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2.3 Introdução aos atos de malhar

2.3.2 Ato de malhar: um ato de prazer, e a dor?

Em nosso templo pudemos observar cenas que mostravam alguns corpos com fisionomias expressando dor, cansaço, contrações musculares e também outros expressando alegria, disposição e descontração, que em princípio podem parecer ser contraditórias. Entretanto, lá se mostraram como face da mesma moeda, já que o gerenciamento de impressões (GOFFMAN,1984) esteve e está presente o tempo todo em nossas interações sociais e lá não podia ser diferente. Assim como a emissão de gemidos também faz parte do show, estes que podem ser ora por prazer, ora por dor, como a cena descrita abaixo em nossas notas de campo:

“A mulher estava se exercitando em um equipamento denominado de mesa flexora, máquina que trabalha os glúteos e o músculo posterior da coxa. Nesta máquina a posição que o indivíduo se encontra é deitada e em plano horizontal com o ventre para baixo com as mãos sobre os pegadores, pernas totalmente estendidas e tornozelos sob os apoios. O exercício é realizar flexão simultânea dos joelhos através de contração dos músculos posteriores da coxa, até próximo às nádegas e, em seguida, retornar à posição inicial através da contração excêntrica do mesmo. A mulher estava num estado que parecia ser de hipnose ou transe, seu movimento era ritmado e pudemos observar que ela fazia o exercício de olhos fechados, emitia umas caretas, gemia e espremia o corpo todo. O prazer que ela estava tendo parecia

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O marketing experiencial é uma forma de marketing desenvolvida por Schmitt (2002)que privilegia ações voltadas para incrementar a experiência do consumidor no ponto de venda. Pela descrição já elaborada neste trabalho pode-se perceber que havia uma preocupação e um cuidado para que os fiéis encontrassem o templo sempre pronto para lhe atender de forma que o sacrifício fosse menos doloroso. Atividades em grupo fora da academia eram incentivadas como, por exemplo: caminhadas ecológicas, triathlon, entre outras.

quase um prazer sexual estava notório. O que foi confirmado com um instrutor que se aproximou e falou, em um tom de riso: está bonzinho o exercício aí não é? Nessa hora ela tomou um susto, pois, emitiu um gesto involuntário que causou uma ruptura na situação, sorriu e de forma constrangida disse: é, está sim (NC. Ex.23. §5- lin 41-52)”24.

Na supracitada interação, podemos afirmar que houve uma preocupação das duas partes em salvar a própria face havendo uma cooperação tácita para que ambos atingissem seu objetivo, mesmo que por motivos diferentes (GOFFMAN, 1984). O instrutor tentou salvar o seu espetáculo, defendeu o seu papel de diretor da encenação, e com uma prática defensiva, e de forma polida realinhou a aluna à situação, afinal estávamos em um local público, local que veta aquele tipo de conduta.

Eles compartilharam um segredo para que o show continuasse e é comum os instrutores compartilharem esse tipo de segredo com seus alunos. Segredos sobre a biologia do nosso corpo, os instintos presentes nele e sua forma de funcionamento, como por exemplo, dias em que as mulheres estão menstruadas e que não conseguem acompanhar o treino proposto ou quando há lesões que um treino excessivo pode causar.

Em uma conversa com um dos instrutores, sobre essa particularidade do corpo feminino ele nos fala em tom compreensivo parecendo entender o que se passa em nosso universo: “é um período que a mulher vai estar inchada e se sente feia. Aí, porra, você não vai estressá-la mais ainda por causa disso. Tem que fazer um treino menos estressante25”.

Para podermos sentir e saber o que é o prazer precisamos conhecer a sua outra face, a dor, pois sabemos que os significados que construímos em torno das nossas experiências se dão frente às alteridades. A dor, então, é um fato social comum entre os praticantes desta atividade física. Existem tipos de dor, por exemplo: a dor que a pessoa sente quando está iniciando a atividade física, essa é uma “dor normal”, tem a dor resultante de um exercício mal executado, essa é uma “dor anormal” que precisa ser tratada, tem a dor causada por uma lesão em algum músculo ou tendão, tem a dor que a pessoa sente quando muda de treino e

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NC (Extrato 23). Título: Verde e Amarelo! É copa. Esta nota aborda observações sobre temas diversificados onde podemos destacar três principais: (1) a socialização na academia quando esta fixa em suas paredes “cartazes-convites” para assistir os jogos da seleção com o grupo; (2) o momento certo para a atualização do praticante da atividade física e (3) a dificuldade de emagrecer, entre outros. Data: 29/05/06 (Segunda-feira). Hora de Entrada: 8:30. Hora de Saída: 10:00. Horas de campo: 53h20min. Hora das Notas: 23:00. Treino na Musculação.

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EN (3): Título: Entrevista com Instrutor. Data: 02/11/06 (Quinta-Feira). Início: 9:00. Término: 10:10. Transcrição: 12:30. Local: Academia. Perfil do instrutor: estatura mediana, 25-30 anos, cabelos e olhos castanhos claros, corpo forte com músculos bem delineados, ex-magro, se autodefine como sendo um consumidor consciente de proteínas para aumentar a massa muscular. Em sala de aula desempenha o papel de um professor que incentiva as alunas, é super rigoroso em relação a execução do exercício e fica estimulando sempre o aumento da carga.

tem aquela “dorzinha gostosa” que a pessoa sente quando o músculo começa a arder devido ao esforço físico. Assim, a dor pode ser um sofrimento físico ou moral, uma mágoa, uma aflição, e também pode ser um fato de condolência ou piedade, mostra-se então como ruptura da situação do treino, mas também como um fato “esperado”.

Por um lado a prática da musculação pode evitar lesões, já que é um esporte programado e calculado, o qual não há a interferência direta de outros praticantes em sua execução, é supervisionado, em um sentido diferente de um jogo de futebol, por exemplo, mas por outro ela as incita se não houver o equilíbrio na sua prática tanto por parte do praticante quanto do instrutor.

Uma lesão para o praticante de musculação é o que Goffman (1984) chamaria de ruptura, ou seja, de uma ação que ameaça a integridade de uma performance social. Como fala Fábio, um dos nossos instrutores: “o que mais vejo aqui na academia é a galera começar toda empolgada, sempre querendo pegar mais peso porque vê resultados no corpo e aí exagera. Não adianta exagerar, porque, no final rola lesão aí o indivíduo fica sem treinar, perde a saúde. Não é pior?” (NC. Ex.21. §3- lin 31-35)26.

A musculação é hoje, uma das atividades mais recomendadas, todas as pessoas podem fazer, seja para quem quer emagrecer, aumentar ou definir a musculatura, como também, para quem quer evitar lesões e até tratá-las, além de ficar “sarado” e com um corpo forte, saudável e bonito. Este ambiente nos pareceu estar em fase de transição e aberto a novos públicos e não só aos homens e jovens como fora outrora.

As mulheres, os idosos e idosas também estão começando a freqüentar a área da musculação com os seus devidos escudeiros, os personal trainers, esses que os ajudam a fazer “as honras da casa” e acolhê-los já que, o ambiente “público” resiste um pouco as suas presenças, privilegiando estímulos que não lhes apetecem: músicas altas em estilo techno, professores muito jovens e os Outros que são ainda em sua maioria os que lhe causam estranhamento.

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NC (Extrato 21) Título: A droga dele é Fábio. Conversa com um dos instrutores da academia sobre lesões, a questão da ingestão de drogas anabolizantes entre os praticantes de musculação e observações a cerca do perfil dos praticantes que varia de acordo com o horário do dia. Data: 26/05/06 (Sexta-feira).Hora de Entrada: 20:45. Hora de Saída: 22:10. 50h20min. Horas de campo: 50h20min. Hora das Notas: 23:50. Treino na Musculação. Perfil de Fábio: estatura média-baixa (1.65), corpo esguio, mas musculoso, super definido, cabelo claro, curto, usa sempre gel, pele clara. Valoriza a conscientização do corpo e acompanha a presença dos alunos no treino de perto. Temas: Ironia sobre a ausência da aluna no treino.