• Nenhum resultado encontrado

2 O POLICIAL NA FORÇA PÚBLICA

2.3 Promoções e ascensão hierárquica

É muito provável que as oportunidades de promoções despertassem o interesse do voluntário em permanecer na instituição. A polícia, como salientou Rosemberg, apresentava-se para muitos homens pobres como uma possibilidade de ascensão social. Na leitura da documentação, percebeu-se que a perspectiva de obter os galões de oficiais “partindo do degrau mais raso da hierarquia não era um sonho

211

Regulamento Policial de 1916.

impossível” 213, pois muitos dos homens que compunham a oficialidade da Força Pública haviam entrado na polícia como praças voluntárias. Em algumas fés de ofícios, podem-se colher exemplos que revelam os percursos que muitos policiais de baixa patente experimentaram até receber as insígnias de oficial.

O policial João Vieira da Silva ingressou na Força Pública do Ceará em 1903, como praça, com a idade de dezoito anos. Natural do Ceará, solteiro, sem ofício e analfabeto, medindo um metro e cinquenta e nove centímetros de altura, moreno com cabelos e olhos castanhos. O que consta na fé de ofício de João Vieira da Silva, vinte e cinco anos depois do seu ingresso na Força, é que possuía a patente de 1.º tenente e continuava analfabeto.214 O analfabetismo no corpo de oficiais era um dos principais problemas enfrentados pelos comandantes-gerais. Entretanto, o caso do oficial Vieira da Silva não era a regra. Alguns oficiais entravam como praças analfabetas e, no decorrer da carreira, aprendiam a ler e escrever. Foi o caso do policial Agostinho José da Costa, que, em 1903, ingressou como praça na corporação, sendo identificado como tendo um metro e cinquenta e oito centímetros de altura, cor preta, cabelos e olhos pretos. Era natural do Ceará, apresentando-se sem ofício, solteiro e analfabeto. Em 1907, foi matriculado na Escola Regimental como aluno, onde provavelmente aprendeu a ler e escrever. Em 1911, foi exonerado da Força. Quando, em 1915, retornou como praça, o responsável pela escrituração registrou em sua fé de ofício que ele sabia ler e escrever e tinha a profissão de motorneiro. A patente de 2.º tenente adveio, em 1926, pela bravura

demonstrada no combate à Coluna Prestes no Estado do Piauí.215

Lendo nas entrelinhas dos exemplos acima, enxerga-se que o ingresso na Força poderia proporcionar aos policiais interessados não apenas a aprendizagem das primeiras letras na Escola Regimental, mas também obter, por meio das promoções, melhores ganhos salariais e outras regalias que apenas os oficiais desfrutavam dentro da corporação. A tabela exposta abaixo é um demonstrativo dos vencimentos de acordo com o quadro hierárquico da corporação policial militar do Ceará.

213 ROSEMBERG, André. De chumbo e festim: uma história da polícia paulista no final do

Império. São Paulo: USP; FAPESP, 2010, p. 184.

214

Fé de Ofício do 1º Tenente João Vieira da Silva, 1928. APEIC.

Quadro 2 – Tabela de Vencimentos da Força Pública do Ceará (1918)

Patente Vencimentos (mil-réis)

Coronel Comandante (superior)

750$000 (gratificação)

Tenente Coronel (superior) 600$000

Major (superior) 450$000 Capitão (intermediário) 330$000 1.º Tenente (subalterno) 255$000 2.º Tenente (subalterno) 222$000 1.º Sargento (inferior) 90$000 2.º Sargento (inferior) 84$000 3.º Sargento (inferior) 78$000 Cabo (graduado) 72$000 Anspençada (praça) 66$000 Corneteiro (praça) 66$000 Soldado (praça) 60$000

Fonte: Livros de Leis do Ceará (Lei n.º 1622, de 29/10/1918).

Pode-se utilizar o quadro acima, relativo ao ano de 1918, como um instantâneo dos vencimentos dos homens da Força Pública do Ceará na Primeira República. Os estipêndios dos policiais provinham dos cofres do Estado e eram fixados todos os anos por lei. As reclamações relativas à baixa remuneração das praças, graduados e inferiores arrastaram-se ao longo do período. No início do período republicano, no Ceará, o Secretário da Justiça, Valdomiro Moreira, informava ao presidente do Estado que “[...] uma praça não pode manter-se com os exíguos vencimentos da tabela em vigor [...]”.216 No decorrer do período pesquisado, o soldo das praças chegava mais para prover as necessidades básicas. Em suas memórias, o major Alfredo Weyne afirma que o soldo do soldado de polícia era insignificante, dando apenas para auxiliá-lo em “[...] seus gastos pessoais, bem como os de sua família”.217

As praças e inferiores, além do soldo, recebiam uma irrisória gratificação e, quando estavam em diligências ou destacados no interior, tinham direito a uma mísera ajuda de custo.

216 Relatório do Coronel Valdomiro Moreira, Secretário dos Negócios da Justiça do Estado do

Ceará, junho de 1895, p. 175.

217

WEYNE, Alfredo Nunes. Pedaços do meu passado: memórias. Fortaleza: IOCE, 1981. p. 94.

Observando o quadro acima, enxerga-se a diferença de vencimentos, o ordenado das praças, graduados e inferiores não passava dos dois dígitos, ao contrário das remunerações do oficialato. Os oficiais, além do soldo e das ajudas de custo, abiscoitavam generosas gratificações, principalmente quando exerciam cargos em comissões. A ascensão hierárquica nos quadros de oficiais, de acordo com Rosemberg, poderia mudar o patamar financeiro e social do policial possibilitando-lhe adquirir bens e frequentar espaços sociais quase impossíveis para a

parcela da população da qual eram oriundos.218

Os exemplos dos tenentes João Vieira da Silva e Agostinho José da Costa revela que a ascensão hierárquica estava aberta aos membros da própria Força, permitindo às praças alcançar o oficialato sem a necessidade de demonstrarem instruções mínimas, como o saber ler e escrever. De certa forma, a inexistência de exigências mínimas para ascender ao quadro da oficialidade da Força Pública potencializava uma série de contratempos que, na ótica dos comandantes, emperravam o bom funcionamento institucional. Os oficiais da Força, ao longo da Primeira República, responsabilizaram-se pelos comandos de Batalhões e Companhias. Não era raro encontrar comandantes-gerais tecendo severas reclamações relativas ao baixo desempenho dos oficiais encarregados das atividades policiais. Às vezes, os comandantes não ficavam apenas nas reclamações, chegando a expulsar até oficiais de alta patente. Em 1912, o comandante-geral chegou a exonerar o major José Holanda do comando de sua companhia porque este não sabia “[...] exercer as funções de seu posto”.219

Ao contrário de outras corporações militares, na Força Pública do Ceará, não existia uma escola para preparar os futuros oficiais. No Exército Nacional, muitos dos oficiais, até 1897, saíam das Escolas Militares do Rio de Janeiro, de Fortaleza e de Porto Alegre. Em 1898, o Exército fechou as Escolas de Fortaleza e Porto Alegre, permanecendo aberta apenas a do Rio de Janeiro. Para ingressar em uma das Escolas, exigia-se que o candidato assentasse praça no Exército, soubesse ler e escrever corretamente o português, compreendesse as quatro operações e fosse aprovado na inspeção de saúde. O curso superior para os oficiais na Escola Militar durava cinco anos e era

218 ROSEMBERG, André. De chumbo e festim: uma história da polícia paulista no final do

Império. São Paulo: USP; FAPESP, 2010. pp. 183-198.

219

Minutas de Ofício do Comandante-Geral da FPC ao Secretário do Interior e da Justiça, 17/10/1912, APEC, Lv. 33.

afamado por sua dificuldade, principalmente, devido ao capcioso ensino

de matemática.220 Os oficiais saídos das Escolas do Exército, no final do

século XIX e início do XX, além do intenso ensino acadêmico, ainda experimentaram a socialização informal de ideias contribuindo para a

“[...] formação da mentalidade característica da ‘mocidade militar’”.221

Durante boa parte da Primeira República, não existiu Escola para oficiais na Polícia Militar cearense, apenas no final da década de 1920 foi criada a Escola Profissional de Oficiais da Força Pública do Ceará, mas, diversamente do Exército, a Escola da Força não franqueava o acesso direto aos quadros do oficialato à população civil. O não acesso de civis aos quadros de oficiais possibilita inferir que parte significativa da oficialidade da Força provinha das próprias fileiras da polícia. A inexistência da Escola de oficiais na corporação militar do Ceará contribuiu para que não se formasse no seio da Força Pública, como ocorreu no Exército Nacional, um oficialato constituído de homens instruídos e irmanados. A ausência de uma Escola abria espaço para que os critérios internos de promoção fossem alicerçados nos arranjos de patronatos, favores e personalismos. Isso acontecia, também, pela faltava de uma padronização de pré-requisitos objetivos de ascensão dentro da instituição.

Na Força Pública, a oportunidade de tornar-se membro da oficialidade, de certa forma, não estava aberta a todos que desejassem. As circunstâncias e as ocasiões poderiam catalisar ou interromper o percurso do policial aos quadros de oficiais. O conhecido 1.º tenente João Vieira da Silva, como já informado, entrou como voluntário no ano de 1903. Em sua fé de ofício, consta que, em 1913, servia de ordenança do comandante-geral. Naquele ano, foi promovido do posto de cabo de esquadra para o de 3.º sargento. Em 1914, passou a empregado na sala

de ordens do comandante-geral e logo foi promovido a 2.º sargento.222 A

trajetória do tenente João Vieira da Silva possibilita inferir que as promoções, às vezes, dependiam das relações que o policial estabelecia com os superiores e dos cargos que ocupava dentro da corporação. Estas situações eram percebidas e denunciadas pelos próprios membros da Força.

220 McCANN, Frank D. Soldados da pátria: história do Exército brasileiro, 1889-1937.

Tradução de Laura Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

221

CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 57.

Os favorecimentos dentro da Força Pública do Ceará parecem ter incomodado o 2.º tenente Antonio Pereira do Nascimento. Natural de Pernambuco, na sua fé de ofício, constam as seguintes características: barbado, moreno, cabelos pretos, olhos castanhos, boca regular, nariz grosso, rosto redondo e um metro e sessenta centímetros de altura.223 Em 1927, abriu-se sindicância contra o oficial Nascimento sob a acusação de falar mal da oficialidade e de afirmar que muitos que possuíam patentes de oficiais dependeram de favores de políticos do sertão e dos superiores hierárquicos. Em alguns depoimentos, como o do 2.º sargento Antonio Pereira Lima, constava que o tenente Nascimento jactava-se de não ter “[...] precisado de ninguém para se tornar oficial”. 224

Na fé de ofício, consta que o policial Antonio Pereira do Nascimento ingressou como voluntário, em 1914. O jornal Gazeta de Notícias afirmava que Nascimento era “pessoa de confiança” do chefe político

Floro Bartolomeu, uma das lideranças da “Sedição de Juazeiro”225, este

indício revela a existência de ex-cangaceiros que ascenderam aos quadros da oficialidade da Polícia Militar. Como outros policiais da Força, Pereira do Nascimento obteve a patente de 2º tenente, em 1928, pela bravura demonstrada durante um entrevero com o bando liderado

pelos cangaceiros João 22 e Lua Branca.226

No decorrer da Primeira República, muitos policiais, qual o 2.º tenente Nascimento, conquistavam os galões de oficiais pelos atos de bravura, especialmente quando obtinham êxito contra grupos de bandidos nos sertões do Ceará. Notadamente, a Força Pública destinou grande esforço contra grupos de cangaceiros de chefes políticos oposicionistas, e muitos policiais percebiam nestas operações a oportunidade de ascender aos quadros do oficialato.

Através das denúncias e insatisfações do tenente Nascimento, enxerga-se a existência de espíritos descontentes com a política de promoções realizadas dentro da corporação. Em muitos momentos, as promoções configuravam-se como moeda de troca, principalmente, entre o oficialato. Este expediente podia ser usado pelo comando-geral como um dispositivo para animar e aumentar o desempenho de subalternos e inferiores. No mais, não se pode perder de vista que as promoções ainda se tornavam um dispositivo importante

223 Fé de Ofício do 2º Tenente Antonio Pereira do Nascimento, 1930. APEIC. 224

Sindicância contra o 2º Tenente Antonio Pereira do Nascimento, 1927, APEIC.

225

Gazeta de Notícias, 07/01/1928.

utilizado pelos comandantes para agradar os homens da corporação, afinal a abertura de novas vagas na oficialidade evitava insatisfações de inferiores que haviam ingressado na Força como praças. O comandante, geralmente oficial do Exército, sabia que todo cuidado era pouco com a Polícia Militar, pois as forças armadas eram percebidas, no Brasil da Primeira República, como verdadeiros barris de pólvoras que, a qualquer momento, poderiam explodir – evidentemente que, na década de 1920, devido à insatisfação dos tenentes do Exército, o potencial

explosivo aumentou.227

Em períodos de instabilidade política os comandantes recorriam às promoções como forma de manter a fidelidade dos policiais. Na década de 1920, vários policiais obtiveram promoção a postos seguintes pela dedicação demonstrada no combate a Coluna Prestes. O clima de insegurança nacional desde as manifestações dos militares do Forte de Copacabana fez com que o comando-geral temesse a adesão da oficialidade da Força Pública do Ceará ao movimento dos tenentes “revoltosos”.

Quadro 3 – Relação Nominal dos 1.os Tenentes Promovidos ao Posto de Capitão na Força Pública do Ceará (1920-1930)

Posto Nome

Data da

Promoção Observação

Capitão Arthur Medeiros 26/09/1922 Merecimento

Capitão Joaquim Medeiros 20/04/1923 Antiguidade

Capitão

Raymundo C.

Carvalho 05/01/1924 Merecimento

Major

Gr. João Moura Brasil 08/07/1924 Merecimento

Capitão Álvaro de Oliveira 08/07/1924 Merecimento

Capitão Miguel A. de Mello 01/02/1926 Bravura

Capitão

Peregrino

Montenegro 01/02/1926 Bravura

Capitão Firmino de Araújo 10/05/1928 Merecimento

Capitão Manuel Firmo 16/12/1929 Merecimento

Fonte: Secretaria da Força Pública do Estado, Fortaleza, 04/04/1930. APEC, Lv. 86.

227

MORAES, João Quartim de. A esquerda militar no Brasil: da conspiração republicana à guerrilha dos tenentes. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

No quadro acima, percebe-se que alguns 1os tenentes ascenderam ao posto de capitão no interstício de 1920 a 1930. A maior parte foi promovida entre os anos de 1922 a 1926, ou seja, no auge das investidas dos militares “revoltosos”. Além de tudo, as promoções eram usadas no intuito de incentivar a fidelidade dos policiais para com a corporação e com o governo do Estado. Na Primeira República, a lealdade da Polícia Militar consistia em importante capital a ser mantido e conquistado pelo governante estadual. Estabelecer e manter a lealdade política dos membros da polícia, em especial dos oficiais da Força, tornou-se um dos principais objetivos dos presidentes estaduais do Ceará. O historiador André Rosemberg aponta que, em períodos de instabilidade política, o ato de filiar os representantes do “[...] ‘monopólio legítimo da violência’ em guarda pretoriana [era] uma

garantia de manutenção do status quo”.228

O quadro exposto, anteriormente, ainda revela que a ascensão dos policiais dentro da Força Pública do Ceará, ao longo da 1.ª República, dava-se também através do merecimento, da bravura e da antiguidade. A partir da década de 1920, iniciaram-se timidamente concursos internos para os postos de cabo e sargento, e, em 1929, com a Escola Profissional de Oficiais, o acesso ao posto de 1.º tenente e de capitão passou a ser realizado internamente, por meio de provas. No final da década de 1910, quando a Força Pública tornou-se reserva do Exército Nacional, a lei n.º 1.647 de 1918 estabelecia critérios de promoções para os postos de oficiais. Devido à lei de 1918, as patentes militares da Força passaram a ser homólogas às do Exército. Para ocupar os postos de 2.º tenente, o candidato (apenas sargentos) deveria fazer uma prova; a patente de 1.º tenente e de capitão era concedida por merecimento ou por antiguidade; o posto de major deveria ser ocupado por merecimento avaliado pelo governo; e a patente de tenente-coronel ficava a critério do Presidente do Estado. 229 Entretanto, as regras de ascensão na Força não eram aplicadas rigidamente, pois as promoções continuaram acontecendo mais por arranjos personalistas do que por critérios devidamente regulamentados.

As leis de promoções estabelecidas no convênio de 1918 que tornou a Polícia Militar cearense em força de reserva do Exército

228 ROSEMBERG, André. Prelúdios de um ‘pequeno exército’? A força policial paulista nos

primeiros anos da República (1890-1895). História Unisinos, São Leopoldo, RS, n. 16 (3), p. 333-345, set./dez. 2012. p. 339.

não eram, em muitas ocasiões, obedecidas. Em 1928, em um dos jornais da capital – “Gazeta de Notícias” – criticava-se a forma como se processavam as promoções na Força Pública do Ceará. O articulista responsável pela matéria, prontamente, informava que:

A disciplina e as leis militares, apesar de haver [a Força Pública] do Estado aderido ao convênio de 1918, o qual há muito se acha violado, são letra morta para os nossos irmãos da Força Pública. As promoções e os rebaixamentos na milícia cearense não obedecem às leis nem às normas conhecidas.230

Os critérios pautados no merecimento, na bravura e na antiguidade davam margem para o subjetivismo dos comandantes. De certa forma, tornava-se difícil avaliar a capacidade do policial por estes quesitos. Muitos que alcançavam os postos de oficiais, conforme dito anteriormente, não atendiam ao padrão de conduta e de tirocínio esperados para um bom oficial. A denúncia do jornal “Gazeta de Notícias” possibilita que se perceba que as promoções e os rebaixamentos se davam ao sabor dos interesses do comandante-geral da Força Pública.

Os homens de imprensa perceberam, também, as influências políticas na dinâmica das promoções e das ascensões hierárquicas dentro da Força Pública. O jornalista Matos Ibiapina, diretor de “O Ceará”, em um dos editoriais do jornal, denunciava que as promoções dependiam mais dos laços estabelecidos pelos policiais com as lideranças situacionistas do Estado do que pelo cumprimento dos deveres policiais dispostos no regulamento. Em 1925, Ibiapina salientava que:

[...] as suas promoções não dependem do maior ou menor zelo revelado no cumprimento de suas árduas funções. Convencidos estão todos eles de que é mais fácil conquistar um galão com fementidas dedicações aos políticos em momentos oportunos do que arriscando a sua vida na defesa da propriedade das classes trabalhadores. Os anais do Regimento estão prenhes de exemplos

convincentes das vantagens da exploração da covardia e perversidade dos políticos. A perseguição de um chefe adversário, a perturbação de um pleito eleitoral valem muito mais na fé de ofício de um policial do que um rosário de prisões arriscadas dos mais temíveis criminosos.231

Em algumas situações, os critérios de promoções na Força foram regidos por questões político-partidárias que tinham a anuência da cúpula policial e do presidente do Estado. Os policiais, imersos no universo político-institucional, sabiam que o bom desempenho na “perseguição de um chefe adversário” ou a “perturbação de um pleito eleitoral”, na hora de ganhar os galões de oficial, tinha mais força do que os frouxos dispositivos legais dispostos nos regulamentos da corporação. Enfim, a ascensão hierárquica dentro da corporação esteve longe de obedecer a critérios rígidos.

Uma forma rápida de ascensão dentro da hierarquia da instituição policial dava-se com os ex-militares do Exército, especialmente os oficiais inferiores que, logo ao entrar, ocupavam postos no oficialato. O primeiro capitão por merecimento do quadro citado acima, Arthur Medeiros, ingressou na polícia cearense, em 1914, com a patente de 2.º tenente. O capitão Medeiros havia servido o Exército entre 1901 e 1906.232 Outro militar originário do Exército Nacional e que aparece na lista dos promovidos a capitão por bravura, nos anos de 1920, é Miguel Arcanjo de Mello. O capitão Miguel Arcanjo de Mello ocupava o posto de sargento ajudante no 48.º Batalhão de Caçadores e, em 1915, ao receber baixa do Exército, ingressou na

Força Pública do Ceará com a patente de 2.º tenente.233 Conforme visto

anteriormente, encontravam-se nas fileiras da polícia do Ceará vários militares de outras corporações que se integravam à Força após terem recebido baixa por tempo de serviço, mas alguns indícios coletados na pesquisa documental apontam que o comando da Força Pública dava preferência para os egressos do Exército.

É difícil saber quais critérios eram utilizados pelo alto comando da Força para conceder as patentes de oficiais subalternos para os inferiores egressos do Exército. Contudo, partindo da experiência do

231 O Ceará, 25/11/1925. 232

Fé de Ofício do Capitão Arthur Medeiros, 1924. APEIC.