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3.3 Sanções impostas em razão da improbidade administrativa

3.3.2 Tipo de sanções estabelecidas pela Lei nº 8.429/92

A primeira das sanções contempladas pelo diploma sob análise é a perda dos bens

ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a qual se fundamenta na necessidade de

punição do uso irregular do aparato público para a obtenção de proveitos indevidos.

invoca, como paradigma, decisão proferida em face de situação concreta a que é completamente estranha a parte reclamante, tal como sucede na espécie ora em análise.” A Rcl nº 5.173 havia sido proposta pelo deputado federal Abelardo Camarinha contra ato do Tribunal de Justiça de São Paulo em análise de ação civil por improbidade administrativa, sob o argumento de que o tribunal competente para julgá-lo seria o STF, com base no julgamento do Supremo na Reclamação nº 2.138, que, à época, encontrava-se suspenso em razão de um pedido de vista do ministro Eros Grau. (SUPREMO indefere reclamação de deputado federal sobre julgamento de ação de improbidade. Notícias STF, Brasília, 15.05.2007. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=232811&tip=UN&param=>. Acesso em 08.06.2007, às 21:30).

81 Saliente-se que o Min. Marco Aurélio chegou a suscitar questão de ordem, argumentando que o julgamento da citada Reclamação deveria ser sobrestado para aguardar-se o pregão de outro processo em que fosse possível a participação do Colegiado atual. Acompanharam-no os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello (STF Informativo nº 471, de 11 a 15 de junho de 2007).

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GARCIA, Emerson. O combate à corrupção no Brasil: responsabilidade ética e moral do Supremo Tribunal Federal na sua desarticulação. Jus Navigandi. Note-se que o artido é anterior ao julgamento final da Rcl. nº. 2.138. Esse comentário, portanto, foi feito apenas com base em uma perspectiva de qual seria o resultado final do julgamento – a qual, como visto, veio a se concretizar – e não com base em seu resultado propriamente dito.

É que, uma vez identificado o enriquecimento ilícito, a perda de tais bens e valores impõe-se como uma conseqüência lógica imediata, cuja ausência importaria verdadeira “premiação” do agente ímprobo. Trata-se, pois, de sanção imposta em função do dano moral sofrido pela Administração Pública.

Nesse sentido, pune-se, inclusive, o agente cujo ato ímprobo não acarretou qualquer repercussão econômica ao Poder Público, conforme registra o art. 21,83 o que demonstra que, à Administração Pública, interessa preservar tanto o seu acervo material como o imaterial.

Essa penalidade é prevista no art. 5º, LIV, da CF,84 além de estar também inserida no próprio art. 37, § 4º, que, embora não se refira diretamente ao perdimento, prevê a indisponibilidade de bens, que é medida que o instrumentaliza.

Ela incide sobre a vantagem patrimonial indevida, direta ou indiretamente lograda pelo agente; alcança todos os bens ilicitamente adquiridos, inclusive seus frutos e produtos. E, nos casos em que não for possível a obtenção do bem propriamente dito, porque o agente dele já se desfez, o valor equivalente deverá ser extraído do patrimônio de quem foi ilicitamente favorecido.

O art. 6º determina que a perda poderá atingir tanto o próprio agente público como terceiros que tenham se beneficiado. Aqui, incluem-se também aqueles casos em que os bens ou proveitos são adquiridos através de interpostas pessoas, comumente chamadas de “testas- de-ferro” ou “laranjas”.

Outra sanção cominada à improbidade administrativa é o ressarcimento do dano, medida que tem por fim a recomposição do patrimônio público lesado, e que, por esse motivo, só será cabível nas hipóteses em que se constatar que ele tenha sofrido algum dano.

A doutrina destaca que esse ressarcimento, em sua essência, não se trata de uma penalidade, mas de um dever de reparação85 ocasionado pela convergência dos seguintes fatores: conduta comissiva ou omissiva do agente; elemento subjetivo, residente no dolo ou na

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Tal dispositivo também explicita que nem mesmo a eventual aprovação das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas afasta a aplicabilidade das sanções cominadas pelo art. 12. Com efeito, outra não podia ser a posição adotada pela lei, dado que, conforme o art. 5º, XXXV, da CF, nenhuma lesão ou ameça a direito podem ser afastadas da apreciação do Poder Judiciário. Há que se trazer à memória, ainda, que, os Tribunais de Conta, em verdade, são órgãos administrativos, e não, judicantes, pelo que não se poderia pretender que suas decisões – pareceres, propriamente falando – vinculassem o Poder Judiciário.

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Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

85 Nesse sentido, conferir: GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, p. 444; SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei nº 8.429/92, p. 79; e MEDINA, Fábio Osório. Improbidade Administrativa, p. 255.

culpa; resultado danoso ao patrimônio público; e nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Assim sendo, é conseqüência obrigatória dos atos de improbidade enumerados no art. 10, em que o prejuízo patrimonial é presumido; por outro lado, em se tratando das condutas previstas nos arts. 9º e 11, fica condicionado à efetiva verificação do dano pela Administração Pública. A existência de injustificado prejuízo ao erário, por sinal, impõe a aplicação do ressarcimento ainda que o ato não configure improbidade administrativa.

A recomposição pretendida pela lei é completa, no sentido de que abrange não apenas o prejuízo efetivo, mas também as perdas e danos decorrentes do ato,86 incluindo-se as ofensas de ordem moral. Isso porque, assim como a pessoa humana individualmente considerada dispõe de um patrimônio imaterial, também em relação às pessoas jurídicas é possível detectar um patrimônio moral a ser protegido.87

O valor arrecadado com a indenização deverá ser destinado ao patrimônio da entidade que houver sido vitimada pelo ato, conforme determina o art. 18 da lei. Porém, em se tratando das entidades referidas no parágrafo único do art. 1º, será fixado de maneira proporcional ao volume dos recursos públicos nelas investidos.

A reparação será suportada por todo o patrimônio do agente, independentemente de a sua origem ser lícita ou não, ou de os bens atingidos terem sido adquiridos antes ou depois da prática da improbidade, conforme se depreende da análise do art. 7º.88 Emerson Garcia explica que esse dispositivo se refere a duas situações distintas, as quais deverão ser levadas em consideração pelo intérprete. “Na primeira, tem-se um bem de origem ilícita, o que acarreta a sanção de perdimento; na outra, o bem tem origem lícita, mas é passível de penhora para a efetivação do ressarcimento integral do dano”.89

O art. 8º registra, inclusive, que até mesmo o sucessor de quem houver se enriquecido irregularmente ou causado danos ao Poder Público suportará as sanções da Lei nº 8.429/92. Sendo que, em tal caso, essa sujeição se limita às forças da herança, em obediência à determinação do art. 5º, XLV, da CF.

86 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa, p. 313.

87 Cite-se, nesse sentido, o enunciado nº 227 da Súmula do STJ, segundo o qual “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

88 Art. 7° - Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único - A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

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Em se tratando de pluralidade de agentes para o cometimento da improbidade, o dever de ressarcir configura solidariedade passiva, nos moldes já dispostos pela lei civil.90

O art. 12, da Lei de Improbidade Administrativa prevê ainda como forma de punição a perda da função pública, penalidade que atinge qualquer espécie de ligação que o agente mantenha com a Administração Pública, e que, portanto, só não se aplica ao particular beneficiário ou partícipe do ato.91

A efetividade dessa reprimenda não se restringe ao âmbito do governo a que o agente estava ligado quando incorreu em improbidade administrativa. Pelo contrário, incidirá mesmo que, ao tempo do julgamento da ação, não esteja mais ocupando o cargo de que era detentor à época dessa prática – desde que ainda possua algum vínculo com a Administração Pública, naturalmente.

O fundamento para essa afirmação está em que não convém manter nos quadros administrativos – seja em qual for a função ou o cargo – pessoa que se sabe não estar comprometida com os valores éticos e morais que os norteiam. Aliás, é por esse mesmo motivo que se sustenta que, nos casos de acumulação permitidos pela Constituição da República,92 o perdimento recairá, inclusive, sobre o outro cargo ou função eventualmente ocupado pelo agente, mesmo que não tenha sido utilizado para o cometimento da improbidade.

A lei nada menciona a respeito da possibilidade de tal punição ser estendida para produzir também a cassação da aposentadoria do agente público condenado pela prática da improbidade administrativa.

Há quem sustente que “a improbidade praticada na atividade era causa que impunha a desvinculação compulsória, motivo pelo qual a sentença anula a aposentação e aplica-lhe a perda da função pública”.93 Carlos Frederico Brito dos Santos, por seu turno, argumenta que a aposentadoria só poderá ser atacada “na hipótese do ato que o transferiu para a inatividade ter sido publicado depois da sentença condenatória, mesmo que esta ainda seja passível de recurso”.94

90 Art. 942, caput: Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

91 Atenta a essa realidade, a lei, prudentemente, utilizou-se da expressão “no que couber” em seu art. 3º.

92 O art. 37, XVI, da CF, permite a acumulação excepcional de cargos públicos apenas em três hipóteses: dois cargos de professor, um cargo de professor com outro técnico ou científico, ou dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

93 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa, p. 322. 94

A suspensão dos direitos políticos, quarta penalidade a que se reporta a Lei nº 8.429/92, está relacionada à privação de prerrogativas básicas dos cidadãos, como o direito de voto e o de iniciativa das leis, na forma permitida pela Constituição, além de outros, como “o direito de ajuizar a ação popular; o direito de criar e integrar partidos políticos; e a legitimidade para o oferecimento de denúncia em face do Chefe do Executivo pela prática de infração político-administrativa.”95

Recomenda a doutrina que essa suspensão seja aplicada de forma associada à de perda da função pública:

É que, se a condenação à suspensão dos direitos políticos implica, lógica e necessariamente, a perda da função pública, para cujo exercício se pressupõe que o agente esteja no seu pleno exercício (art. 14, § 3º, II, e 37, I, da CF), não teria o menor sentido a destituição do agente ímprobo da função pública por não ser digno de permanecer no serviço público e, ao mesmo tempo, permitir, em tese, que tal pessoa possa se inscrever em concurso público ou se candidatar a cargo eletivo (...) No entanto, como a nossa Constituição Federal, felizmente, no seu art. 5º, inciso XLVII, não admite qualquer penalidade de caráter perpétuo, é imperioso se fixar um período para que o agente público condenado como ímprobo possa ser devidamente reabilitado. Daí, por decorrência lógica, a necessidade da conjução entre a sanção da perda da função pública com a da suspensão dos direitos políticos para a solução do impasse. Como a segunda penalidade mencionada estabelece um lapso temporal de duração, podemos afirmar que, desde que cumulada com a primeira, estará reabilitado para o exercício de qualquer função pública aquele condenado por ato ímprobo quando forem recuperados os seus direitos políticos pelo decurso do prazo de suspensão determinado pelo juiz.96

Além das sanções expressamente previstas no texto constitucional, a Lei nº 8.429/92 ainda introduziu duas outras formas de punição, a saber, o pagamento de multa

civil e a proibição de contratar com o Poder Público.

Essa ampliação da lei em face da Magna Carta não representa nenhuma irregularidade, haja vista não ser taxativa a lista constante do art. 37, § 4º, nem se tratar de matéria reservada ao domínio de lei complementar. Ademais, a Constituição não criou nenhum empecilho à instituição de novas sanções pelo legislador infraconstitucional, além dos impedimentos constantes do art. 5º, XLVII.97

A multa civil é sanção de natureza pecuniária, que, assim como a pena de ressarcimento do dano, é estabelecida com vistas à reparação pelo abalo moral suportado pela

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GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, p. 482.

96 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei nº 8.429/92, p. 82. 97 Art. 5º, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.

Administração Pública. Prescinde, portanto, da verificação de danos materiais, conforme já reconhecido em sede jurisprudencial:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESPESAS DE VIAGEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. IRREGULARIDADE. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO. DANO AO ERÁRIO. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE. SANÇÃO DE RESSARCIMENTO EXCLUÍDA. MULTA CIVIL REDUZIDA.

1. A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Precedente da Turma.

2. A aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade independe da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo tribunal ou conselho de contas (art. 21, II, da Lei 8.429/92).

3. Segundo o art. 11 da Lei 8.429/92, constitui ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, notadamente a prática de ato que visa fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência (inciso I), ou a ausência de prestação de contas, quando esteja o agente público obrigado a fazê-lo (inciso VI). 4. Simples relatórios indicativos apenas do motivo da viagem, do número de viajantes e do destino são insuficientes para comprovação de despesas de viagem. 5. A prestação de contas, ainda que realizada por meio de relatório, deve justificar a viagem, apontar o interesse social na efetivação da despesa, qualificar os respectivos beneficiários e descrever cada um dos gastos realizados, medidas necessárias a viabilizar futura auditoria e fiscalização.

6. Não havendo prova de dano ao erário, afasta-se a sanção de ressarcimento prevista na primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de

improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos).

7. Sentença mantida, excluída apenas a sanção de ressarcimento ao erário e reduzida a multa civil para cinco vezes o valor da remuneração recebida no último ano de mandato.

8. Recurso especial provido (STJ, Segunda Turma, REsp 880662/MG, Recurso Especial 2006/0170488-9, rel. Min. Castro Meira, j. em 15.02.2007, DJ de 01.03.2007).

É cabível para todas as espécies de improbidade administrativa, devendo ser aplicada segundo a escala do art. 12. Ou seja, em caso de enriquecimento ilícito, até duas vezes o valor do acréscimo patrimonial decorrente; em se tratando de lesão ao erário, até duas vezes o valor do dano; e até cem vezes a remuneração percebida pelo agente, no caso de violação dos princípios administrativos.

As quantias auferidas com o pagamento de tal multa devem ser revertidas para a entidade prejudicada, por aplicação analógica do art. 18. Nesse ponto, a lei diverge do art. 13, da Lei nº 7.347/85, segundo o qual eventual condenação em dinheiro imposta em sede de ação civil pública deverá ser revertida para um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais.98

Por último, o art. 12 se refere à pena de proibição de contratar com o Poder Público, que se estende a todas as esferas de governo – federal, estadual e municipal – na Administração direta, indireta e fundacional, e que atinge até mesmo a pessoa jurídica de que seja sócio majoritário o agente público ou o particular que tenha concorrido para a prática do ato. Também não se exclui, para efeitos de incidência dessa pena, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

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Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados (Art. 13, da Lei nº 7.347/85).

4 INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA