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Regramento da prescrição segundo o tipo de vínculo que o agente mantém com

4.2.1 Agentes públicos detentores de mandato, ou ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança

A Lei nº 8.429/92 previu duas disciplinas distintas para a prescrição nas ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, a depender do tipo de vínculo que o agente ímprobo mantenha com a Administração Pública.

Em se tratando de liame meramente temporário, de existência precária ou com tempo de duração pré-fixado, o prazo prescricional será aquele estabelecido no inciso I do art. 23. Isto é, o processo judicial poderá ser instaurado dentro de um intervalo de cinco anos, e somente começará a fluir após a extinção do mandato, do cargo em comissão ou da função de confiança.

A postergação do início da contagem do lapso prescricional tem como principal objetivo evitar que a influência proporcionada pela posição que o agente ocupa dentro da Administração Pública seja utilizada para manipular informações ou, por qualquer outro meio, dificultar a apuração dos fatos. Dessa forma, a manutenção do vínculo com a Administração Pública funciona como uma causa impeditiva do curso prescricional.

A doutrina ensina que são abrangidos pelo inciso I os parlamentares (vereadores, deputados federais, estaduais e distritais e senadores) e os chefes do Poder Executivo (presidente da República, governadores de Estado e do Distrito Federal e prefeitos municipais). Incluem-se nessa regra, ademais, os contratados temporariamente (art. 37, IX, da CF), os convocados e os requisitados, além dos delegados de função pública. Isto é, todos aqueles cuja ligação com o Poder Público tem um prazo de vigência preestabelecido, assim como é o dos exercentes de mandatos eletivos e de cargos comissionados ou funções de confiança.105

Sérgio Monteiro Medeiros106 cita ainda os membros de conselhos, tais como o penitenciário, o de saúde e o de educação, das diversas esferas de governo, e os presidentes de

105 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa, p. 335. 106

agências federais de regulação – ANP, ANATEL, e ANVISA, por exemplo –, além de outras funções públicas de caráter provisório, “tais como as de jurado, mesário (eleições) e conciliadores de Juizados Especiais Federais.”

No que respeita à sucessão de mandatos eletivos, a prescrição somente terá início com o encerramento do último deles, mesmo que o ato de improbidade administrativa tenha sido praticado durante o primeiro.

Essa tese poderia ser confrontada com o argumento de que um novo mandato é fruto da renovação da vontade popular, de cuja formação participaram eleitores distintos dos que votaram no primeiro, o que determinaria a incomunicabilidade entre a responsabilidade pelos atos praticados durante cada um deles.

Todavia, tal entendimento acabaria por vilipendiar o principal motivo que determina o adiamento do início da prescrição para o fim do mandato, o qual consiste em assegurar que o cargo não será manipulado para frustrar as investigações e fazer perpetuar a impunidade. Dessa forma, é o término do último mandato que faz iniciar o fluxo prescricional, como também conclui Emerson Garcia:107

Em abono dessa conclusão, podem ser elencados os seguintes argumentos: a) o art. 23, I, da Lei nº 8.429/92 fala em exercício de mandato, o que afasta a possibilidade de se atrelar o lapso prescricional ao exercício do mandato durante o qual tenha sido praticado o ato; b) a reeleição do agente público denota uma continuidade no exercício da função em que se deu a prática do ilícito, o que, apesar da individualidade própria de cada mandato, confere unicidade à sua atividade; c) as situações previstas no art. 23, I, da Lei nº 8.429/92 tratam de vínculos de natureza temporária, estando o lapso prescricional atrelado à sua cessação, o que somente ocorrerá com o término do último mandato; d) a associação do termo a quo do lapso prescricional à cessação do vínculo está diretamente relacionada à influência que poderá ser exercida pelo agente na apuração dos fatos, o que reforça a tese de que a prescrição somente deve se principiar com o afastamento do agente; e e) a sucessão temporal entre os mandatos não pode acarretar a sua separação em compartimentos estanques, pois consubstanciam meros elos de uma corrente ligando os sujeitos ativo e passivo dos atos de improbidade.

4.2.2 Agentes públicos ocupantes de cargo efetivo ou de emprego público

Para os agentes ímprobos ocupantes de cargo efetivo e para os empregados públicos, o inciso II do art. 23, da Lei nº 8.429/92 determina que o prazo prescricional cabível

107 GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, p. 521. Essa é também a opinião esposada, entre outros, por Sérgio Monteiro Medeiros (Lei de Improbidade Administrativa, p. 248).

será aquele previsto em lei específica para as faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público.

Nesse passo, assim dispõe o art. 142, da Lei nº 8.112/90 (destacou-se):

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência. § 1o

O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

§ 4o

Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.

O termo a quo, como se vê, é aquele em que o fato se tornou conhecido, o que é perfeitamente compreensível, haja vista que, antes de ter conhecimento da ilicitude, o agente encarregado da respectiva investigação não poderia principiá-la.

Veja-se que essa nota agravante – “a bem do serviço público” – não mais é utilizada no âmbito da Lei nº 8.112/90, embora conste da Lei nº 8.026/90, que autoriza a pena de demissão, a bem do serviço público, ao servidor público federal que der causa ao não recolhimento, no todo ou em parte, de tributos, empréstimos compulsórios ou contribuições devidos à União, ou que, mediante ação ou omissão, facilite a prática de crime contra a Fazenda Pública.108

A inexistência dessa espécie de demissão no diploma dos servidores públicos da União faz concluir que o prazo prescricional da pretensão ocasionada pela improbidade administrativa será aquele mesmo previsto para a mais grave das sanções contempladas naquela norma, que é a demissão.109

108 Por outro lado, referida expressão continua em uso no âmbito do Estatuto dos servidores públicos civis do Estado do Ceará, Lei nº 9.826/74, cujo art. 200 autoriza sua aplicação para a demissão motivada pela prática de crime contra a administração pública, e em caso de aplicação irregular dos dinheiros públicos, que resulte em lesão para o Erário Estadual ou dilapidação do seu patrimônio.

109

A qual, de acordo com o art. 132 da citada lei, será aplicada nos seguintes casos: crime contra a administração pública; abandono de cargo; inassiduidade habitual; improbidade administrativa; incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; insubordinação grave em serviço; ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; aplicação irregular de dinheiros públicos; revelação de

Embora os trabalhadores das empresas públicas e das sociedades de economia mista sejam regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não é ela que determinará o lapso prescricional a eles aplicável, pois o texto consolidado, embora tipifique as faltas que autorizam a demissão do empregado, não cuida do prazo de perecimento das pretensões. Isto posto, a solução mais adequada é a que estende a esses agentes, o prazo previsto na Lei nº 8.112/90.110

O mesmo se diga em relação aos empregados das pessoas jurídicas que recebem recursos do erário – hipótese aventada pelo parágrafo único do art. 1º, da Lei de Improbidade Administrativa. Tais agentes também estão sujeitos à regra do art. 23, II, com aplicação analógica do regime jurídico dos servidores públicos da esfera correspondente.111

Sendo o agente do ilícito administrativo ocupante de cargo público e, concomitantemente, detentor de cargo ou função comissionada, com aquele relacionado ou não, também incide a regra art. 23, II. Isso porque a responsabilidade pela falta funcional decorrente do exercício daquele cargo ou função comissionados acaba por repercutir, ainda que reflexamente, no próprio cargo efetivo, no mínimo, por violação aos deveres de lealdade e moralidade administrativa, referidos no art. 116, do estatuto funcional.

Em relação ao terceiro que, aliado a um agente público, também participe da improbidade administrativa ou se beneficie dela, o lapso prescricional aplicável é mesmo previsto para os que mantêm um vínculo com o Poder Público.112 E, havendo mais de um agente público envolvido, sujeitos a prazos diferentes em razão da natureza distinta de seus vínculos, aplica-se ao terceiro o maior dos prazos incindíveis.

A razão para isso está em que o particular, estranho aos quadros públicos, quando envolvido em atividades dessa natureza, encontra-se sempre associado a um dos agentes de que fala o art. 2º, da Lei nº 8.429/92, de modo que as mesmas punições impostas a ele se

segredo do qual se apropriou em razão do cargo; lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; corrupção; acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; e transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117, da Lei nº 8.112/90.

110 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa, p. 337. 111

GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, p. 526.

112 Em sentido contrário, Mauro Roberto Gomes de Mattos: “diante do silêncio da supra referida norma legal, que não focaliza a situação jurídica dos particulares/terceiros prevalece a regra geral da prescrição, que é de cinco anos, contados do fato tido como irregular ou ilícito. Este raciocínio decorre da determinação do artigo 2º, do Decreto nº 20.910/32, que impõe o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o exercício de “todo o direito”, sem exceção, contra a Fazenda Pública ou dela para os administrados. Dessa forma, a prescrição para o particular/terceiro que não exerça função pública deve ser de 5 (cinco) anos, contados da data do ato tido como ímprobo, pois do contrário, haverá a colisão com a regra geral de prescrição” (O limite da improbidade

administrativa: o direito dos administrados dentro da lei nº 8.429/92. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica,

aplicam, no que couber, àqueles. Com a prescrição, não poderia ser diferente, pois, como expõe Carlos Frederico Brito dos Santos:113

(...) como o agente estranho ao serviço público somente pode praticar ato de improbidade em concurso com o agente público, ou na qualidade de beneficiário do ato deste, ocorre em tais casos que a comunicabilidade ao terceiro da

circunstância de ser um dos partícipes um agente público, aplicando-se aos demais,

conseqüentemente, as mesmas penalidades, desde que cabíveis, daí decorrendo que ao terceiro se aplica o mesmo prazo prescricional aplicável ao agente público – com o qual tenha concorrido para a prática do ato ilícito, ou de cuja ação ou omissão ímprobo tenha se beneficiado.

Essa questão, aliás, já foi objeto de análise pelo STJ, que assim se manifestou a seu respeito:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REQUERIMENTO DE NOTIFICAÇÃO REALIZADO FORA DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. DIES A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 23, INCISO I, DA LEI Nº 8.429/92. EXTENSÃO. PARTICULAR.

I - O Tribunal a quo entendeu que a propositura da ação não teria o condão de interromper o prazo prescricional se o autor não pleiteia a notificação prevista no § 7º do artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com os acréscimos impostos pela MPV nº 2.225/2001, dentro deste período.

II - Ocorre que a norma acima aludida não impõe alteração aos critérios de interrupção do prazo prescritivo, impondo-se desta feita a observância do artigo 219, § 1º, do Código de Processo Civil.

III - Assim, em sendo realizada a notificação imanente ao § 7º do art. 17 da Lei 8.429/92, mesmo fora do prazo qüinqüenal do artigo

23, inciso I, daquele diploma legal, deveria o magistrado prosseguir com as providências previstas nos parágrafos seguintes para, acaso recebida a petição inicial, ser realizada a citação e efetivada a interrupção da prescrição com a retroação deste momento para o dia da propositura da ação.

IV - O dies a quo do prazo prescricional, aplicável aos servidores públicos e agentes políticos, previsto no art. 23, inciso I, da Lei nº 8.429/92, é extensivo aos particulares que se valeram do ato ímprobo, porquanto não haveria como ocorrer tal ilícito sem que fosse em concurso com agentes públicos ou na condição de beneficiários de seus atos.

V - Recursos especiais providos, para afastar a pecha da prescrição e determinar o prosseguimento do feito com as ulteriores providências legais (STJ, Primeira

Turma, REsp 704323/RS, Recurso Especial

2004/0138333-2, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 16.02.2006, DJ de 06.03.2006).

113 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei nº 8.429/92, p. 94.

Há casos em que a lei específica estabelece que as faltas administrativas que também configuram crime terão sua prescrição regulada segundo a lei penal, tal como se vê no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90. Diante dessa determinação legal, o prazo aplicável haverá de ser calculado segundo a pena aplicada em concreto no juízo criminal.

Emerson Garcia114 anota que, uma vez efetivada a prestação jurisdicional no âmbito cível, caso a prescrição venha a ser posteriormente reconhecida na seara penal, o agente público condenado pela improbidade poderá recorrer às ações autônomas de impugnação para se beneficiar de seus efeitos.