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2 O POLICIAL NA FORÇA PÚBLICA

2.4 Garantias trabalhistas: licenças, férias, pensões e reformas

Na leitura das leis e decretos homologados para a Força Pública do Ceará, percebeu-se que os policiais foram, ao longo das três décadas do século XX, ganhando direito a licenças, a férias, a reformas,

234 BEATTIE, Peter M. Tributo de sangue: exército, honra, raça e nação no Brasil, 1864-

1945. São Paulo: Edusp, 2009.

235

ROSEMBERG, André. De chumbo e festim: uma história da polícia paulista no final do Império. São Paulo: USP; FAPESP, 2010.

e os familiares, em caso de morte do policial, recebiam pensões. Situação semelhante experimentaram os policiais da Força Pública de São Paulo, que, no decorrer da Primeira República, passaram a ter um sistema de reforma e de férias.236 Neste período, outras categorias de trabalhadores no Brasil não tinham as mesmas garantias trabalhistas que os policiais militares. Em estudo sobre o movimento operário no Brasil da Primeira República, Cláudio Batalha salienta que, em caso de doença ou invalidez, “[...] o trabalhador que não contasse com um fundo beneficente da empresa, ou que não contribuísse por sua própria iniciativa para alguma forma de sociedade que fornecesse auxílios, via-

se inteiramente desassistido e tinha sua sobrevivência ameaçada [...]”.237

Diferentemente de outras categorias de trabalhadores do país, algumas forças policiais do Brasil, como a cearense, possuíam direitos que lhes asseguravam serviços médicos, férias, aposentadoria e licenças.

Às vezes, a rotina fazia com que vários policiais adoecessem, fazendo com que corriqueiramente solicitassem licenças médicas. O 2.º tenente Eurico Rocha, em 1930, encontrava-se afastado por seis meses das lides policiais porque estava sofrendo de “enfraquecimento geral”. Ao retornar da licença, o médico recomendou- lhe mais dois meses, pois ainda sofria do mesmo mal.238 Pela lei n.º 1.642, homologada em 1918, o policial da Força Pública do Ceará tinha direito a seis meses de licença, com direito ao soldo, em casos de saúde, e sem remuneração alguma, caso fosse tratar de assuntos particulares. Se os ferimentos ou moléstias fossem contraídos em serviço, o policial

gozava de um ano de licença com vencimentos integrais.239

Além das licenças, os policiais tinham direito a férias com vencimentos, mas muitos deles, principalmente os oficiais, passavam vários anos sem tirar suas férias. O capitão Firmino de Araújo solicitou seis meses de férias, em 1928, pois havia dez anos que não gozava de férias e nem licenças.240 Em 1926, foram concedidos seis meses de férias ao 2.º tenente Raimundo Domingues Ribeiro, com as vantagens e

236

FERNANDES, Heloísa Rodrigues. Política e segurança: força pública do estado de São Paulo – fundamentos histórico-sociais. São Paulo: Alfa-omega, 1974. p. 170.

237

BATALHA, Cláudio. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 11.

238 Minuta de Ofício do Comandante-Geral da FPC ao Secretário de Polícia e Segurança

Pública do Ceará, 04/02/1930, APEC, Lv. 85.

239

Lei n.º 1.642, de 8 de novembro de 1918, que reorganiza a Força Pública do Estado.

240

Informação n.º 2.189 do Comandante-Geral da FPC ao Secretário de Polícia e Segurança Pública do Ceará, 22/11/1928, APEC, Lv. 79.

os vencimentos integrais.241 Analisando algumas fés de ofício, verificou-se que muitos policiais não chegaram a gozar de férias durante toda a carreira na Força Pública. O major João de Moura Brasil permaneceu na Força entre 1902 a 1928 e não se registrou pedido de férias.242 Entretanto, deve-se ter cuidado com esta documentação, pois, em diversos momentos, os comandantes-gerais reclamavam da falta de zelo dos policiais responsáveis pelo departamento de escrituração. Muitas informações da vida profissional dos policiais deixaram de ser escrituradas nas fés de ofício. Existia muito extravio dos livros de registro, principalmente nos períodos de deposições de governos, revoltas e sedições. A falta de informação nos livros de escrituração às vezes prejudicava os policiais quando requeriam contagem de tempo de serviço para efetivar a reforma.

Em 1907, na forma de lei estadual, foi aprovado um plano de reforma por tempo de trabalho apenas para os oficiais da Força Pública. Pela letra da lei, os oficiais que contavam com vinte e cinco anos de serviços efetivos eram reformados no mesmo posto e com soldo por inteiro; já os que tivessem de vinte e cinco a trinta anos, com soldo por inteiro e graduação do posto imediato. Os oficiais com trinta a quarenta anos na Força reformar-se-iam com soldo por inteiro do posto

imediato e graduação do subsequente.243 Até esta data, não se

encontraram leis, decretos ou regulamentos versando sobre a reforma por tempo de serviço das praças da Polícia Militar. Em 1918, depois do acordo firmado entre o Governo do Ceará e o Ministério da Guerra, tornando a Força Pública em reserva do Exército, e com a subsequente reorganização da Força, ocorreu a organização de um plano de reforma para as praças e os oficiais. Para efeito de reforma, os policiais, oficiais e praças ficavam equiparados aos funcionários civis do Estado do Ceará. O oficial poderia perder o direito de reforma caso fosse demitido ou desertasse; já a praça perderia quando da sua exclusão ou deserção. Oficiais e praças teriam direito à reforma com soldo por inteiro até vinte e cinco anos quando por lesões ou ferimentos viessem a se inutilizar para o trabalho policial.244

Ao estender o direito de reforma às praças da Força, o Estado buscou criar mais um mecanismo que evitasse insatisfações

241 Fé de Ofício do 2º Tenente Raimundo Domingues Ribeiro, 1929. APEIC. 242

Fé de Ofício do Major João de Moura Brasil, 1928. APEIC.

243

Livros de Leis do Ceará – Lei n.º 896, de 05/08/1907.

dentro da corporação e fizesse o policial permanecer na instituição. Como em outras polícias do país e do mundo, na Força Pública do Ceará a rotatividade dos policiais que ocupavam os graus mais rasos da hierarquia dava-se de forma constante, pois não eram todos que se enquadravam na dinâmica de disciplina nem persistiam na incerta política de promoção da instituição. As reformas por invalidez tornavam-se uma importante garantia para os policiais, pois trabalhar na Polícia Militar, responsável pelo controle do território, tinha seus riscos e, em muitos momentos, o labor policial tornava-se bastante perigoso, especialmente quando se tratava de combater cangaceiros no sertão do Ceará e nos Estados fronteiriços. Não foram poucos os policiais que, diante dos infortúnios que a vida profissional lhes apresentava, recorreram à reforma devido à invalidez.

As reformas por lesões e ferimentos não eram raras entre os policiais da Força Pública do Ceará. Corriqueiramente, destacamentos e companhias volantes entravam em confronto com grupos de cangaceiros pelo sertão do Ceará. O policial João Clemente, em 1925, foi promovido ao posto de cabo de esquadra por bravura, pois, no ano de 1924, tomou parte em um tiroteio na Serra do Araripe, sul do Ceará, contra um “[...] elevado número de bandidos”. O cabo de esquadra no Boletim Regimental n.º 72 foi elogiado pelo “[...] valor e denodo com que soube rechaçar” os bandoleiros. O destemido João Clemente requereu reforma por ferimentos e acabou submetido à inspeção de saúde por uma junta de médicos do Estado. Os médicos assinaram o laudo confirmando que o cabo João Clemente estava inutilizado, devido a ferimento com arma de fogo, causando-lhe um defeito físico na perna direita. Em 1927, contando trinta e cinco anos de idade, o policial Clemente foi reformado com o soldo integral no valor de sessenta mil réis (60$000).245 Destino diferente teve o policial Raimundo Cosme, que, em 1926, foi baleado na coxa esquerda durante uma diligência na cidade de São Matheus. Ficou internado na Santa Casa de Misericórdia e em seguida transferido para a Enfermaria da Força Pública. No ano de 1927, foi destacado para a cidade de Barbalha

para tratamento terapêutico a fim de restabelecer sua saúde.246

Raimundo Gomes foi considerado incapaz pelos médicos da polícia, em 1927, e pela junta médica do Estado, em 1928. Os dois laudos constataram que, devido aos ferimentos, o cabo tivera que amputar a

245

Pedido de Reforma do Cabo de Esquadra João Clemente, 1927, APEIC.

coxa esquerda. Ao final das contas, depois de cinco anos, conseguiu reforma em 1931, com soldo integral no valor de novecentos e vinte mil réis (920$000).247

Nestes casos de pedido de reforma por ferimentos e lesões, o processo de concessão dos direitos do policial era bastante lento. O caso do cabo Raimundo Cosme, dentre outros, demonstra a lentidão burocrática do Estado para conceder os benefícios dos policiais. O cabo Cosme sofreu os ferimentos e lesões no ano de 1926, ficou internado durante um mês na Santa Casa de Misericórdia e quinze dias na Enfermaria da Força Pública. No ano de 1927, ele foi inspecionado e considerado incapaz pelo major médico reformado da polícia Bruno Miranda Valente. Em 1928, como os policiais militares, para efeito de reforma, equiparavam-se aos funcionários públicos estaduais, foi submetido à outra inspeção por uma junta de médicos do Estado, que confirmaram a incapacidade física. Os laudos médicos atestavam e comprovavam a amputação da coxa esquerda, mesmo assim se homologou a reforma apenas no início dos anos de 1930. Na fé de ofício do cabo Raimundo Cosme, o último registro data de 1928 e informa que o referido militar estava destacado na primeira companhia do 1.º Batalhão da Força Pública. Este indício demonstra que o cabo, mesmo amputado, ficou trabalhando na polícia e esperando os trâmites da sua reforma. A demora na concessão da reforma por invalidez talvez se devesse ao ineditismo destas prerrogativas trabalhistas as quais colocavam os operadores do Estado em situação nunca antes experimentada.

Possivelmente, para os companheiros de farda e de infortúnios, o policial Raimundo Cosme tivera sorte, pois muitos tinham destino pior – a morte. A lei n.º 1.642, de 1918, sustentava que, mediante a morte do policial em serviço, a família receberia como pensão o soldo integral. O soldo integral era concedido à mulher viúva, às filhas solteiras até vinte e um anos, aos filhos até dezoito anos e às progenitoras viúvas. A mulher viúva, as filhas solteiras e as genitoras viúvas dos oficiais e das praças perderiam a pensão caso fosse comprovado, mediante processo regular, “[...] má conduta ou

comportamento irregular”.248

Foi recorrendo a este dispositivo legal que muitos parentes de policiais que tombaram em serviço solicitaram pensão das autoridades competentes.

247

Pedido de reforma do cabo de esquadra Raimundo Cosme, 1928. APEIC.

Maria Rufino Campos, viúva do ex-cabo Manoel Henrique Campos, requereu pensão para si e para quatro filhos menores de nome e idade, respectivamente: Francisca de quinze anos, Apolinária com onze anos, Manoel de cinco anos e Sebastião com um ano. O cabo morreu devido a ferimentos recebidos no povoado de Bom Jesus da cidade de Iguatu. Maria Campos, através das certidões de casamento e de óbito, comprovou, perante os oficiais da Força Pública e funcionários da Secretaria do Interior e da Justiça, ser casada com o falecido Manoel Henrique Campos.249 Já o policial Manoel da Silva Britto faleceu, em 1927, “em combate com o celerado bando de ‘Lampião’” no lugar “Vaca Morta” do termo de Riacho de Sangue no sertão cearense. O cabo graduado Silva Britto não possuía esposa nem filhos, apenas lhe restando a sua genitora, que requereu a pensão. D. Maria da Silva Britto tivera que provar ser viúva e mãe do falecido Manoel da Silva Britto. A Força Pública fez uma investigação documental para comprovar que o policial não era casado e não tinha filhos.250

Quando entrava na Força Pública do Ceará, o policial declarava seu estado civil. Caso o policial decidisse casar durante a carreira policial, tinha que pedir permissão para o comandante-geral da Polícia Militar. Depois de contrair matrimônio, o policial entregava a certidão do casamento como comprovante na secretaria da Força. Em 1905, o 2.º tenente Agostinho José da Costa, à época praça, teve permissão para casar civilmente com Felícia Maria dos Anjos.251 No mesmo ano, o major João de Moura Brasil, à época praça, obteve permissão para casar civilmente com Olímpia Carminda Maciel. Em 1912, com a morte de Olímpia, ficou viúvo e entregou a certidão de óbito da esposa falecida à secretaria da Força. Em março daquele ano, tivera permissão para casar com Francisca Pereira dos Santos e, depois

de um mês, entregou a certidão de casamento para o oficial secretário.252

O casamento, sem a devida comunicação aos superiores, dava vazão a punições. O capitão Arthur Medeiros permaneceu preso por quarenta e oito horas no quartel geral por ter casado à revelia das autoridades da Força.253 Esta medida visava manter o controle sobre a vida civil dos

249

Pedido de Pensão da Viúva Maria Rufino Campos do Ex-cabo Manoel Henrique Campos, 1927. APEIC.

250 Pedido de Pensão da Genitora Maria da Silva Britto do Ex-cabo Manoel da Silva Britto,

1927. APEIC.

251

Fé de Ofício do 2.º Tenente Agostinho José da Costa, 1930. APEIC.

252

Fé de Ofício do Major João de Moura Brasil, 1928. APEIC.

policiais militares. Antes do contrato civil, o policial deveria fazer um contrato militar com a instituição, podendo ser punido caso não o cumprisse. O alto oficialato da Força Pública preocupava-se em construir a boa imagem da instituição, pois os matrimônios contraídos legalmente significavam aos olhos da sociedade a aquisição de reputação, de competência e de respeito, o policial casado representava um chefe de família. O consórcio, possivelmente, era visto como um expediente para moralizar os policiais, podendo remediar o alcoolismo e as más condutas, contribuindo para alimentar o “espírito militar” de

disciplina tão ausente entre os membros da corporação.254

Havia casos em que os peticionários de pensão não encontravam amparo na forma da lei. Em 1930, o 2.º tenente Francisco Salles Moreira morreu devido a uma infecção tetânica contraída dentro do quartel geral em Fortaleza. A viúva Áurea Barbosa Moreira requereu pensão para si e para os filhos menores, mas não foi atendida em seu pedido. A Secretaria do Interior e da Justiça argumentou que o falecimento do tenente não se tratava de “[...] morte ocasionada por ferimentos recebidos no desempenho de ordem superior”. Outro argumento apresentado por aquela secretaria foi que a requerente não juntou aos autos a “[...] certidão de casamento e o registro civil de seus quatro filhos”. O Secretário do Interior e da Justiça indeferiu o pedido

de Áurea Moreira e encaminhou o caso para o presidente do Estado.255

Infelizmente, não se tem informação sobre o desfecho do requerimento de pensão da suposta viúva do tenente Francisco Salles Moreira.

Os exemplos trabalhados acima demonstram que os policiais da Força Pública, já no início do século XX, recebiam benefícios do Estado que muitas outras categorias de trabalhadores conquistariam tempos depois.

A historiografia internacional aponta que muitas conquistas trabalhistas de algumas forças policiais foram resultantes da luta organizada. Os policiais da Gendarmerie francesa dispunham desde a metade do século XIX de jornais para expor as suas reivindicações enquanto grupo de trabalhadores.256 Neste mesmo país, no início do século XX, intensificou-se o processo de formação dos sindicatos

254 CARTAYRADE, Cyril. Le marié était en bleu: les mariages des gendarmes dans le Pay-de-

Dôme au XIXe. Societés et Représentation, Paris, n. 16, p. 269-279, 2003.

255 Pedido de Pensão da Áurea Barbosa Moreira do 2.º Tenente Francisco Salles Moreira, 1930,

APEIC.

256

HOUTE, Arnaud-Dominique. Un métier en crise? La gendarmerie de la belle époque d’après ses retraités. S & R., n. 16, p. 153-165, set. 2003.

policiais, unindo forças para lutar por melhores salários e condições de trabalho, promoções e outras questões que afetavam os policiais

franceses.257 No presente estudo, não se encontrou nenhum vestígio

relativo a alguma forma de organização e de mobilização político-social dos policiais da Força Pública do Ceará. Este tipo de movimentação sindical e classista pelos policiais da Força era condenado no Regulamento Interno da instituição, de 1922, pois, nas disposições disciplinares, vetava-se a participação reivindicativa de policiais em

jornais e proibia-se o envolvimento deles em manifestações políticas.258

Entretanto, na pesquisa documental, encontrou-se a participação anônima de policiais que se manifestavam através dos periódicos da capital, principalmente com reclamações concernentes às condições de trabalho e aos baixos soldos. Em 1929, o jornal “Gazeta de Notícias” publicava uma carta inominada dos policiais da cavalaria da Força Pública com a chamada seguinte “Vivem trabalhando e ganham pouco”. O anônimo missivista denunciava que os policiais da Força não

pareciam “[...] com militares e sim com cativos”.259

É importante aventar algumas possibilidades que fizeram com que o governo do Estado do Ceará tivesse, com a lei n.º 1.642 de 1918, garantido aos policiais da Força Pública do Ceará os mesmos direitos dos funcionários estaduais civis. É muito provável que o governo estadual temesse uma aproximação dos policiais militares com outras categorias de trabalhadores que começavam a “engrossar o coro” nas ruas de Fortaleza contra os patrões através das organizações

sindicais e das ações políticas como passeatas e greves.260

Este possível temor não era descolado da realidade, pois, em outras partes do país, ocorreram algumas experiências que possibilitam enxergar uma aproximação dos militares com o movimento operário como a “revolta dos sargentos” do Exército. Em 1915, um grupo de sargentos no Rio de Janeiro aproveitou-se dos movimentos dos

257

A partir de 1912, na França, ocorreu uma intensificação do movimento sindical policial. Ver: BERLIÈRE, Jean-Marc. “Quand um métayer veut être bien gardé, il nourrit ses chiens”. La difficile naissance du syndicalisme policier: problèmes et ambiguïtés (1900- 1914). Le Mouvement Social, Paris, n. 164, p. 25-51, jul./set. 1993.

258 Regulamento Interno da FPC, 1922, pp. 38-40. 259 Gazeta de Notícias, 18/04/1929.

260

PARENTE, Eduardo Oliveira. Operários em movimento: a trajetória de lutas dos trabalhadores da Ceará Light (Fortaleza, 1917-1932). 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2008.

trabalhadores para reivindicar especialmente o “[...] estabelecimento de

um plano de carreira e o aumento dos ínfimos soldos”.261

Na pesquisa, encontrou-se apenas a explosão do quartel, no início da década de 1920, que possivelmente pode ser uma evidência da influência das ideias mobilizadas pelos trabalhadores urbanos de Fortaleza dentro da caserna da Força Pública. Mas, diante do quadro de insatisfações dos trabalhadores no Brasil deste período, as prerrogativas trabalhistas dos policiais da Força poderiam evitar identificações com os trabalhadores e prevenir possíveis descontentamentos na instituição militar que representava uma das principais vigas de sustentação do

status quo do governo estadual. As garantias trabalhistas visavam

manter a tropa satisfeita e fiel aos interesses do Governo do Ceará. A Força Pública do Ceará era apresentada pelos comandantes e pelos presidentes como uma força militar homogênea e impermeável a influências políticas. Entretanto, no panorama trabalhado nas páginas acima, percebeu-se que o policial estava inserido em uma instituição militar moldada tanto pelos regulamentos oficiais quanto por estímulos políticos externos. Em muitos momentos, as interferências políticas exógenas pareciam ter mais força fazendo com que os dispositivos regulamentares legais não saíssem do papel. Os policiais imersos na dinâmica institucional deveriam aprender que as práticas personalistas ditavam muitas das regras da corporação, pois, desde o ingresso dos policiais, passando pelas políticas relativas às promoções, até as punições disciplinares, existiam grupos ou policiais privilegiados, seja pelo alto comando da Força, seja por líderes políticos estaduais.

Dentro da lógica das “[...] práticas políticas patrimonialistas”262

, as lideranças políticas do Estado contemplavam com favores e benesses os policiais fiéis, o que permite inferir que a Polícia Militar organizou-se, em boa medida, para atender aos interesses das facções políticas dominantes. Na lógica da política do

“mandonismo”263

, apresentar a polícia imune à força dos poderes locais não passava de um sonho que era materializado apenas na retórica das autoridades públicas. De toda forma, nos discursos das autoridades