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3 Tecnocultura, corpo e cultura de consumo

3.2 Histórias do Corpo [Pós]Moderno

O ano é 2007 e ao ligar a televisão e assistirmos um filme ou novela ou então ligarmos o computador e jogarmos um “game” observamos imagens de corpos de mulheres extremamente magros, esguios, esquizóides, anoréxicos e esquizofrênicos, corpos que representam o mal estar da subjetividade em que o sujeito contemporâneo se encontra que é reflexo da crise de um sentido existencial.

Assim, por ser parte da existência, o pensar o corpo hoje é pensar suas performances, seus limites, espaços de experimentação, automodelagem e expressão, onde sua recusa ou aceitação é uma possibilidade oferecida ao sujeito humano a partir do distanciamento obtido pela consciência de seu corpo, fruto da sua relação ontológica.

Desta forma, ao nos depararmos com o nosso sujeito (a malhadora) que constrói seu corpo e sua subjetividade por meio do consumo de tecnologias avançadas, percebemos sinais que alertam para a existência de conflitos que essa hibridização pode gerar, pois não há uma comunhão perfeita nessa interação. Assim, há que se falar das repercussões dessa fusão [da domesticação do corpo frente a tecnologia], desta forma, propomos uma reflexão mais aprofundada sobre os acidentes gerados pela mistura do técnico e do vivo.

Uma das conseqüências dessa mistura é a ocorrência de uma “seleção artificial” dos indivíduos, em contraposição à “seleção natural”. Pois, a questão da sobrevivência em nossa sociedade atual está atrelada à performance [aceleração] que o corpo exibe, ou seja, à sua fachada, que é comprada e que, ao exigir capital a ser investido, gera entre outras coisas, discriminação. Temos um corpo animal que está sendo alimentado pela técnica, ou seria uma técnica que está sendo alimentada pelo nosso corpo animal [irracional]? Assim, como nos diz Virilio (1992, p.32):

“Inventamos máquinas microscópicas que podemos ingerir, digerir, e que são, às vezes, biodegradáveis. Quando se fala de “domesticação”, “design dos comportamentos” é verdadeiro através da música, dos transportes rápidos, do modo de viver, mas também através das biotecnologias que vão criar uma mistura entre o técnico e o vivo”.

Que relações podemos estabelecer entre o corpo “próprio” da malhadora e sua saúde? Que tipo de degradação ele causa e apresenta? Assim, a compreensão do corpo (da malhadora) que exibe integrismo técnico tanto na dimensão exterior quanto na interior necessita de uma visão antropológica global, que considere as invenções que fazem parte do seu conhecimento, e que nos faça aprender que ordem e desordem não são excludentes e que

podem dar lugar a algo novo. É em torno da construção desse “novo” que investiremos nossos esforços intelectuais.

Na era industrial, o corpo era manipulado de forma coercitiva, era instrumento da produção, e era lugar de disciplina e controle. Na sociedade pós-industrial, caracterizada pela difusão do saber e da informação, onde a técnica corporal-científica trabalha para torná-lo [mais] acelerado, [mais] perfeito porque só assim, torna-se passível de ser socializado, o controle é mais sutil. Fato que nos leva a crer que o novo espectro global de fluxos, redes e imagens é destinado a controlar, sobretudo nosso cidadão consumidor [a malhadora] através da produção incessante de serviços e desejos.

Na prática esportiva da malhadora há uma busca frenética por ultrapassar os limites da sua resistência e quando se supõe seu esgotamento [algo inerente ao corpo humano?], entram em cena o hiperabastecimento e a reativação pelas técnicas (i.e., as bebidas energéticas, as barras de cereais, as proteínas, entre outras). Assim, podemos dizer que a imagem de um corpo fatigado ([des]humano?) que ela possa exibir vive do seu desaparecimento. Desta forma, a aparência do stress é substituída pela transparência de um ritmo físico programado [acelerado] que a libera das condições de existência aprisionada nos limites tradicionais do esforço natural [lento] que ela incorpora e leva para outras dimensões da sua vida. No fitness

center, o corpo só resiste e funciona por causa dos excessos, dos estimulantes e dos excitantes

tecnológicos.

Podemos dizer, então que o objetivo, tanto dos transplantes como dos recentes nutrientes técnicos é acelerar o corpo, excitá-lo de modo a suplantar o ritmo da vida conhecido até então. A superexcitação dos indivíduos visa integrar o aspecto físico e o mental, aperfeiçoar os reflexos, construir a dinâmica vital para a hiper-vitalidade do sujeito, requerida pela contemporaneidade.

Nada disso seria possível se não vivêssemos a era da completa valorização do corpo técnico. Quanto mais nos desgarramos da terra, que é sempre a referência básica existencial e física, mais nos separamos do nosso corpo. Deixamos para trás os suportes materiais e as experiências imediatas para nos exilar na imaterialidade de um novo outro-mundo, um novo outro modelo corporal, num eterno presente de contínua atualização (MENDONÇA, 2001; VIRILIO, 1996a).

Assim, apresentamos um contínuo com duas formas de existência corporais: a primeira é a forma de um corpo inválido que se cerca de próteses para controlar o seu meio sem se deslocar fisicamente. É o homem que opta pelo sedentarismo tecnológico [inércia],

que insiste em parar, em fugir das leis da aceleração. É o sujeito que usa as máquinas para potencializar e estender as funções corporais, mas que também deseja fugir delas em muitos momentos. A segunda forma é ter um corpo válido, superequipado de telecomandos de todo tipo. Esse é o homem que escolhe se submeter à fatalidade e ao luxo do excesso, ao prazer de estar sempre testando, expandindo e superando seus limites físicos. O corpo válido é aquele que é sempre atualizado. Ele é, em si mesmo, sideral e valoriza a forma nômade da corporeidade.

Desta forma, sob a era da obsessão do corpo “próprio” [perfeito], quando a estrutura anatômica dos indivíduos se converte em pura representação e está protegido, integrado às novas próteses, o risco maior se configura na recusa ou na impossibilidade de manter-se com um corpo tecnicamente adequado, pois sua obsolescência é rápida, assim como a velocidade da luz. Ou seja, o Homem (a malhadora) cujo corpo não esteja integrado na performance dos aparelhos técnicos é uma nova excluída da sociedade (do templo) (COUTO, 1990).

Frente ao exposto até agora, podemos dizer que na cultura tecno-científica, que é a nossa, enfrentamos um vício (cultural) que vai desde a fetichização [erotização] do corpo à sua dissecação pelas atividades de conhecimento. Vivemos entre um marketing consumista e uma teoria do conhecimento intelectual, onde o corpo suspira, arredio às suas manipulações simbólicas, como sendo um objeto de projeto, e não um objeto de desejo como fora outrora (ALMEIDA, 2001). Que diferença aponta, então, esse corpo dessa época e de outras épocas? O que é o corpo humano, no fim das contas133?

O corpo é um tema cheio de ambigüidades nas categorizações culturais, pois é a coisa percebida mais visível e familiar e é, ainda, um ponto cego que tende a desaparecer no próprio ato da percepção ou, mais generalizadamente, na relação com o mundo de fora. Assim, oposições binárias podem ser observadas na natureza do corpo: ele é o mesmo e o outro; sujeito e objeto; práticas e conhecimento; ferramenta e matéria bruta a ser trabalhada.

Visto sob uma abordagem experiencial, o corpo parece oscilar entre presença e ausência. É o modo de estar no mundo, é uma entidade embebida dentro de uma ordem

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Inspiramo-nos nesse momento no poema de José de Alencar, “A pata da gazela”, que diz: “O que é o corpo humano no fim das contas? O que é o contorno suave de um talhe elegante, e a cútis acetinada de um rosto ou de um colo mimoso? Um pouco de matéria a que a luz transmite a cor, o espírito e a vida. Tirem-lhe esses dois alentos, e verão que lodo impuro e nauseante ficam sendo aquelas formas sedutoras”.

[tecnocultural], seja prática e [ou] discursiva134. Assim, o corpo é incorporação, ou seja, ele concebe, percebe, avalia e julga, de acordo com os fios que os conectam à realidade o qual está exposto, assim, o corpo deve ser entendido como um ser sensorial e sensual. Desta forma, por meio do corpo tentamos entender o incognoscível, o inefável, o invisível, o obscuro à nossa razão e aos efeitos que a cultura provoca nele. Não somos um corpo intocado, a estrutura social encontra-se simbolicamente impressa no corpo, e a atividade corporal, nada mais faz do que torná-la expressa (DOUGLAS,1988).

Assim as questões acerca da corporeidade e da incorporação nos levam diretamente para a questão do “eu” e do ator social. A caracterização do ator social tem sido um aspecto dominante em todo o desenvolvimento das ciências sociais, envolvendo questões como a racionalidade da ação social, a importância dos elementos emocionais e afetivos e o papel do símbolo e da cultura na constituição do “eu” social (FALK, 1994) 135.

Até dez ou quinze anos atrás era possível argumentar que o corpo era um tópico que tinha sido sistematicamente e seriamente negligenciado nas ciências sociais, particularmente na sociologia da cultura moderna (FALK, 1994; VILLAÇA, 1998; SANT’ANNA, 1995). A antropologia, no contexto do colonialismo europeu, se dedicou por diversos motivos a buscar no corpo um universalismo, uma ontologia que atravessasse as diferenças entre as diversas etnias. A corrente mais importante centrou-se na discussão em torno da existência do tabu e na afirmação de que o comportamento humano social seria mais determinado pelas regulações culturais que pelos instintos.

Ainda outra linha, entre o evolucionismo e a antropologia, contribuiu para o estudo do corpo humano, principalmente no período vitoriano: o darwinismo. Nela o ser humano era parte da natureza de forma a oferecer uma justificativa para as diferenças raciais e, dessa forma, o darwinismo foi convertido em teoria de sobrevivência do mais forte, para explicar as mudanças sociais (VILLAÇA, 1998; ALMEIDA, 2001).

Contudo nos anos 80 começaram a aparecer estudos que problematizaram o corpo como um tópico na teoria social e também reconheceram o corpo como um aspecto maior na

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As análises de Foucault apresentaram contradições existentes entre o corpo irracional e a ordem social. A relação íntima entre o conhecimento científico e o controle do corpo deve ser localizado dentro de uma tradição que reconheceu o problema das paixões humanas como um fator crítico da ordem social.

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Ou seja, o debate sobre o corpo tem emergido de uma insatisfação geral com o legado de Descartes sobre o ator racional que foi a fundação dos modelos de realidade das ciências sociais do século dezenove que sobreviveram na teoria contemporânea por meio da teoria da ação de Max Weber e a teoria geral da ação social voluntária de Talcott Parsons em 1950.

cultura e política moderna (FALK, 1994) 136. Michel Foucault (1981,1987,1988) foi claramente de maior significância para o desenvolvimento de uma análise geral do corpo. Uma perspectiva fenomenológica liderada por Merleau-Ponty (1962), também foi uma fonte de inspiração e o interesse na fenomenologia do corpo deve ser vista como um efeito de concepção maior com a compreensão do dia-a-dia cotidiano como o senso gerador de sentido da vida.137

O pano de fundo social para o interesse emergente na sociologia do corpo incluiu os impactos sociais e políticos do feminismo e o movimento das mulheres na academia e na sociedade como um todo, o complexo das questões legais e éticas ao redor das novas tecnologias médicas da fertilização in vitro, o desenvolvimento de técnicas de realidade virtual, o incremento da utilização dos ciborgues138 e o desenvolvimento da estética do corpo na cultura de consumo (FALK, 1994).

A sociologia do corpo é mais desenvolvida em três áreas (FAULK, 1994). Assim, primeiramente o corpo esteve sendo pesquisado em seus aspectos representacionais, examinados em termos de significado simbólico como sendo uma metáfora das relações sociais. Neste sentido, situa-se a pesquisa sobre o aspecto representacional do corpo, que tem dominado muito da tradição antropológica, e as pesquisas de Mary Douglas “Purity and

Danger” (1966) e “Natural Symbols” (1970) foram seu marco 139. A análise cosmológica de Douglas pode ser uma extensão do trabalho de Emile Durkheim (1954), Marcel Mauss (1935) e Goffman (1959) que exploraram o problema da distinção do sagrado e do profano e como isso estava relacionado à construção do corpo como uma representação das divisões sociais.

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Para o autor, o crescente interesse no corpo na área da sociologia foi sinalizado pelas seguintes publicações: de John O´Neill: “Five bodies (1985) e The comunicative body (1989)”; de Francis Barker: “Tremulous Private

Body” (1984), a “The political anatomy of the body (1983)” de David Armstrong, o “Body” (1983) de Don

Johnson e The body and Society (1985) de Bryan Turner

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Este trabalho de Merleau-Ponty foi altamente influenciado pela crítica de Martin Heidegger da metafísica do ser, pelo comentário de Edmund Husserl na filosofia de Descartes e pelo desenvolvimento paralelo do conceito de “lebenszusammenhang” da filosofia de Dilthey (FAULK, 1994).

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Os ciborgues são representações da hibridização do homem com a tecnologia, o promíscuo acoplamento, a conjunção que nos faz pensar em uma inextrincável confusão entre ciência e política, tecnologia e sociedade e entre natureza e cultura. Não existe nada mais que seja simplesmente “puro” em qualquer linha: o puramente social, o puramente político, o puramente cultural, eles são ambíguos e põe em xeque a ontologia do humano. São caracterizados pelos implantes, transplantes, enxertos, próteses. Seres portadores de órgãos “artificiais”. Seres geneticamente modificados. Anabolizantes, vacinas, psicofármacos. Estados “artificialmente” induzidos. Sentidos farmacologicamente intensificados, a percepção, a imaginação, a tesão. Superatletas. Supermodelos. Superguerreiros ou simplesmente a nossa malhadora (Silva, 2000).

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Esses trabalhos foram a fonte inspiradora intelectual de uma escola de pesquisa tradicional em torno dos problemas e perigos existentes em torno dos orifícios do corpo como representações dos perigos ao redor dos pontos transicionais da vida social. Na cultura Cristã medieval os cinco sentidos eram portas ou janelas da alma, através dos quais os perigos poderiam entrar e ameaçar a vida espiritual de qualquer indivíduo; era importante guardar essas portas.

Outro elemento que circunda os estudos representacionais do corpo humano aponta tipicamente as diferenças anatômicas entre homens e mulheres.

O segundo maior foco de desenvolvimento da sociologia do corpo tem sido em torno da questão de gênero, sexo e sexualidade. Neste ponto, as questões sobre a natureza do poder têm sido facilitadas pelos escritos feministas e gays a cerca do corpo. Muito do desenvolvimento da teoria feminista foram embarcados por trabalhos como os de Julia Kristeva (CROWNFIELD, 1992) e Donna Haraway (1989). De forma geral esse debate pode ser resumido na noção de que enquanto nós nascemos macho ou fêmea, masculinidade e feminilidade são produtos sociais e culturais. Assim, há neste segundo foco, um crescente interesse em como o hábito e a moda ajudaram a fabricar o corpo feminino (GAINES E HERZOG, 1990; LIPOVETSKY,2000).

O trabalho de Foucault na construção histórica da sexualidade foi uma grande referência nessa área. Esse trabalho foi inicialmente direcionado nas várias instituições, práticas e técnicas nas quais o corpo é disciplinado, mas seu trabalho mais recente moveu-se na direção sobre como o “eu” é produzido por meio da produção do corpo, isto é, através das tecnologias do “eu” 140 (FAULK, 1994). Nesse sentido, o sexo tem sua história construída nos discursos poderosos da religião, da medicina e da lei.

As representações de corpos de mulheres (em sociedades antigas e contemporâneas) indicam o papel social paradoxal da mulher e as apontam como sendo agentes criativos por poderem reproduzir a espécie humana, e, agentes subordinados quando se submetem ao poder patriarcal que o homem [ainda] exerce. Durante a era histórica a mulher se viu confundida com a sexualidade maléfica e foi condenada como assim o ser, e por décadas foi vista como alguém que encarnava o mal (LIPOVETSKY, 2000) 141.

Esta condenação moral/sexual esteia-se numa servidão social onde a mulher e o corpo partilham idêntica servidão e relegação ao longo da história ocidental. Assim, a questão corporal como um lugar de observação privilegiado, problematiza o discurso moderno

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“Técnicas que permitem os indivíduos afetar, por seus próprios meios, um certo número de operações em seus corpos, suas próprias almas, seus próprios pensamentos, suas próprias condutas, e isso é de uma maneira que transforma eles mesmos, se modificam, para que atinjam um certo estado de perfeição, felicidade, puridade, poder supernatural. Vamos chamar esses tipos de técnicas, de tecnologias do eu. (FOUCAULT, 1982, 10).

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Lipovetsky tematiza a mulher contemporânea como sendo a terceira mulher, a mulher que conquistou o livre governo de si própria. Em sua análise, o autor mostra que desde o início da humanidade se constata a existência de dois princípios invariantes, universais: o primeiro o que um sexo fazia o outro não fazia e segundo, um sexo teria prestígio superior ao outro, onde as atividades típicas dos homens se beneficiavam de um reconhecimento social superior ao das mulheres. As atividades femininas eram aquelas das quais não se falava ou se falava denegrindo.

instrumentalizante do corpo como sendo “apenas” produtor a serviço do capital e, vem, então, em resposta ao silêncio corporal imposto pelas injunções da sociedade cristã que glorificou uma estética da alma e não do corpo (VILLAÇA, 1998).

Desta forma, a definição sexual da mulher se esteia no recalcamento do corpo e na sua exploração, que estão situados sob o mesmo signo pretendendo este, que toda a categoria explorada (portanto ameaçadora) assuma automaticamente uma definição (BAUDRILLARD, 1997). E a partir da segunda Idade Média, uma nova lógica é implantada: a sublimação e a idealização da mulher pelos homens. A quintessência da beleza. O homem se torna servidor da mulher, da dama, mas o poder dos homens permanece. A partir do século XVIII passa a haver o reconhecimento da mulher enquanto mãe e deusa do lar. A segunda mulher de Lipovetsky (2000) é, assim, enaltecida, não modificando, entretanto, as funções sociais estabelecidas por ambos os sexos.

A mulher foi sendo construída através da divisão do trabalho ao mesmo tempo em que se transformou em consumidora, e, a partir desse momento, seu corpo começou a ser fetichizado e espetacularizado como um bem visual de consumo (STRATTON, 2001). Em torno do século XIX, o corpo da mulher foi transformado em um objeto de solicitude um veículo privilegiado da beleza, da sexualidade e do narcisismo dirigido (BAUDRILLARD, 1997). Abriu- se caminho para o “corpo erotizado” onde se predomina a função social da troca, na verdade já não é um corpo, é uma forma.

Naquela época, as mulheres que começaram a freqüentar as ruas são associadas à prostituição, então a mulher que anda pelas ruas tem seus corpos transformados em bens e atraem os olhares dos homens, e são associadas com as mulheres de classe média que vão às compras. Logo todas as mulheres são erotizadas, não somente aquelas que saem para atraí-los, mas também aquelas que levam em consideração apenas as compras (STRATTON, 2001).

Assim, na modernidade o corpo da mulher é silenciado, calado, nada se fala dele nem da sua vida íntima. O riso lhe é proibido. O prazer feminino é negado, é coisa de prostitutas. Era um corpo histérico, nervoso, louco. Há um silêncio inscrito na construção do pensamento simbólico da diferença entre os sexos, que foi reforçado ao longo do tempo pelo discurso médico ou político (MATOS E SOIHET, 2003; FOUCAULT, 1982).

Foucault (1988) menciona a histerização presente no corpo da mulher e realiza uma análise através de um tríplice processo e aquele como sendo: um corpo integralmente saturado de sexualidade, um corpo dentro do espaço familiar (do qual deve ser elemento substancial e

funcional e com a vida das crianças) e um corpo onde se encontra a mãe com a sua imagem em negativo que é a “mulher nervosa”.

O mesmo autor, em sua obra “Vigiar e Punir” demonstra que a política burguesa é, sobretudo, uma tecnologia política do corpo, uma “apropriação do corpo”. O investimento político dos corpos produz uma microfísica do poder que é definida pelo pensador como um mergulho do corpo no campo político. As relações de poder agem sobre ele de forma imediata: investem-no, marcam-no, vestem-no, suplicam-no, aprisionam-no ao trabalho, obrigam-no a cerimônias, em relações complexas e recíprocas. A emergência de disciplinas como a demografia, geografia, estatística moral e sociologia foram manifestações do grande crescimento do controle social dos corpos dentro do espaço urbano, assim, os avanços científicos não liberaram o corpo do controle externo, mas ao contrario, intensificaram os meios de regulação social.

Assim, se numa sociedade como a do século XVII o corpo do rei e sua presença física eram necessários para o funcionamento da monarquia, no decorrer do século XIX, é o corpo da sociedade que se torna o princípio básico da república aí em lugar dos rituais de preservação da integridade do corpo do monarca, serão aplicadas receitas terapêuticas para o corpo da sociedade, como a eliminação dos doentes, o controle dos contagiosos, a exclusão dos delinqüentes (VILLAÇA, 1998).

Modernamente, se pensarmos com Foucault a introjeção dos mecanismos de controle, verificamos certa ambigüidade entre disciplina e prazer em investimentos corporais. É o indivíduo que busca defender-se da degenerescência e imperfeição essencial, ou trata-se ainda de mecanismos mais sutis de manipulação por parte do poder funcionando, não mais por meio de mecanismos jurídicos ou médicos, mas pela sedução exercida pelos veículos midiáticos.