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7.1 A categorização dos atos administrativos inválidos

7.1.4 Atos irregulares

Os atos irregulares são aqueles atos administrativos ilegais ampliativos de direitos dos administrados, que não acarretam lesão ao interesse público nem causam prejuízo a terceiros, ou seja, são os que apresentam vícios de natureza leve, que não alcançam o conteúdo ou a essência do ato administrativo.

Este entendimento fundamenta-se no artigo 54 da Lei do processo administrativo federal, que diz: "Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.".

É válido ressaltar mais uma vez que o interesse público, visto no ambiente em que impera o Estado de Direito, foca-se no cumprimento das regras e dos princípios do ordenamento jurídico. Assim, sendo o Estado regido por um regime jurídico peculiar, quando a atuação do princípio da estrita legalidade se apresenta como um dos seus maiores símbolos, fica praticamente impossível admitir a realização de atos ilegais, sem com isso desrespeitar o interesse público.

Todavia, sendo o ordenamento jurídico um sistema hierárquico e complexo, não é possível examinar os casos de ilegalidade de forma simples, aplicando-se a eles exclusivamente o princípio da estrita legalidade. Opostamente, outras regras devem ser usadas, como a que estabelece a prevalência dos princípios sobre as leis e a expulsão do ordenamento, caso uma norma jurídica seja contrária a outra hierarquicamente superior, ou mesmo, aquela outra regra, já mencionada neste trabalho, sobre a harmonização e preferência de aplicação de determinados princípios, em detrimento de outros, quando assim exigido pelo caso concreto.

No caso em exame, estamos justamente diante disso, pois temos um fragmento legal indicando a convalidação de atos administrativos e um princípio fundamental do regime jurídico administrativo, o da legalidade, proibindo tanto a realização de atos administrativos ilegais quanto a manutenção de seus efeitos.

A solução deste conflito normativo parece estar na resposta à seguinte pergunta: em quanto o Estado agravou o ordenamento jurídico ao praticar ato ilegal? Pois bem, se o agravo foi pequeno, admitir-se-á a restauração da legalidade pelo conserto do ato, nos termos e fundamentos do Princípio da Segurança Jurídica e Confiança Legítima, porém,

se o agravo foi intenso, aplicar-se-á a invalidação, nos termos e fundamentos do princípio da estrita legalidade.

Como se vê a convalidação restaura a legalidade ferida pelo ato ilegal; certo é que não a faz da mesma forma que a invalidação por não possuir caráter punitivo, mas, de sorte, acaba por eliminar o vício do ato porque consiste na realização de um novo ato administrativo, suprimindo ilegalidade de ato anteriormente realizado, com efeito ex

tunc. Assim, de uma só vez, o ato convalidador declara a invalidade, desconstitui os

efeitos jurídicos e a existência do ato convalidado, deixando em seu lugar, e desde seu nascimento, um novo ato de conteúdo equivalente, mas sem o vício44.

Com isso, pode se concluir que a convalidação só se aplica quando o ato ilegal é suscetível de ser validamente reproduzido com efeitos retroativos. Constata-se, portanto, que a solução pensada pelo professor Carlos Ari Sundfeld, e mencionada no subitem anterior, aplica-se em sua integralidade ao caso em espécie, sendo que, para haver convalidação, exige-se o cumprimento de duas condições, quais sejam: 1º. a possibilidade de repetição do ato sem o vício; e, 2º. a possibilidade de se outorgar ao novo ato repercussão retroativa.

Diante disso, novamente caímos na prática, para identificar quais são os atos administrativos ilegais e ampliativos de direito, que portam vícios passíveis de convalidação.

Outra vez iremos nos utilizar da seleção elaborada pela professora Weida Zancaner. Segundo seus ensinamentos, "são convalidáveis os atos portadores dos seguintes vícios: (a) competência; (b) formalidade; (c) procedimento: (c.1) 'quando consistente na falta de ato ou atos da Administração, desde que sua prática posterior não lhe prejudique a finalidade'; (c.2) 'quando consistente na falta de ato do particular desde que este o pratique com a expressa intenção de fazê-lo retroagir'."45

(a) vício de competência: o vício de competência refere-se ao sujeito responsável pela prática do ato administrativo. O sujeito deve ser aquele eleito pela lei para sua realização. Com esta afirmação, presume-se que o ato administrativo realizado esteja

44 (VALIM, 2010, p. 117) 45 (ZANCANER, 2008, p. 85-86)

dentro das atribuições do cargo ocupado pelo sujeito, pois, em caso contrário, o mencionado ato conterá o vício de excesso de poder.

Considerando que estamos nos referindo apenas aos atos ampliativos de direitos dos administrados, não vislumbramos qualquer óbice na convalidação dos mesmos, bem como, reconhecemos a sua total capacidade de ser refeito sem o vício, uma vez que para tanto, basta que o agente seja competente para reeditá-lo.

Antes de passar para a próxima hipótese, gostaríamos de pontuar mais duas questões importantes: 1ª. diz respeito a impossibilidade de convalidação de vícios de competência quando o ato administrativo for restritivo de direito, tanto por entender que a punição pela invalidação do ato desincentivaria a prática de excesso de poder pelos agentes públicos, quanto pelos riscos que envolvem o exercício das atividades estatais, os quais se agravam quando praticados por agentes incompetentes, como exposto no Capítulo 5, subitem 5.2.3.1 – Reconhecimento da diferença entre atos restritivos e atos

ampliativos de direitos; e, 2ª. refere-se ao não acatamento da exceção feita sobre a

convalidação de atos viciados no pressuposto subjetivo e exercidos mediante competência discricionária. O motivo foi explicado no subitem anterior, mas podemos resumir, esclarecendo que temos o entendimento de que atos discricionários, com vício no sujeito e inconvenientes ou inoportunos, padecem, na verdade, de vício mais grave, que atingem, além do sujeito, os pressupostos ou da finalidade ou do conteúdo; portando, nestes casos, não se pode aplicar a convalidação.

(b) vício na formalidade: Como a formalidade se traduz na maneira pela qual o ato é externado46, não vislumbramos qualquer óbice à sua convalidação, entendendo, até mesmo, tratar-se de um vício insignificante.

(c) vício de procedimento: Como vimos no subitem anterior, o procedimento é essencial à adequada decisão administrativa; no entanto, pode haver casos em que a falta ou irregularidade de um ato do procedimento não desencadeie o desvirtuamento de sua finalidade. Assim, nestes casos, admite-se a convalidação.

Por considerarmos os vícios acima relatados de natureza leve, pois os mesmos são, inclusive, passíveis de convalidação, então, concluímos que a sua verificação não

ataca gravemente o ordenamento jurídico, motivo pelo qual este reage de forma a manter o ato administrativo e não a expulsá-lo. Aqui, depois de concluído o exercício de ponderação entre os Princípios e as normas do ordenamento jurídico, tem-se como única resposta, a manutenção do ato e sua restauração por via da convalidação, pois se reconheceu inexistir qualquer lesão ao interesse público. O ordenamento jurídico ponderou que nestes casos devem prevalecer os Princípios da Segurança Jurídica e da Confiança Legítima, para estabilizar a relação jurídica viciada. Ressalta-se ainda que a estabilização do ato também restaura a legalidade ferida, porém de uma forma indireta, distinta daquela realizada pela invalidação.

Por fim, cabe ainda explicar a última condição para efetivação da convalidação, que diz respeito ao impedimento do benefício aos atos causadores de prejuízo a terceiros. Quanto a este aspecto, adiantamos que não vislumbramos concretamente nenhuma possibilidade de haver atos enquadrados nas hipóteses, ou seja, nenhum dos atos convalidáveis podem causar prejuízos a terceiros.

Os vícios que incidem sobre eles, não afetam a essência dos mesmos, o que os tornam atos justos e convergentes com os interesses públicos, e como tais não enquadráveis no impedimento previsto em lei.

Diante do exposto, conclui-se que os atos administrativos irregulares são aqueles atos viciados por ilegalidades de natureza leve, não causando lesão ao interesse público, nem prejuízo a terceiros.

Assim, para estes casos, a única atitude legítima do Estado é a convalidação, nos termos do artigo 55 da Lei do Processo Administrativo Federal.

Por fim, reitera-se que não acolhemos, como correto, o entendimento de que o verbo utilizado pela norma gera uma faculdade ao Estado, pois em muitos casos em que a norma concede ao Estado o poder de fazer algo, em verdade, está lhe atribuindo uma competência que envolve um poder-dever de agir47.

47 Sobre isso acolhemos em sua integralidade as lições dos Professores Sérgio Ferraz e Adilson Dallari: "Dúvida não pode, assim, haver quanto ao cabal e completo atendimento ao basilar princípio da legalidade que a convalidação, quando possível, propicia. Aliás, cabe, aqui, importante ponderação: o art. 55 da Lei 9.784/99 não transformou em faculdade da Administração a operação de convalidação. A flexão verbal 'poderão', nele utilizada, significa a expressa atribuição de um poder-dever, 'expressa' porque a convalidação é emanação direta dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, não restando aberta, para o agente administrativo, a avaliação de dever, ou não, trilhar esse caminho, na forma

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