam decisões maximalistas. Assim, por exemplo, é a decisão monocrática proferida pelo Min. Celso de Mello na ADPF nº 45/DF498, na qual este, antes de concluir pela extinção do feito sem resolução de mérito por perda do objeto, desenvolveu extenso voto calcado em teses e entendimentos doutrinários acerca dos direitos fundamentais sociais; do cunho prestacional de tais direitos; da responsabilidade do

495 MENDES; BRANCO, 2016, p. 1380. 496 SILVA, 2009, p. 211.

497 CAMPOS, 2014, p. 304.

498 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, ADPF 45 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado

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Estado perante a sociedade em relação a tais direitos; da judicialização da política e o enfrentamento do STF sobre esta seara; dos institutos do mínimo existencial e da reserva do possível.499

Tal fundamentação, posteriormente, foi utilizada pelo Min. Eros Grau em suas razões de decidir no RE nº 595.595 AgR/SC500 com status de precedente do Pleno em questão envolvendo o direito à educação, com efeito vinculante.

Outro exemplo de decisão maximalista se verifica no julgamento do, também já citado, RE 405.579/PR501, que envolveu a discussão sobre estender ou não benefício fiscal para além dos expressamente beneficiados pela legislação tributária, decisão na qual o Min. Gilmar Mendes realizou, em seu voto, extensa justificação quanto à sentença aditiva que o mesmo defendeu, sob tese contrária ao juiz como legislador negativo, com base em teorização acerca do papel atual dos órgãos constitucionais e de como deve se afigurar a moderna jurisdição constitucional de forma a realizar os mandamentos, valores e fins previstos na Constituição. Segundo Carlos Alexandre de Azevedo Campos, nesta ampla exposição, Gilmar Mendes deu verdadeira “aula de jurisdição constitucional e de economia”.502

Por fim, insta referir o “caso da pesquisa com células-tronco embrionárias”, julgado, em controle concentrado, na ADI nº 3510/DF.503 Para chegar na análise das questões jurídico-constitucionais atinentes, mormente, ao direito à vida, à dignidade humana, ao direito à saúde, à autonomia da vontade, ao planejamento familiar e aos “direitos infraconstitucionais do embrião pré-implanto”, dentre outros, e, ao final, reconhecer a “legitimidade das pesquisas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e o constitucionalismo fraternal”, o órgão constitucional teve de percorrer caminhos extrajurídicos e analisar conceitos essencialmente científicos, como, por exemplo, para entender o que são células-tronco embrionárias e para determinar quando é que começa a vida humana e a partir de que momento incidem os direitos da personalidade, bem como enfrentar questões de ordem moral.504

499 CAMPOS, 2014, p. 304.

500 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma, RE 595.595, Rel. Min. Eros Grau, julgado em

28/04/2009, DJ de 29/05/2009.

501 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, RE 405.579/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado

em 01/12/2010, DJ de 04/08/2011.

502 CAMPOS, 2014, p. 305.

503 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgado

em 29/05/2008, DJ de 28/05/2010.

504 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgado

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Pelo que se denota, a dimensão maximalista do ativismo judicial é claramente verificada na atuação do STF, representando, certamente, uma das grandes manifestações ativistas deste órgão.

No documento 2017GustavoBuzzato (páginas 168-173)