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2 O POLICIAL NA FORÇA PÚBLICA

2.2 Atos de indisciplina e punições

A entrada e a permanência na Força Pública do Ceará para vários policiais não foram fáceis nem muito menos tranquilas. Os comandantes enfrentavam muitas dificuldades e resistências para transformar os voluntários em “verdadeiros” soldados de polícia. Tornava-se complicado fazer com que muitos dos recrutados,

176 WEYNE, Alfredo Nunes. Pedaços do meu passado: memórias. Fortaleza: IOCE, 1981. p.

113.

177

Minutas de Ofício do Secretário de Justiça e Segurança Pública ao Comandante-Geral da FPC, 29/09/1914, APEC, Lv. 131.

acostumados com uma vida incompatível com a faina militar, aceitassem as regras militares, pois teriam que ter obediência cega aos superiores, disciplina rígida e respeito hierárquico, ou seja, quesitos que muitos nunca tinham experimentado em suas vidas. Um dos principais problemas enfrentados na Polícia Militar estava relacionado com os atos

de indisciplina dos policiais.179 Para os comandantes da Força, os

hábitos e os costumes avessos à disciplina militar, como bebidas e festas, tornavam-se pesados obstáculos à boa ordem institucional. Abaixo segue um quadro representativo dos principais motivos que ocasionavam a exclusão dos policiais.

Quadro 1 – Motivos de Exclusão de Praças da Força Pública do Ceará (1912- 1913)

Motivos da Exclusão Números de Policiais

Excluídos Alcoolismo Crônico 24 Má Conduta 36 Incapacidade Física 55 Ordem superior 01 Falecimento 04 Deserção 57 Assassinatos 03

Entregues ao Foro Civil 05

Excluídos c/ baixa na 4.ª Cia

14

Fonte: Relatório do Comandante-Geral (29/08/1912 – 31/05/1913).

Embora não sendo, em números, os principais motivos para exclusão das praças, o alcoolismo e a má conduta ganharam as duas primeiras colocações no quadro elaborado pelo comandante geral Alípio Barros, como mostra a tabela acima. Nos ofícios, reiteradamente, os comandantes reclamavam do consumo de álcool pelos policiais. O vício do álcool acometia não apenas praças e inferiores, mas, também, a muitos oficiais de alta patente. Nos anos de 1920, intensificou-se a

179 Em seu estudo sobre o Corpo Permanente paulista, André Rosemberg também destaca que

havia resistência por parte dos policiais às regras disciplinares da corporação. Ver: ROSEMBERG, André. De chumbo e festim: uma história da polícia paulista no final do Império. São Paulo: USP; FAPESP, 2010. p. 236.

preocupação em combater o alcoolismo entre os policiais. O consumo de álcool em outras corporações policiais do mundo era uma realidade preocupante para os comandantes e dirigentes. Segundo o historiador francês Houte, um dos maiores motivos de punição na gendarmerie era o alcoolismo, não, por acaso, intensificam-se políticas de combate ao consumo de álcool entre os gendarmes, durante a República (1880- 1914).180 No Ceará, por exemplo, em 1929, na cidade de Fortaleza, foi organizada pelo Secretário de Polícia, Dr. Mozart Catunda Gondim, uma “Semana Antialcoólica”, quando foram realizadas palestras em

determinados espaços da cidade, como no quartel da Força Pública.181

A leitura da fé de ofício dos policiais revela os muitos dias em que estes ficavam presos, principalmente por má conduta, tal como eram definidos aos olhos dos comandantes os atos de infração das disciplinas impostas pela corporação. Vários membros da Força Pública não colocavam em prática os valores e as regras da instituição. A vida de muitos policiais na corporação constituía-se em verdadeiro rosário de indisciplinas e transgressões.

Como foi visto, grande parte dos voluntários provinha do interior do Ceará e não possuía nenhuma experiência militar ou mesmo contato com a corporação policial antes de alistar-se na Força Pública do Ceará. Na fé de ofício da maior parte dos policiais e nos livros de assentamentos a que se teve acesso, registrava-se “sem ofício” quando se referiam às ocupações anteriores. A maioria nunca havia entrado em contato com a disciplina e a rotina de trabalho. Estes e outros fatores poderiam tornar a adaptação às rotinas militares um processo demorado e, às vezes, impossível. Na Força Pública, o analfabetismo de boa parte dos recrutas e de oficiais impossibilitava o acesso aos regulamentos policiais e às leis homologadas. Os comandantes tinham dificuldade para que seus homens assimilassem e pusessem em prática a disciplina, as regras e os valores da Força Pública.

Esforço maior era fazer com que os membros da Força vivessem e pensassem como policiais militares. Em 1902, o policial Apolônio João de Deus ficou preso por quinze dias por se encontrar dormindo no serviço. No ano seguinte, foi novamente preso por quinze

180 HAUTE, Arnaud-Dominique. Le métier de gendarme au XIXe siècle. Rennes: PUR, 2010.

p. 178.

181 FONTELES NETO, Francisco Linhares. Vigilância, impunidade e transgressão: faces da

atividade policial na capital cearense (1916-1930). 2005. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005. p. 61.

dias, sendo quatro na penitenciária e onze no xadrez do quartel, por ter dormido durante a patrulha na Praça do Ferreira. No ano de 1907, permaneceu preso por dez dias por andar nas ruas de Fortaleza sem a devida licença, depois do toque de recolher ao Quartel.182 Existia a resistência de parte dos egressos do ensino de recrutas de pôr em prática os códigos e comportamentos da instituição. A praça Francisco Pedro de Freitas permaneceu recolhido oito dias no xadrez, em 1904, por não ter prestado as devidas continências ao tenente-coronel fiscal. No mesmo ano, Freitas, durante a formação realizada diariamente na caserna, apresentou-se sem uniforme, o que lhe custou oito dias de

encarceramento.183 A falta de zelo com o uniforme era corriqueiro entre

os policiais, o soldado João Francisco Ignácio, em 1921, foi repreendido

por ter formado com as botinas sujas.184

Esta era uma realidade que se apresentava em outras corporações militares. A organização de escolas foi uma tentativa para fazer com que os militares assimilassem e aprendessem os valores e regras institucionais. No final do século XIX, no Exército, procurou-se instituir escolas dentro dos quartéis como uma forma de incentivar não apenas a alfabetização, mas também a disciplina dos militares. Na Força Pública do Ceará, possivelmente, o tempo em que o voluntário permanecia no ensino de recruta não era o bastante para aprender as regras comportamentais exigidas pela instituição. O policial Francisco Pedro de Freitas, em 1904, teve que retornar para o ensino de recruta porque não aprendera a fazer as devidas continências para os superiores. 185

Alguns policiais, conforme visto na seção anterior, não chegavam a frequentar, de imediato, o ensino de recruta, como Apolônio João de Deus, que ingressou em 1902 na Força e, apenas no ano de 1915, passou a “[...] frequentar as aulas de instrução para os recrutas até habilitar-se”. 186

É muito provável que o ensino oferecido para os recrutas não tivesse como meta maior adestrar corpos e mentes, mas habilitar os neófitos no manejo das armas. Não apenas na Força Pública, mas em outras instituições militares, como o Exército, as escolas tiveram pouco efeito

na formação disciplinar dos homens que ingressavam.187

182

Fé de Ofício do Cabo Apolônio João de Deus, 1930. APEIC.

183 Fé de Ofício do Soldado Francisco Pedro de Freitas, 1928. APEIC. 184 Fé de Ofício do Soldado João Francisco Ignácio, 1929. APEIC. 185 Fé de Ofício do Soldado Francisco Pedro de Freitas, 1928. APEIC. 186

Fé de Ofício do Cabo Apolônio João de Deus, 1930, APEIC.

187

BEATTIE, Peter M. Tributo de sangue: exército, honra, raça e nação no Brasil, 1864- 1945. São Paulo: Edusp, 2009.

A falta de condição material que grassava na Força Pública do Ceará tornava-se um problema, pois dificultava, por exemplo, os investimentos na formação dos policiais. Inexistiam casernas que pudessem servir de centros pedagógicos. Durante boa parte da Primeira República, pouco se encontram vestígios sobre medidas voltadas para a construção de espaços adequados para o treinamento militar dos policiais. Os quartéis do interior eram localizados em antigas casas alugadas sem as mínimas condições para os comandantes realizarem a formação das tropas e os exercícios militares regulares. Na capital onde se localizava o comando geral da Força, muitas vezes algumas companhias dos batalhões, por falta de acomodações adequadas no quartel-general, ficavam alojadas em prédios alugados. Em 1922, o comandante major Lanes Bernardes Júnior informava que uma das companhias da Força Pública achava-se instalada no prédio da Fênix Caixeiral.188 No quartel da Força, não existiam espaços adequados de treinamento regular para transformar o policial em agente especializado nas técnicas e nos saberes do policiamento militar. Tentou-se modificar esta situação em meados da década de 1920, quando timidamente construiu-se um novo quartel geral na cidade de Fortaleza; entretanto, as reclamações relativas à falta de espaços para o adestramento disciplinar e militar dos policiais continuaram tanto na capital como nas cidades do interior. A Força cearense não estava sozinha neste cenário, pois, como afirmou Bretas, as forças policiais, no início do século XX, “[...] em quase toda parte do mundo, tinham pouco ou nenhum treinamento formal”.189

Na Força Pública, como uma corporação militar, buscava- se impor uma rígida disciplina através da organização hierárquica, da supervisão do trabalho, da rigidez dos horários, das punições, dentre outros expedientes normalizadores. Intencionalmente, os comandantes

pretendiam formar novos hábitos e impor uma disciplina de trabalho190

militar. Entretanto, alguns não se dobravam diante das imposições da corporação. Não por acaso o comandante-geral, em 1921, mandava que fosse recolhido ao xadrez da Força, antes de ser excluído, o cabo de

188

Informação do Comando-Geral da FPC ao Presidente do Ceará, 29/06/1922, APEC, Lv. 51.

189 BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no

Rio de Janeiro, 1907-1930. Tradução de Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997b. p. 144.

190

THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial. In: ______. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 267-304.

esquadra Manuel Joaquim Gomes, acusado de se insubordinar diante das ordens do 3.º sargento Garcia Alves Maia. O comandante destacava que a carreira militar do cabo Gomes era “[...] um verdadeiro acervo de

vergonha para a Força Pública”.191

O cabo Gomes e outros policiais não eram afeitos à rotina e à ordem militar. Muitos, de forma forçada, conviviam permanentemente com a disciplina, pois não possuíam famílias na cidade onde estavam destacados, restando-lhes permanecer dentro do quartel. Na caserna, para os que lá moravam, existia o toque de recolher, que se configurava num dos principais motivos para as indisciplinas. O policial João de Moura Brasil, em 1910, ficou preso por vinte e cinco dias e foi rebaixado do posto que ocupava por ter faltado à revista do recolher, apresentando-se apenas onze horas da noite; como punição,

ficou impedido de ausentar-se do quartel.192 No ano de 1924, o cabo de

esquadra João Clemente permaneceu encarcerado dez dias no xadrez do quartel por ter deixado a caserna sem permissão e se direcionado para

um “[...] chinfrim de mulheres da vida”.193

As mulheres e o álcool eram partes integrantes do cotidiano dos policiais da Força Pública do Ceará. As desordens provocadas pela ingestão demasiada de bebidas alcoólicas não estava restrita aos membros que compunham os graus mais rasos da hierarquia da Força Pública. Em 1914, o tenente Luiz Farias de Oliveira encontrava-se no Café Benfica, em Fortaleza, “[...] bastante embriagado, promovendo escândalo”. Tomando conhecimento do fato, o comandante-geral, coronel Pedro de Alencar, mandou, imediatamente, o tenente Conrado Alves de Lima trazer o colega de farda Luiz Farias para o quartel. Entretanto, o tenente Lima encontrou o indisciplinado oficial Farias de Oliveira na manhã do dia seguinte nos braços de uma meretriz em um bordel localizado na Praça dos Voluntários, perto da praia. Como se tratava de reincidente na mesma transgressão, o coronel Alencar encaminhou o caso do tenente Luiz para a competência do presidente do Estado, à época, o interventor federal coronel Setembrino de Carvalho.194

Os policiais da Força Pública do Ceará costumeiramente enredavam-se nas sedas e nos cantos das meretrizes, perdendo a

191 Minuta de Ofício do Comando Geral da FPC ao Chefe de Polícia, 12/02/1921, APEC, Lv.

47.

192

Fé de Ofício do Major João de Moura Brasil, 1928. APEIC.

193

Fé de Ofício do Cabo João Clemente, 1927, APEIC.

compostura que se supunha ser própria dos homens da ordem. Em 1924, foram abertas sindicâncias para apurar o envolvimento do 2.º tenente Raimundo Ferreira Lima no conflito ocorrido nas dependências da pensão195 da madame Dondon, que nada mais era do que uma casa de “mulheres da vida”. O tenente Ferreira Lima era cliente da meretriz Maria da Assunção, mais conhecida pelo apelido de “Nenen”. Na noite do dia dezenove de junho, enquanto o oficial esperava “Nenen” arrumar-se, aparecera o sírio Carlos Kayat dizendo que iria levá-la para uma festa. Devido já ter acertado um encontro com “Nenen”, o tenente Raimundo Ferreira Lima a proibiu de sair com o sírio. Entretanto, na ausência do tenente, a meretriz acabou acompanhando Kayat na dita festa e, quando retornou, o oficial da Força estava à espera dos dois na pensão. O tenente, sentindo-se traído, ameaçava matar tanto a meretriz como o sírio. A altercação deu-se dentro de um dos quartos da pensão da madame Dondon, “[...] havendo nesta ocasião exibição de parte a parte de armas” de fogo. Diante da “gritaria” e das ameaças mútuas de morte, os frequentadores do estabelecimento chamaram um guarda cívico, que conseguiu conter os ânimos dos envolvidos na discussão e

encaminhá-los para o posto policial.196 No relatório final da sindicância,

não consta que o tenente Ferreira Lima tenha sofrido qualquer tipo de punição.

Como salientou Bretas, analisando as forças policiais do Rio de Janeiro, “[...] o convívio da polícia com a prostituição era tão íntimo – em muitos sentidos – e constante que não podia ser meramente

repressivo”.197 Os policiais faziam parte do público masculino que

circulava pelas zonas de meretrícios das cidades, obviamente que muitos homens da Força Pública do Ceará recorriam aos serviços prestados pelas mulheres que trabalhavam nas “casas de recursos”. Os exemplos citados acima revelam que, às vezes, os policiais excediam-se e acabavam cometendo atos de desordem, como o do tenente Raimundo Ferreira Lima. Deve-se ressaltar que o contato dos policiais com as bebidas alcoólicas e com as mulheres tornava-se mais fácil devido aos quartéis da Força, tanto no interior como na capital, ficarem nas proximidades do centro das cidades. Os policiais não viviam isolados, mas conviviam com os civis, devido à localização e à disposição física

195 Os cabarés também eram chamados de pensão e “casa de recursos”. 196 Sindicância contra o 2º Tenente Raimundo Ferreira Lima, 1926, APEIC. 197

BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro, 1907-1930. Tradução de Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997b. p. 199.

dos quartéis. A proximidade com as casas de jogos, bares, cafés e cabarés fazia com que os policiais enveredassem nos caminhos dos notívagos; nem os policiais residentes nos quartéis resistiam aos chamamentos da vida noturna.

Imagem 7 – Fachada do Quartel Geral da Força Pública na Praça Marques de Herval (1892-1923)

Fonte: MIS (2014)

Em busca de maior liberdade, alguns policiais dividiam aluguéis de casa, transformando-as em verdadeiras repúblicas. O major Alfredo Nunes Weyne escreveu, em suas memórias, que, quando foi promovido ao posto de tenente, alugou uma casa juntamente com dois ou três oficiais onde pudessem “viver em maior liberdade e independência”. A casa situava-se na Rua 24 de Maio, em Fortaleza, nas proximidades do Quartel Geral, o qual se localizava, à época, na Praça Marques de Herval.198 O major lembra-se de que “[...] na república reinava grande animação”, pois os outros oficiais “[...] tocavam flauta, violão e outros instrumentos, destacando-se dentre eles o tenente César de Castro e Silva por ser exímio flautista”. Em noite de luar, os oficiais

deixavam a república para fazer serenatas na Praia do Mucuripe e, enquanto os “companheiros acompanhavam a melodia em seus instrumentos”, o major Weyne, recorda-se, ficava “[...] responsável pela parte do canto”.199

Na casa-república, diferentemente da caserna, o oficial Weyne e seus camaradas de farda podiam esquivar-se dos olhares inquisitoriais dos comandantes e das temidas punições impostas pelos regulamentos da Força Pública.

As punições violentas marcaram negativamente a imagem do Exército e da Marinha, que, durante boa parte do século XIX, lançaram mão de uma “[...] vasta gama de torturas, incluindo golpes

com varas, com a pranchada da espada ou com palmatórias”.200

Conforme anteriormente mencionado, depois das reformas da década de 1870, os castigos corporais foram extintos apenas no Exército, pois, mesmo com a proibição, os castigos físicos continuaram sendo aplicados corriqueiramente na Marinha brasileira. O rol de penas disciplinares da Força Pública acompanhou as medidas regulamentares instituídas pelo Exército Nacional. Na polícia militar cearense, as punições físicas eram consideradas ilegais.

Algumas punições aplicadas aos policiais indisciplinados, exclusivamente na década de 1910, revelam que a Força Pública do Ceará, também, pautou-se por rígidas penalidades. As punições não chegaram a punir fisicamente os policiais, até porque era ilegal; mas os corpos dos soldados da Força que cometiam atos de indisciplina sofriam, por exemplo, com a deficiente alimentação que recebiam quando ficavam presos. Em 1912, o comandante da Força informava ao comando do 56.º Batalhão de Caçadores do Exército que as praças Antonio Justino Alves e Júlio Porciano da Silva tinham sido recolhidas ao xadrez do quartel por dez dias com direito à ração diária composta de

pão e água201, os motivos, provavelmente, tenham sido o envolvimento

dos policiais em conflitos com homens do Exército.

Na Primeira República, as rixas e rivalidades entre policiais da Força Pública e soldados do Exército tinham se tornado comuns no Estado do Ceará. Analisando os conflitos entre a Polícia

199 WEYNE, Alfredo Nunes. Pedaços do meu passado: memórias. Fortaleza: IOCE, 1981. p.

22-23.

200 BEATTIE, Peter M. Tributo de sangue: exército, honra, raça e nação no Brasil, 1864-

1945. São Paulo: Edusp, 2009. p. 276.

201

Minuta de Ofício do Comando-Geral da FPC ao Comando do 56.º Batalhão de Caçadores, 03/07/1912, APEC, Lv. 32.

Militar do Rio de Janeiro e os membros do Exército, o historiador Marcos Bretas afirmou que a:

[...] indefinição dos papéis que cabiam a estas instituições na sociedade brasileira, agravada pela relevância e a frequência da atividade política dos militares no nascimento da República, impunha que seus passos fossem controlados pela polícia, ao mesmo tempo em que fazia com que os militares tentassem garantir a justiça fiscalizando o trabalho policial.202

Mas os conflitos não aconteciam apenas com os homens do Exército, os policiais da Força indispunham-se com membros de outras corporações militares. Em alguns momentos, os marinheiros ou aprendizes entravam em confronto com os policiais da Força Pública do Ceará. Em 1913, o comandante-geral da Força Pública enviava um ofício para o comando da Escola de Aprendizes Marinheiros informando que:

Chegando ao meu conhecimento que duas praças deste Batalhão, quando de patrulha, embriagaram- se e maltrataram dois menores da Escola sob o vosso digno Comando, cientifico-vos que as mesmas foram recolhidas a célula por 25 dias a pão e água, devendo serem excluídas, por má conduta, logo que concluam o castigo hoje imposto.203

A punição para os policiais que concorriam em indisciplinas, além da reclusão no xadrez e da ração a pão e água, podia ser agravada com a expulsão. Na pesquisa, os poucos casos encontrados de punições a pão e água concentraram-se nos primeiros anos da década de 1910. Mudança significativa ocorreu na década de 1920, quando foi aprovado o Regulamento Interno da Força Pública do Ceará, aproximando-o de forma estreita dos aspectos punitivos instaurados pelo Exército, o que não é de se estranhar, pois, no ano de 1918, a Polícia

202 BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997a. p. 54.

203

Minuta de Ofício do Comando-Geral da FPC ao Comando da Escola de Aprendizes de