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3 A FORMAÇÃO MILITAR DOS POLICIAIS

3.2 Graduados: a Escola Regimental

A lei n.º 1.642, que (re)ordenou a Força Pública do Ceará, previa a organização de instituições para o ensino dos policiais. A primeira medida, então, foi reformular o programa da Escola Regimental, que até então se destinava, especificamente, para o ensino das primeiras letras às praças analfabetas. Depois do convênio, a Escola Regimental passou a preparar os policiais interessados nos concursos para os postos de graduados (anspeçada e cabos) e oficiais inferiores (sargentos). No início dos anos de 1920, as aulas da Escola Regimental estavam sob os cuidados de membros do oficialato do Exército, como o capitão Virgílio Borba, os 1.ºs tenentes Atahualpa de Alencar e João

Gusmão de Castelo Branco e o 2.º tenente César Monte.299 Ao longo da

década, os próprios oficiais da Força Pública assumiram a direção e passaram a ministrar os cursos da Escola.

A Escola Regimental dividia-se em três séries. A primeira série voltava-se para ensinar as primeiras letras para as praças analfabetas. A segunda série teria como meta preparar as praças para as funções de cabo. A terceira série visava preparar as praças habilitadas nas funções de cabo para as funções de sargento. O programa da Escola Regimental da Força Pública acompanhava o das Escolas Regimentais do Exército. O policial também aprendia instruções sobre os serviços policiais e conhecimentos sobre instrução jurídica básica. Em uma parte

anexa à escola, deveria funcionar uma biblioteca com livros “[...] sobre assuntos militares e policiais, história e geografia pátria”.300

Quadro 5 – Livros adotados pela Escola Regimental da FPC (1919)

Livros Quantidade

1.º Livro de Leitura (Felisberto de Carvalho)

12 2.º Livro de Leitura (Felisberto de

Carvalho)

12 3.º Livro de Leitura (Felisberto de

Carvalho)

12

1.º Ano de Gramática Portuguesa (FTD) 12

2.º Ano de Gramática Portuguesa (João Ribeiro)

12

Geometria Prática (Olavo Freire) 12

História do Brasil (Lacerda) 18

1.º Ano de Aritmética (Trajano) 12

2.º Ano de Aritmética (Trajano) 12

Geografia Curso Médio (FTD) 18

Livro de Leituras Militares 24

Fonte: Ofício do Comandante-Geral da FPC para Secretário do Interior, 20/05/1919. APEIC

Acompanhando as preocupações de outras forças armadas, a Força Pública do Ceará destinou espaço específico para o ensino da história e da geografia do Brasil. Em 1919, o comandante geral solicitava a compra de um globo geográfico para os professores

ministrarem aulas de geografia na Escola Regimental.301 A proposta de

ensino da Escola da Força Pública estava inserida na ideia de que as forças armadas, além de promoverem a defesa nacional, seriam uma espécie de bastião da nacionalidade. Em termos práticos, o conhecimento sobre a “geografia pátria” tornava-se de fundamental importância para os policiais da Força, pois, como integrantes de uma força auxiliar de 1.ª linha do Exército, a qualquer momento poderiam se

300 Mensagem do Presidente do Estado João Tomé de Saboia e Silva à Assembleia Legislativa

do Ceará, 1920, p. 45.

301

Ofício do Comandante-Geral da FPC para o Secretário dos Negócios do Interior e da Justiça, 30/06/1919. APEIC.

encontrar em combate em outros Estados. Afinal, os tempos eram de revoltas, especialmente as militares, que aconteceram em alguns momentos da década de 1920. Em 1926, contingentes constituídos de graduados, inferiores e oficiais da Polícia Militar cearense juntaram-se às tropas do Exército, e deslocaram-se por diversos Estados do Nordeste e do Sudeste combatendo a Coluna Prestes. Por exemplo, o cabo Raimundo Cosme da Força Pública, naquele ano, foi incorporado ao Exército Nacional para combater os militares revoltosos no Estado de São Paulo.302

O ensino de História, provavelmente, exaltaria os grandes feitos dos militares e políticos brasileiros. Os heróis republicanos, principalmente os responsáveis pela Proclamação da República, deveriam ganhar destaque. Não, por acaso, neste período, inaugurou-se, no quartel geral da Força Pública do Ceará, uma galeria de retratos dos presidentes da República e do Ceará. Os primeiros homenageados foram os Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Nos festejos de inauguração da Escola Regimental, o retrato do presidente do Estado, João Tomé de Saboia e Silva, ganhou lugar na galeria.303 O ensino de História e a galeria de retratos deveriam servir para demonstrar aos policiais que a Força Pública era uma corporação militar policial comprometida com a manutenção da ordem pública estadual e nacional. Houve um investimento nos elementos simbólicos para a formação do policial militar, tanto que, em 1918, o escritor Antonio Salles (letra) e o tenente músico Martiniano José Monteiro, da Força Pública do Ceará (música), compuseram a “Canção da Polícia Militar do Ceará”. É possível que, na inauguração da Escola Regimental, a banda de música da Força Pública tenha tocado essa canção.

Canção da Polícia Militar do Ceará

Do Brasil sou o livre soldado Palpitante de fé e de amor,

Se meu sabre conservo empunhado, Não conheço ambição nem rancor

Estribilho

Exclamo impávido Em tom viril,

302

Fé de Ofício do Cabo Raimundo Cosme da FPC, 1927.

Viva a República Viva o Brasil!

Meu ardente desejo de moço, É amar defender e servir Meu País, este jovem colosso Destinado ao mais belo porvir

Uma Pátria mais nobre e mais bela, Entre todas no mundo não há! Quem não morre de amores por ela? Quem seu sangue por ela não dá?

Do Amazonas ao Prata se estende Sob um céu de puríssimo azul; Coração que bondoso resplandece, Traz no peito o Cruzeiro do Sul.

Essa cruz luminosa é o emblema Da nobreza de meus ideais Que só visam à gloria suprema Das conquistas sublimes da Paz

Sou amigo da paz, porém quando A injustiça brutal pretender Nos ferir, nossa Pátria insultando, Saberei pelejar e vencer.304

Nos primeiros versos, percebe-se a intenção de formar e de educar o policial como um soldado cumpridor do seu dever patriótico. Eleva a imagem de um policial distante das questões políticas e que apenas servia aos interesses legais do Ceará e do Brasil. A canção ajuda a perceber que a Polícia Militar procurou incorporar imagens e símbolos para demonstrar que era força auxiliar do Exército, instituição militar que representava a si mesma como “[...] herdeira de uma tradição específica e com um papel a desempenhar na construção da Nação brasileira”.305

Os idealizadores da Escola Regimental pretendiam que ela fosse um dos principais veículos para difundir esta imagem entre os

304 RODRIGUES, Abelardo. Resumo histórico da Polícia Militar (1835-1955). Fortaleza:

Imprensa Oficial do Estado, 1955. p. 123.

305

CASTRO, Celso. Entre Caxias e Osório: a criação do culto ao patrono do Exército brasileiro. Estudos Históricos, Rio de janeiro, n. 25, p. 103-117, 2000. p. 104.

policiais. Teoricamente, o papel educativo da escola era estratégico, pois ficava responsável, praticamente, pela formação do grosso da tropa da Força Pública do Ceará, constituída pelos graduados. A Escola, também, deveria ter a finalidade de disciplinar militarmente e remediar as exclusões por indisciplina dos policiais que formavam os postos mais baixos da corporação policial.

Dentro desta perspectiva, em 1927, o presidente do Estado, Moreira da Rocha, informa à Assembleia que “Na Escola Regimental, além do ensino primário, que deve obedecer ao programa das escolas públicas, é dada aos soldados instrução policial, para habilitá-los a desempenharem bem a sua missão de mantenedores da ordem pública.”306

Nos documentos oficiais, a Escola era apresentada como a instituição responsável por instruir os soldados para a missão que deveria ser desempenhada pela Força Pública, qual seja: a de policiar o território estadual. Entretanto, apenas uma pequena parcela dos soldados frequentava a Escola Regimental, pois muitos dos policiais ficavam espalhados pelas companhias, batalhões e destacamentos distribuídos no interior. Por exemplo, no ano de 1924, do universo de quatrocentos e noventa e um graduados existentes na Força, matricularam-se apenas sessenta e seis, “[...] não tendo sido maior, por não poderem ter sido

matriculados as praças dos destacamentos do interior do Estado”.307

Além disso, o ensino na Escola ficava prejudicado, às vezes, por que faltava o principal elemento, o professor. Diante destas constatações, pode-se perceber o quanto a formação militar para os graduados era deficitária na corporação. Conforme visto no segundo capítulo, na Força Pública ingressava grande número de voluntários analfabetos que, mesmo sendo matriculados na Escola, permaneciam sem aprender a ler e a escrever, seja pelo desinteresse, seja pelo fraco ensino ministrado.

Na leitura dos documentos coletados, percebeu-se que as propostas da Escola Regimental não foram alcançadas, pois muitos

policiais, nos postos de graduados, demonstravam total

desconhecimento das regras disciplinares e das técnicas militares. Em diversos momentos, encontraram-se nos jornais matérias relativas à má atuação dos soldados, mostrando que a formação dos policiais de baixa

306 Mensagem do Presidente do Ceará José Moreira da Rocha à Assembleia Legislativa, 1927,

p. 30.

307

Mensagem do Presidente do Ceará José Moreira da Rocha à Assembleia Legislativa, 1925, p. 38.

patente não acontecia da forma homogênea que era apresentada nos discursos dos comandantes da corporação. Entretanto, a retórica laudatória das autoridades políticas e policiais presentes nos documentos oficiais tentava construir a imagem de uma Escola voltada para a formação de um policial militar consciente do dever cívico patriótico, destinado a desempenhar a “[...] missão de mantenedores da ordem pública”.