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Regime Jurídico e a Classificação dos Atos Administrativos Inválidos MESTRADO EM DIREITO

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Academic year: 2018

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Eduardo Stevanato Pereira de Souza

Regime Jurídico e a Classificação dos Atos Administrativos Inválidos

MESTRADO EM DIREITO

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Regime Jurídico e a Classificação dos Atos Administrativos Inválidos

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Direito Administrativo, sob a orientação

do Professor, Doutor - Sílvio Luís Ferreira da Rocha.

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BANCA EXAMINADORA

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durante todo o período em que o realizei, da minha família, dos professores e dos amigos.

Por possibilitarem o alcance deste verdadeiro marco na história da minha vida, e por muito mais que não caberia nestas poucas palavras, registro aqui, os meus mais profundos agradecimentos.

Nas próximas linhas arriscarei nominar algumas pessoas que participaram intensamente deste importante período, podendo, por certo, esquecer-me de alguém, pelo que, desde já, apresento as minhas desculpas.

Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Maria Lucia Stevanato de Souza e Dorival Pereira de Souza, pelo amor e dedicação dispensada a minha criação e, principalmente, por seus ensinamentos de honestidade, ética e retidão.

Aos meus avós, Angelina Grasson de Souza, Braz Pereira de Souza (in memoriam), Maria Apparecida Stevanato e Antenor Stevanato, agradeço os exemplos de força e garra.

Ao meu irmão, Daniel Stevanato Pereira de Souza, às minhas tias Miriam Stevanato Ramos e Irene Grasson Pereira de Souza Viola e aos meus primos Douglas Ramos Filho (Dodo) e Anna Paula Stevanato Ramos (Tata), pela confiança dispensada.

A Natália Karine Bandeira de Melo Braga agradeço o incentivo, a confiança e a ajuda dedicada. Além de tudo isso, reconheço e agradeço, principalmente, sua compreensão pela minha ausência durante o desenvolvimento do trabalho, especialmente, no período final, que praticamente não me deixou tempo livre.

Agradeço ao meu grande amigo, Roberto Eduardo Seracinskis Junior (Asbrunya), e a Gabriela Ribeiro Zanardo (Princesinha), pela amizade, companheirismo, incentivo e ajuda na pesquisa bibliográfica e na revisão gramatical do texto.

Agradeço aos meus amigos do Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Angélica Petian, Augusto Neves Dal Pozzo, Bruno Francisco Cabral Aurélio, Décio Gabriel Gimenez, Inês Coimbra de Almeida Prado e Luciano Silva Costa Ramos, Rafael Valim, pelo aprendizado adquirido, fruto de importantes debates acadêmicos.

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muito, com o resultado final do trabalho.

Aos amigos da Diretoria Jurídica da empresa em que trabalho, Angélica Jacob D'Amico, Bruno Hartkoff, Bruno Semino, Christian Cardoso do Amaral Brito, Guilherme Gomes, Lucas Fontes Santos Argolo, Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, Marcos Sergio de Almeida C. Ribeiro, Mariana Soares Biondi, Rodrigo Luiz Henrique Simões e Zuleika Hajli, agradeço a agradável e harmônica convivência.

Aos professores Dinorá Adelaide Musetti Grotti e José Roberto Pimenta Oliveira, agradeço as críticas extremamente construtivas, apresentadas na Banca de Qualificação do trabalho, que contribuíram de maneira relevante para este resultado final.

Ao professor Celso Antônio Bandeira de Mello, minhas homenagens por todos os ensinamentos, os jurídicos que tive durante as aulas do programa de Mestrado da PUC/SP e os não jurídicos que tive nos poucos momentos de convívio, oportunidade em que aprendi sobre honestidade, seriedade, comprometimento com a ciência e retidão, dentre outras coisas.

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Regime Jurídico e a Classificação dos atos Administrativos Inválidos.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a problemática existente na restauração da ordem jurídica ferida pelos atos administrativos inválidos realizados pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes. A constatação desse problema jurídico pode ser feita pela verificação dos atos de invalidação efetuados pelo próprio Estado, por meio da aplicação do poder de autotutela, ou pelo Poder Judiciário, nas sentenças dos processos. Nestes atos de invalidação, em virtude da ausência de uma sistematização das nulidades nas leis administrativas, bem como pelo tradicional entendimento doutrinário de que o ato de invalidação deve retroagir para extinguir todos os efeitos do ato inválido, não se tem reconhecido importantes direitos derivados dos atos ilegais, cujos efeitos, ora devem ser mantidos e ora devem ser preservados até a data da invalidação. A fim de alcançamos uma solução jurídica adequada, foi preciso estudar a evolução do Estado e do regime de Estado de Direito e, com base nestes conceitos, interpretar as vigentes normas jurídicas que tratam do tema. Com isso, chegamos à conclusão de que a diferenciação entre os atos administrativos ampliativos e os restritivos de direitos dos administrados, configura um importante instrumento de ponderação para solucionar os problemas jurídicos reconhecidos nas diferentes categorias de atos administrativos inválidos. Assim, sentimos necessidade de elaborar uma nova classificação dos atos administrativos inválidos e aplicar um regime jurídico específico a cada categoria, justamente para atender às concepções atuais do Estado de Direito, em um reconhecimento importante dos direitos advindos dos atos administrativos ampliativos de direitos dos administrados.

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Legal Regime and a Classification of Invalid Administrative Acts

This study aims at demonstrating how invalid administrative acts issued or practiced by the State, or by other entities in its name, affect and hinder the Brazilian legal system. The invalidation issue is a major legal problem verifiable through the invalidation procedures carried out by the State itself, by its administrative instances, or by the Judiciary, through court decisions. When invalidating its own acts, due to the lack of administrative provisions and statutes systemizing invalidation procedures, in addition to the current understanding of legal scholars that an invalidated administrative act must retroact to cancel all its effects, important rights derived from illegal administrative acts, – whose effects should sometimes be preserved or maintained to the date of invalidation –

have neither been acknowledged nor protected. In an attempt to arrive at an adequate legal solution, we studied the development of the State and of the Rule of Law, based on which concepts we have interpreted the current legal norms addressing the subject. As a result, we found that classifying administrative acts into rights-broadening and rights-restricting administrative acts is an important assessment tool to solve common legal problems involving the different categories of invalid administrative acts. Therefore, we felt the need to offer a new classification of invalid administrative acts and apply a specific legal regime to each category, to meet the current understandings and concepts adopted by the Rule of Law, thus adequately acknowledging the importance of rights stemming from rights-broadening administrative acts.

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SUMÁRIO

1 Introdução --- 10

2 Ato Administrativo --- 12

2.1 Estado de Direito – A submissão do Estado ao Direito --- 12

2.1.1 Locke: lei como poder supremo --- 19

2.1.2 Montesquieu --- 20

2.1.3 Conclusão --- 23

2.2 O Estado Democrático e Social de Direito --- 25

2.3 As Funções Jurídicas do Estado --- 26

2.4 Características da Função Administrativa --- 32

2.4.1 A impossibilidade de perseguir interesses secundários e a irrelevância do elemento volitivo no cumprimento do dever --- 34

2.5 Esclarecimentos preliminares ao conceito de Ato Administrativo --- 37

2.6 Conceito de ato administrativo --- 39

2.6.1 Ato Administrativo como norma jurídica--- 41

2.6.2 Normas jurídicas unilaterais e concretas --- 44

2.6.3 Ato Administrativo e a Função administrativa --- 47

2.6.4 O controle de legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário --- 58

2.7 Competência Administrativa Discricionária --- 60

3 Existência, Validade e Eficácia dos atos jurídicos --- 66

4 Análise dos atos administrativos e seus vícios --- 71

4.1 Pressupostos de existência --- 74

4.1.1 Objeto --- 74

4.1.2 Pertinência à função administrativa --- 75

4.2 Os elementos do ato administrativo --- 76

4.2.1 Forma --- 77

4.2.2 Conteúdo --- 78

4.3 Pressupostos de validade --- 79

4.3.1 Pressuposto subjetivo – Sujeito --- 79

4.3.2 Pressupostos objetivos (motivo e requisitos procedimentais) --- 83

4.3.3 Pressuposto teleológico (finalidade) --- 86

4.3.4 Pressuposto lógico (causa) --- 88

4.3.5 Pressuposto formalístico (formalização) --- 89

5 Extinção do ato administrativo --- 90

5.1 A extinção do ato administrativo e de seus efeitos --- 94

5.2 A invalidação --- 96

5.2.1 Definição --- 97

5.2.2 Fundamentos jurídicos da invalidação --- 102

5.2.3 Princípios aplicáveis ao ato inválido e ao ato de invalidação --- 110

5.2.3.1 Reconhecimento da diferença entre atos restritivos e atos ampliativos de direitos --- 112

5.2.4 A questão da invalidade superveniente --- 118

6 Classificação da invalidação da doutrina nacional --- 121

6.1.1 A Teoria de Seabra Fagundes --- 122

6.1.2 A Teoria de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello --- 126

6.1.3 A Teoria de Hely Lopes Meirelles --- 128

6.1.4 A Teoria de Weida Zancaner --- 131

6.1.5 A Teoria de Celso Antônio Bandeira de Mello --- 134

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7 A Classificação dos Atos Administrativos Inválidos --- 144

7.1 A categorização dos atos administrativos inválidos --- 146

7.1.1 Atos inexistentes --- 150

7.1.2 Atos nulos --- 157

7.1.3 Atos anuláveis --- 168

7.1.4 Atos irregulares --- 177

7.2 O regime jurídico dos atos inexistentes, nulos, anuláveis e irregulares. --- 181

7.2.1 Regime jurídico do ato inexistente --- 181

7.2.2 Regime jurídico do ato nulo --- 185

7.2.3 Regime jurídico do ato anulável --- 194

7.2.4 Regime jurídico do ato irregular --- 198

7.3 Forma de invalidação --- 199

8 Conclusão --- 202

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1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação concentra-se em indicar, com fundamento nos princípios e normas jurídicas de Direito Administrativo, qual deve ser o comportamento estatal para restaurar a ordem jurídica ferida pela realização de atos administrativos inválidos.

Reconhecemos que o Direito Administrativo vem passando por uma evolução muito rápida e, em relação a alguns aspectos, acreditamos que o Estado não esteja conseguindo acompanhar este desenvolvimento. Para solucionar os problemas gerados pela realização de atos administrativos inválidos, é preciso estar consciente da realidade atual do Direito Administrativo.

Esta realidade é formada pela interpretação do ordenamento jurídico vigente, tendo como base os conceitos contemporâneos de Estado Social de Direito, de interesse público, de hierarquização dos princípios e normas de Direito Administrativo, e de outros temas igualmente importantes, que serão abordados durante o desenrolar deste estudo.

Para uma interpretação adequada do ordenamento jurídico, há que se reconhecer que o Estado contemporâneo não é mais aquele Estado coercitivo, de atos imperativos, que visavam tão somente limitar e restringir direitos individuais. Pelo contrário, é, hoje, um Estado prestador de serviços, preocupado com o desenvolvimento nacional, com o bem-estar social e o interesse público. Tanto isso é certo, que basta uma passada de olhos pela nossa legislação, em especial pela Constituição Federal, para se perceber o volume de dispositivos que prescrevem direitos sociais e coletivos.

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Assim, diante de um ato administrativo inválido, cabe ao Estado avaliar qual o impacto que irá causar às normas que compõem o ordenamento jurídico; sendo que, para medir a intensidade do referido impacto, será preciso levar em consideração a atual concepção de Estado de Direito. Desse modo, é possível constatar que o impacto causado pelo ato administrativo inválido, que desrespeitar frontalmente esta concepção, será considerado mais grave ao ordenamento jurídico do que os outros.

O ordenamento jurídico, por sua vez, deverá reagir aos impactos causados pelos atos administrativos inválidos, de forma que aquele ato que impactar mais gravemente o ordenamento jurídico, sofrerá uma repulsa mais forte do que aqueles que o impactam de forma mais branda.

Para tanto, faremos a classificação dos atos administrativos inválidos, categorizando-os segundo os respectivos graus de intolerância apontados pelo ordenamento jurídico.

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2 ATO ADMINISTRATIVO

O ato administrativo é um conceito jurídico extraído dos diversos princípios e normas de Direito Público, atualmente vigentes em nosso ordenamento jurídico. Reconhecemos que, para ficar da forma como é definido e limitado atualmente, este conceito teve de passar por diversas mutações, ao longo do tempo.

Os conceitos jurídicos refletem os mandamentos e características informadas pelas próprias normas jurídicas, as quais, por mais rígidas que sejam, também estão permanentemente em movimento. Suas alterações são constantes, porque precisam acompanhar as mudanças sociais para não cair em desuso, ou fazer impor determinadas condutas aos cidadãos ou à sociedade1, para manter o convívio harmonioso entre as pessoas.

Diante desse cenário, para se entender o conceito atual de ato administrativo, faz-se necessário observar as principais transformações ocorridas na história do Estado de Direito. Precisamos entender os movimentos ocorridos na concepção de Estado e de como se desenvolveu o pensamento sobre a necessidade de limitar o poder do governante.

Antes de traçar todos os contornos que definem o ato administrativo, utilizaremos alguns subitens para falar do desenvolvimento histórico ocorrido nos diversos elementos que cercam o conceito de ato administrativo. Abordaremos, para tanto, as ideias de Locke e Montesquieu, a transformação do Estado de Polícia para o Estado Social, ou Estado Providência, terminando pela definição contemporânea de Estado de Direito.

2.1 ESTADO DE DIREITO –A SUBMISSÃO DO ESTADO AO DIREITO

É de relevada importância a abordagem do regime absolutista e seu contraponto, o Estado de Direito, para sua localização histórica, e para que possamos mostrar porque o Estado deve respeitar limites e enquadrar-se num arcabouço jurídico-legal.

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É possível conferir maior importância a esse enquadramento quando são percebidas as lutas históricas travadas para chegar a tal Estado moderno e seu sucessor contemporâneo. Ademais, o direito público moderno, como aliás, quase tudo o que se conhece pelo termo moderno, foi fundado nesta transição2. Evidentemente, esta parte histórica serve apenas de balizamento, já que não se trata de um trabalho histórico ou de ciências políticas, o que justifica a brevidade com que o tema é tratado.

O regime absolutista (séculos XV - XVII3) faz parte da transição entre o modo de produção feudal para o modo de produção capitalista; sendo assim, reunirá características de ambos. Referido regime é conhecido, vulgarmente, como uma concentração de poder nas mãos do rei e ganhou muita força para poder reagir às crises que afogaram o sistema feudal. Foi assim que, no século XVI, a classe dos nobres enfrentou o seu enfraquecimento econômico e concentrou seu poder frente à burguesia, cada vez mais ascendente4, contrariando a organização política de outrora, bastante pulverizada nos feudos.

Essa centralização não elevou toda a classe nobre às alturas do trono, pois este posto estava destinado apenas a um dos seus membros, o rei; porém, por outro lado, permitiu que os nobres não fossem rebaixados para a base da pirâmide social de então, junto ao campesinato. Uma imagem típica da época ilustra melhor: ao pensarmos num castelo, podemos imaginar estes nobres fazendo parte da corte, estando junto ao rei, barões, duques, condessas, entre tantos outros. Tal constatação é essencial, pois a soberania do rei recai sobre todos os membros do seu reinado, inclusive os nobres; ela possui uma única direção, que vai do ápice da pirâmide à base.

2―Não há como conhecer o direito público moderno sem ter presente a noção de Estado de Direito. […].‖ (SUNDFELD, 2007, p. 36)

3 A periodização em História é algo crítico, já que os processos históricos-sociais não ocorrem subitamente, mecanicamente, de forma simplificada. Pior ainda quando se trata da história da Europa Ocidental como um todo, as particularidades de cada região implicam processos diferenciados e de ritmo próprio. Por tudo isso, nesta parte de introdução histórica do trabalho, vamos adotar periodizações e características gerais e aproximadas.

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Esta força e concentração vinham da prática política e do direito público romano, Lex, dominato5, dos tempos do império romano, e assim é que as máximas de

Ulpiano, quod principi placuit legis habet vicem (a vontade do príncipe tem força de lei) e legibus solutus (o monarca isento de restrições legais) formaram as bases do direito público absolutista.

O rei, sendo o representante divino na terra, era a única fonte de soberania, com poder ilimitado. Era o monarca que criava as leis para todos os súditos respeitarem, sua vontade tinha força de lei e, portanto, a ela não se submetia. A mesma supremacia vigorava na questão de julgamentos, em que ele era o juiz supremo, não cabendo a ninguém julgar-lhe. Se o rei era a vontade de Deus na terra e o Estado era o rei, este não poderia errar. Por fim, cabia ao rei o poder de exigir obediência e punir em caso de desobediência às suas imposições, gozando do poder coercitivo, o que deu origem à alcunha de Estado Polícia6.

Se o Absolutismo foi o sistema jurídico-político de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, fazendo parte dele, o Mercantilismo fez a transição em termos econômicos, especialmente no que se refere às políticas econômicas do Estado-Nação. Significou o conjunto de medidas e regras, aplicadas pelo Estado monárquico absolutista, para conseguir riqueza. Foi por meio destas regras e regulamentos que o Estado centralizou a economia e realizou forte intervenção econômica, criando monopólios estatais e privados ligados ao Estado, estabelecendo exclusividades, explorando novos mercados e colonizando novos territórios e até contribuindo para o crescimento comercial e para o desenvolvimento das manufaturas7.

Assim, o Absolutismo, paradoxalmente, fortaleceu a nobreza para enfrentar a crise da Idade Média, concentrando o poder em oposição à burguesia. Ao mesmo tempo, porém, que se desenvolveu sob a tradição jurídica do direito público romano, também se fundou sobre o direito civil romano, fortalecendo a propriedade privada, contribuindo para o florescimento do comércio8 e ainda unificando tarifas, pesos,

5 (ANDERSON, 2004, p. 27-29)

6 (SUNDFELD, 2007, p. 34-35) 7 (AQUINO, 2003, p. 79-89)

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moedas e medidas para facilitar as trocas, sendo, por este motivo, um regime de transição9.

O Absolutismo mantinha, no poder político-ideológico, a Igreja e a nobreza, mas ainda que assegurasse os interesses da burguesia mercantil e manufatureira, não permitia que transformassem seus poderes econômicos em poder político, pois o poder supremo só era alcançado por concessão do direito divino e pelos privilégios de nascimento, mediado por tradições antigas, que poderiam apenas ser alcançados pelos membros da nobreza das mais altas famílias.

Por conta do paradoxo já citado, típico da transição, é que havia a convivência, nem sempre pacífica, destas duas forças: a antiga e conservadora, feudal; e a nova e liberal, burguesa e pequena aristocracia ligada à agricultura semicapitalista. Ao surgir, portanto, a contestação ao Absolutismo e ao Mercantilismo, modificaram-se os aspectos jurídico-político e econômico, consolidando-se a transição.

As teorias de contestação, as práticas e as consequências delas foram, em grande parte, fruto da luta política entre as classes subalternas da monarquia absolutista, partindo até mesmo de membros da nobreza contra o Rei. Porém, antes de tratar sobre essas contestações relativas ao poder absolutista, oriundas do paradoxo, falaremos de um modelo de limitação ao poder real, ocorrido precocemente nas ilhas britânicas, mesmo antes de ser estabelecido o absolutismo. Não é por outro motivo que dois dos grandes nomes que contestaram o absolutismo (Locke e Montesquieu) tomaram como base o modelo inglês.

Essa primazia foi devida, particularmente, à atipicidade da monarquia feudal e absolutista na Inglaterra, que se diferenciou do modelo absolutista típico, o da França. Tal atipicidade deveu-se à falta de força da monarquia, que logo foi regulada pela

p. 27). Anderson escreverá adiante sobre outra forma de contribuir com a classe burguesa: ―[…] o

paradoxo aparente do absolutismo na Europa ocidental era que ele representava fundamentalmente um aparelho para a proteção da propriedade e dos privilégios aristocráticos, embora, ao mesmo tempo, os meios através dos quais tal proteção era promovida pudessem simultaneamente assegurar os interesses básicos das classes mercantis e manufatureiras emergentes." (ANDERSON, 2004, p. 39)

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aristocracia, bem como, pela imposição de um controle negativo ao poder monárquico por meio da Magna Carta e do Parlamento.

A Magna Carta de 1215 foi uma positivação da contraposição realizada pela nobreza; impunha deveres ao rei, determinando o consentimento dos nobres para a instituição de impostos, a impossibilidade de tomar as terras ou de aprisionar homens livres (claramente não se refere aos servos, que não eram livres) sem o julgamento dos seus pares, e até a garantia ao direito de insurreição, caso esses compromissos fossem desrespeitados10. Foi a primeira vez na História Ocidental em que se estabeleceu limites, mediante um documento escrito aos poderes reais.

Em seguida, foi estabelecido o parlamento11, composto, não pela tripartição típica dos estamentos, clero, nobreza e terceiro estado, mas somente pelos nobres. Seus poderes baseavam-se justamente na condição da Magna Carta de 1215, e as regras nela contidas já estavam sendo aplicadas, como ocorreu no caso das receitas tributárias. O rei, necessitando ampliar seus recursos ordinários, deveria convocar o parlamento para conseguir verbas adicionais. O parlamento, politicamente, trocava a aprovação real das suas legislações, pela aprovação de recursos solicitados pelo rei, o que ocorria, sobretudo, em tempos de guerra, situação corriqueira naqueles tempos.

Esses traços distintivos, precoces e atípicos da Inglaterra, condicionarão, neste território, todo o desenvolvimento do poder absolutista, ocasionando mais e novas limitações ao poder do rei.

Agora, podemos voltar a tratar das contestações oriundas do paradoxo acima mencionado. No decorrer do século XVII, as transformações econômicas reforçaram a classe burguesa, que ganhou força com o enriquecimento. A necessidade de transformar seu poderio econômico em poder político inflamou as disputas políticas havidas desde o século XIII.

10 (AQUINO, 2003, p. 68)

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É o caso da Petição de Direito de 1628, que confirmava a negação de cobrar impostos sem a autorização do parlamento, a proibição da lei marcial em tempos de paz e a profissionalização dos exércitos12.

A Revolução Puritana, de 1642 a 1649, foi uma luta entre os defensores do rei, os Cavaleiros, contra os partidários do parlamento, os Cabeças Redondas, que tinham na agricultura capitalista sua força. Esta guerra civil culminou na decapitação do rei, com a vitória dos defensores do parlamento e o estabelecimento de seu líder, Cromwell, como o novo rei. Com sua morte, voltaram as disputas entre a realeza e o parlamento, e entre 1685 e 1688, foi estabelecido o Habeas Corpus, que proibia as prisões arbitrárias e o julgamento dos presos, reforçando as limitações ao poder do rei.13

Por fim, ocorreu a Revolução Gloriosa de 1688, na qual os membros da nobreza, ocupantes das duas casas parlamentares14 (Câmara dos lordes e Câmara dos Comuns), rebelam-se contra o rei Jaime II, que se refugiou na França. Quem assumiu o poder foi Guilherme de Orange, um holandês. Entretanto, os nobres criaram a derradeira limitação ao rei, o Bill of Rights (Declaração de Direitos) em 1689, que estabelece:

―[…] como competência do Parlamento, o recrutamento das tropas, o lançamento de

impostos, as eleições, a liberdade de palavra, petição e justiça, restringindo, entretanto,

a liberdade religiosa aos cultos protestantes.‖15.

As legislações acima referenciadas demonstram que as Revoluções Inglesas caracterizam-se como um verdadeiro marco da regulação do poder político do rei. Portanto, deve-se acrescentar este marco ao pensamento de Carlos Ari Sundfeld16, que coloca apenas as Constituições advindas das Revoluções Americana e Francesa, como referências à limitação do poder real.

12 (AQUINO, 2003, p. 71)

13 (AQUINO, 2003, p. 71-73)

14 A Câmara dos Lordes era composta pela alta nobreza e pelos bispos e a Câmara Comum era composta pela baixa nobreza ligada à agriculta capitalista e pelos comerciantes e artesãos (princípio das manufaturas).

15 (AQUINO, 2003, p. 73)

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As Revoluções Inglesas e suas consequências políticas, das quais sobressaem o Bill of Rights e o Parlamentarismo, foram contestações fortes e importantes ao poder real absoluto.

Juntamente com esse processo político histórico, em especial na França, houve movimentos culturais, religiosos e intelectuais, devidamente financiados, que contestaram não apenas o Absolutismo e sua classe de sustentação, a nobreza, mas as bases ideológicas e econômicas deste modelo17. Estes movimentos foram amplamente incentivados pela burguesia ascendente, para transformar a realidade política e cultural da época e abrir espaço à sua ascensão.

É assim que o Humanismo, o Renascimento, o Racionalismo e o Iluminismo18 minaram as bases estruturais do Absolutismo. A contestação foi tanta que a denominação para o contestado foi bastante pejorativa, o Ancién Regimem (Antigo Regime); a história antecedente e o período da Idade Média foram chamados de Idade da Escuridão. As transformações iniciadas na Inglaterra e estes movimentos podem ser resumidos em quatro pontos principais:

o Direito Divino foi substituído pelo Direito Natural, que garantiria a defesa dos Direitos Fundamentais do indivíduo;

o dirigismo estatal, em todos os aspectos, foi substituído pelo liberalismo individual. Era natural o indivíduo buscar livremente sua felicidade. A regra agora seria: deixe passar, deixe fazer19;

o poder Real deixou de ser absoluto e passou a ser regulado para agir o mínimo possível e só quando necessário;

17 Rubin Santos Leão de Aquino reconhece este movimento: ―[…] a estrutura do pensamento vinha sofrendo mudanças significativas desde o século XVI com a Revolução Científica. Essas mudanças favoreceram a burguesia, pois na verdade foram mutações mentais correspondendo a transformações materiais, que prepararam a ideologia liberal burguesa característica do Mundo Ocidental Contemporâneo, ou seja, do sistema capitalista quem hoje vivemos.‖ (AQUINO, 2003, p. 170)

18―O movimento intelectual do século XVIII, o Iluminismo ou Ilustração, tinha como temas básicos a liberdade, o progresso, o homem e encontrou sua máxima expressão entre os escritores franceses que propagaram tais idéias rapidamente entre a elite intelectual européia, sendo tal ideologia particularmente sensível à burguesia, que nela encontrou a justificação para o assalto ao poder nas últimas décadas do século.‖ (AQUINO, 2003, p. 172)

19 Esse era o lema básico do liberalismo econômico: laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui

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o centro do mundo não estaria mais em Deus, mas nos Homens e em sua razão.

Fruto desses movimentos de contestação, e com base nas revoluções aristocráticas e burguesas na Inglaterra, dois grandes pensadores elaboraram obras que serviram de motivo e fundamento para outros pensadores que estimularam as revoluções vindouras, do final do século XVIII, Locke e Montesquieu, que nesta questão tiveram papel fundamental, por terem baseado teoricamente o Estado de Direito.

2.1.1 Locke: lei como poder supremo

John Locke, a nosso ver, estatuiu as bases do Estado de Direito20, colhendo as lições históricas que seu país já havia dado e, mais ainda, as que a Revolução Gloriosa havia recentemente estabelecido, já que foi contemporâneo dela. O breve estudo de sua obra contribui para o entendimento das bases do Estado de Direito, motivo pelo qual, abordaremos a questão com um pouco mais de profundidade.

Assim, partindo da teorização do Estado Natural para o Estado Político ou Governo Civil, Locke chega a conclusões bem distintas de Hobbes e Bossuet, e afirma, com base em Chevalier (1966), que, depois do estabelecimento do Governo Civil, deva haver: ―[…] leis estabelecidas, conhecidas, recebidas e aprovadas por meio de comum consentimento; juízes reconhecidos, imparciais, criados para terminar todas as contendas de acordo com as leis estabelecidas; enfim, um poder coativo, capaz de assegurar a execução dos juízos proferidos.‖ 21

É muito importante a noção de consentimento22 que Locke dá ao Estado do Governo Civil, por constituir-se em um pré-requisito contra a tirania, contra leis

20 Nas palavras de John Locke: ―[…] Assim este monarca ilustrado, que compreendia bem as noções das coisas, estabelece que a diferença entre um rei e um tirano consiste apenas em que o primeiro faz das leis o limite de seu poder, e do bem público o objetivo de seu governo; o outro subordina tudo a sua vontade e ambição pessoais.‖ (LOCKE, 1994, p. 207, grifos)

21 (CHEVALIER, 1966, p. 96)

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impostas pura e simplesmente ao sabor e destempero do soberano aos seus súditos. Isto põe fim ao poder divino, ao poder absoluto do Rei, que impõe a sua vontade como sendo vontade divina, altera-se o meio para governar, da força, para o consentimento e a razão iluminista.

―Se todos os homens são, como se tem dito, livres, iguais e independentes por natureza, ninguém pode ser retirado deste estado e se sujeitar ao poder político de outro

sem o seu próprio consentimento […].‖23

Se os cidadãos devem consentir nas leis e atos desse Governo Civil, é porque ele existe por conta destes cidadãos. Na explicação da Comunidade Civil, invariavelmente, os Homens deixam a liberdade ilimitada, conforme existente no Estado de Natureza, em troca de uma situação melhor, advinda depois da instituição do Governo Civil.

Nesse mesmo sentido, Locke também teoriza sobre a divisão do poder. Sua explicação baseia-se no entendimento de que os poderes que os cidadãos tinham no Estado de Natureza são abdicados para conviver no Governo Civil.

Assim, o poder de fazer tudo o que se quer para a própria conservação e a dos outros, respeitando-se as leis do Estado de Natureza, é abdicado para que sua ação seja regulada pela lei do Governo Civil, sob o consentimento dos cidadãos, ou seja, este é o poder legislativo. É a lei que dita o certo e o errado, que preserva a nova sociedade, de forma a limitar a liberdade havida no Estado de Natureza.

O outro poder, o de punir pela força aqueles que irrompem contra as leis naturais, é abdicado em troca do poder executivo24. Essas abdicações, é essencial frisar, objetivavam a paz, a segurança e o bem comum.

2.1.2 Montesquieu

Posteriormente a Locke, outro autor muito importante para a definição do Estado de Direito é Montesquieu. Sua contribuição dirige-se especialmente ao controle do poder monárquico, em sua tripartição entre poder executivo, judiciário e legislativo.

23 (LOCKE, 1994, p. 139)

(21)

Montesquieu idealizou a divisão dos poderes como uma forma de controle para garantir a liberdade. Para tanto, definiu liberdade como sendo a possibilidade de fazer tudo o que as leis permitem; portanto, só existe liberdade nos Estados que são regidos por leis, característica típica dos Estados, denominados por Montesquieu, como Moderados. No entanto, quando nestes Estados há abuso de poder, surge a frase clássica

do autor: ―[…] a experiência eterna nos mostra, que todo homem que tem poder é sempre tentado a abusar dele. […]. Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder contenha o poder. […]‖25.

Caso o poder legislativo e o executivo estejam em mãos de uma mesma pessoa, poderá haver leis tirânicas, aplicadas tiranicamente. Se a liberdade é dada por aquilo que a lei permite, leis tirânicas impedem o exercício da liberdade, pois a ação permitida será apenas a permitida pelo tirano, arbitrariamente; o mesmo se pode dizer sobre as outras combinações de concentração entre os três poderes. A tripartição dos poderes garante maior liberdade.

Porém, a simples contenção do poder pela tripartição dos poderes não é suficiente, pois cada poder ainda tem que ser regulado para que os seus membros não concentrem todo este poder.

O poder de julgar não pode ter membros permanentes e deve ser exercido, de forma temporária, por pessoas extraídas das classes populares, que dure o necessário para que os julgadores sejam imparciais e para que não sejam temidos. Montesquieu diz que o réu pode escolher seus julgadores, ou, pelo menos, negar uma parte deles, e que seja julgado, necessariamente, por membros pertencentes à sua classe social26. Isto poderia evitar, na época, uma disputa entre as classes, para que um réu burguês, por exemplo, não fosse punido por juízes nobres. Os juízes simplesmente repetem o que diz a lei27, devem ser imparciais e impessoais, não podendo interpretá-las: quem modera a lei é o poder legislativo.

25 (MONTESQUIEU, 2006, p. 164-165) 26 (MONTESQUIEU, 2006, p. 167-168)

(22)

A regulação do poder legislativo28, primeiramente ocorre quando este poder é exercido pelo povo, pois é próprio do conceito de liberdade que o homem deve ser governado por si mesmo, mesmo que isso aconteça por representantes, conforme o tamanho do Estado. Porém, esta hipótese de democracia direta é logo relaxada por Montesquieu para apenas se concentrar na indireta29. Isso seria revolucionário para época do absolutismo, especialmente o francês.

O simples fato de ter representantes das classes sociais, que nunca detiveram tradicionalmente o poder político, fazendo e discutindo leis, já seria uma grande conquista. Assume-se, também, que as leis produzidas refletem as relações de poder entre as classes30.

O poder legislativo deve criar leis e também fiscalizar se foram bem executadas, sendo este um controle sobre o poder executivo. Por fim, o poder legislativo deve ter rotatividade31.

Montesquieu também limita a democracia, não só o poder, pois afirma que a cada classe ou grupo é necessário que se dê um peso de votação proporcional às suas riquezas, honrarias, privilégios, à sua distinção pelo nascimento, ou seja, critérios censitários32, o que, aliás, o autor enaltece ao falar do governo república dos tempos de Grécia e Roma em sua obra, especialmente nos livros segundo, terceiro e quinto.

Dessa forma, cada indivíduo não teria um voto, os votos seriam proporcionais ao poder que cada classe teria na sociedade. Isto garantiria que o poder legislativo não permanecesse com uma única classe e que representasse as várias classes sociais, conforme seu poder.

28 (MONTESQUIEU, 2006, p. 168-169)

29―Havia um grande vício na maioria das antigas repúblicas: o povo tinha o direito de tomar as resoluções ativas que requerem certa execução, coisa de que ele de modo algum é capaz. Ele só deve tomar parte no governo para escolher seus representantes, e isso é tudo o que pode fazer.‖ (MONTESQUIEU, 2006, p. 169, grifos).

30 ―[…] As leis que regem as instituições políticas, para Montesquieu, são relações entre as diversas classes em que se divide, as formas de organização econômica, as formas de distribuição do poder etc.‖ (ALBUQUERQUE, 2006, p. 115)

31 (MONTESQUIEU, 2006, p. 169)

(23)

O poder legislativo também julga. Para os crimes políticos, os nobres são julgados pelos seus pares, não nos tribunais comuns, mas pela parte nobre que compõe o poder legislativo; porém, o povo não pode ser julgado pelo poder legislativo, uma vez que a questão da diferença entre as classes sociais poderia acarretar um julgamento injusto33.

O poder executivo deve ficar a cargo do monarca, porque uma administração se realiza melhor solitariamente, do que em várias pessoas. Este monarca é sagrado, não podendo ser punido pessoalmente, a fim de se evitar que o poder legislativo, que verifica a execução das leis, aja tiranicamente contra o Rei. O mesmo não acontece com os ministros, que podem ser punidos, simplesmente por terem aconselhado mal o rei na execução das leis.

Embora a lei, na teoria de Montesquieu, sirva para que o executivo a cumpra e o poder legislativo verifique o seu cumprimento, configurando-se assim, um forte controle ao poder do monarca, a convocação do poder legislativo, que se reúne temporariamente, é feita pelo monarca, ficando o legislativo à mercê do poder executivo, da mesma forma como colocado por Locke.

O poder executivo é fiscalizado pelo legislativo na execução das leis e o executivo tem poder de veto nas leis feitas pelo legislativo; assim, um poder controla o outro. É certo que há maior liberdade de ação no poder executivo, pois é fiscalizado ex-post; o poder legislativo não tem a mesma liberdade do executivo, porque: a) precisa do crivo do poder executivo para que suas leis sejam promulgadas; e, b) deve ser convocado pelo monarca. Em contrapartida, o poder legislativo pode destituir o exército34.

2.1.3 Conclusão

Os Estados Unidos da América do norte promoveram sua luta de independência contra a metrópole inglesa, já que a Inglaterra estava exigindo cada vez maiores

(24)

recursos e limitando a atividade econômica dos EUA por conta das transformações ocorridas pela Revolução Industrial inglesa, que geravam grandioso descontentamento.

Baseando-se em Locke, especialmente no direito de insurreição a um governo quando este não garante a liberdade e a felicidade de seus governados, os EUA aplicaram, em sua Constituição, a proteção dos Direitos Individuais e a tripartição dos poderes do Estado. O que perpetua a Independência dos EUA são suas declarações prévias à Independência, e a sua Constituição, no que se refere aos direitos fundamentais dos indivíduos, dentre eles, o de insurreição; já, a Revolução Francesa, fincou a Declaração dos Direitos Fundamentais dos Homens e Cidadãos.

Assim, as transformações inglesas, francesas e estadunidenses formam a origem e o contexto do Estado de Direito. Um Estado submisso à lei, com os poderes executivo, legislativo e judiciário, separados e harmônicos entre si, capazes de fazer valer o equilíbrio dado pelo mecanismo de freios e contrapesos. A tripartição dos poderes é

resumida de forma prática por Sundfeld: ―[…] os cidadãos escolhem em eleições os

parlamentares, o Parlamento faz normas para regular a cobrança de impostos pelo Executivo, um Tribunal pode anular a lei feita pelo Parlamento, o indivíduo pode mover

uma ação judicial para se furtar da cobrança ilegal de impostos […].‖35.

Para consolidar o Estado de Direito é necessário uma norma superior à lei, superior às possibilidades de veto e anulação do poder executivo e do poder judiciário e modificação pelo legislativo: a Constituição, que define a estrutura do Estado e garante direitos aos indivíduos. Por fim, o Estado de Direito tem como características principais:36

supremacia da Constituição; separação dos poderes;

superioridade da lei;

garantia dos direitos individuais.

35 (SUNDFELD, 2007, p. 36)

(25)

2.2 OESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO

O Estado de Direito cumpriu sua função ao limitar o poder real mediante vários mecanismos; todavia, isso possibilitou a ascensão da burguesia e a derrubada do poder das classes que lhe opunham a ascensão. O Estado de Direito não contempla a democracia37, tampouco o Estado de Bem Estar Social, ou o Estado Providência, tanto que na época da Revolução Francesa, um dos pressupostos do Estado de Direito era o voto censitário.

Isso era a concretização do liberalismo do tipo laissez-faire. Ao defender o liberalismo, deixando os indivíduos agirem livremente, chegar-se-ia à felicidade. Como explicitavam liberais da época, cada um buscando seus próprios interesses, em uma sociedade em que um depende do outro, todos serão felizes.

Isso não contentava os pobres e miseráveis. As classes menos favorecidas tiveram uma oportunidade de participação em uma determinada fase da Revolução Francesa e, nesta fase, empenharam-se nas lutas contra o liberalismo. Os momentos mais marcantes destas lutas aconteceram na Era do Capital (1848 – 1875)38 e na década de 1910, com a Revolução Russa como cume. Estas lutas reivindicavam maior participação política, maior igualdade social diante das desigualdades típicas do capitalismo, reforma agrária, redistribuição de renda, enfim, melhorias que beneficiassem os marginalizados do sistema.

Diante de crises capitalistas, como as de 1871 e 1929, as quais o liberalismo e seu correspondente Estado de Direito não conseguiram administrar, estas lutas intensificaram-se e as pressões políticas aumentaram ainda mais. Diante delas, e do medo de uma revolução russa no ocidente, inicia-se um processo de mudança no Estado de Direito, como diria um grande economista do século XX, John Maynard Keynes, era o fim do laissez-faire39 e, assim, do liberalismo. Não poderia mais haver um Estado que fosse apenas impelido de atingir os direitos individuais fundamentais, este Estado deveria fazer mais.

37Os liberais, com suas concepções individualistas, consideravam que o homem deveria desfrutar de todas as satisfações, não se submetendo senão aos limites da Razão. Acreditavam no Progresso, fenômeno natural e decorrente da livre-concorrência que também estimulava as atividades econômicas, tudo conduzindo à felicidade e à prosperidade de todos.‖ (AQUINO, 2003, p. 333)

(26)

É nesse sentido que os Direitos Políticos de participação, inclusive direta, foram consagrados, bem como Direitos dos Trabalhadores e os Direitos Sociais para proteger os pobres e miseráveis, os fracos diante do poderio econômico.

Surgiu também a obrigação do Estado de prestar serviço de educação, saúde e previdência social, e até o direito dos Estados de intervir na economia para trazer desenvolvimento ou prover a nação de atividades que não interessavam à iniciativa privada, bem como o poder de evitar e combater crises econômicas40.

Embora, como salientam Sundfeld41 e Bonavides42, Estado de Direito e Estado Democrático e Social tenham origem histórica distinta, e conteúdos valorativos opostos, porém, nos tempos atuais o Estado Social e Democrático está inserido no Estado de Direito. O Estado de Direito defende o Estado mínimo, a sua limitação e regramento servem especialmente para proteger os direitos individuais de suas ações. Já, o Estado Social e Democrático quer ampliar suas ações para além do mínimo necessário e ainda fazer com que o povo participe dele, sem distinção de riquezas e classes. Essa inserção se dá porque é por meio da lei, sobretudo, das Constituições, que os Direitos Políticos, dos Trabalhadores, Sociais e demais, estão positivados e, como o Estado está adstrito à lei, aos referidos direitos deve perseguir e por eles deve balizar suas condutas e ações.

2.3 AS FUNÇÕES JURÍDICAS DO ESTADO

Antes de falar das funções jurídicas do Estado, faz-se necessário ressalvar que o objetivo do presente estudo é analisar as funções jurídicas43 estatais sob a óptica da

40―Um Estado, pois, para debelar as crises e recessões da ordem capitalista, sem fechamento, porém, do sistema político, que permanecia pluralista e aberto. Um Estado, certamente, da economia de mercado, embora debaixo de alguma tutela ou dirigismo, que pouco ou nada lhe afetava as estruturas, posto que interditasse determinados espaços da ordem econômica, subtraídos ao livre jogo das forças produtivas.‖ (BONAVIDES, 2009)

41 (SUNDFELD, 2007) 42 (BONAVIDES, 2009)

(27)

ciência do direito, ou seja, a partir do estudo das normas jurídicas positivadas em nosso ordenamento, razão pela qual não reconhecemos como objeto da ciência, as aspirações ideológicas do Barão de Montesquieu, mesmo que notáveis e brilhantes.

Por outro lado, reconhecemos a importância da teoria de Montesquieu na preservação da liberdade44 dos homens contra os seus governantes e na solução da questão da concentração do poder45. O reconhecimento do brilhantismo destas duas ideias é inegável, mesmo porque, o conteúdo expresso no livro ―Do espírito das leis‖

teve uma estrondosa aceitação46 pelas Constituições dos países ocidentais, nas quais a Constituição brasileira encontra-se incluída.

Outro fato relevante sobre a referida aceitação das ideias de Montesquieu, especialmente em relação à tripartição do poder, ou seja, a solução idealizada para evitar o abuso do poder, que certamente ocorreria com a concentração, foi que a transposição desta ideologia para os textos normativos não ocorreu de forma perfeita, haja vista que os textos criados não conseguiram implementar adequadamente a distribuição das funções em órgãos distintos e específicos (executivo, legislativo e judiciário)47, que representavam e ainda representam os três poderes48. Em decorrência

44―Deve-se sempre ter em vista o que é independência e o que é liberdade. Esta última é o direito de fazer tudo aquilo que as leis facultam; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, uma vez que os outros teriam também esse poder. (MONTESQUIEU, 2006, p. 164).

45 ―Quando em uma só pessoa, ou em um mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não pode existir liberdade, pois se poderá temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder executivo e do poder legislativo. Se o poder executivo estiver unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. E se estiver ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.‖ (MONTESQUIEU, 2006, p. 166).

46 O professor Celso Antônio Bandeira de Mello reconhece que a aceitação das ideias do Barão de Montesquieu: ―É pura e simplesmente uma construção política invulgarmente e muito bem sucedida, pois recebeu amplíssima consagração jurídica." (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 31).

47 Art. 2º. São Poderes da União, independes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (BRASIL, 1988).

48 Para não restar dúvidas acerca dos conceitos de poder, função e órgão, colhe-se a explicação de Mônica Martins Toscano Simões, com base nos ensinamentos de Carré de Malberg: ―[...] o poder é uno, mas é necessário distinguir nesse poder as funções, que são múltiplas. As funções, [...] seriam as diversas formas pelas quais se manifesta a atividade do Estado, enquanto os órgãos são as diferentes pessoas ou corpos públicos encarregados de desempenhar as diferentes funções do poder.‖ (SIMÕES, 2004, p. 23)

(28)

disso, os meros rótulos usados são insuficientes para impedir que um órgão exerça a função do outro49.

Neste sentido, tem-se que o órgão do poder executivo, além de exercer a função administrativa, também exerce as funções dos demais órgãos (Legislativo e Judiciário50), sendo que esta imperfeição, mutatis mutandis, estende-se aos outros51.

É justamente neste ponto que se encontra o problema, uma vez que o tema central que objetivamos tratar, ou seja, o da classificação dos atos administrativos inválidos, está inserido apenas no contexto da função administrativa do Estado52. Portanto, a sua separação das demais funções permitirá a adequada análise dos atos de Direito que estão nela inseridos, permitindo, inclusive, a análise e identificação dos regimes jurídicos destes atos. O ato administrativo é um deles, e a sua importância caracteriza-se justamente por permitir que o Estado desenvolva com perfeição a função administrativa. Esta é uma função, em seu sentido material, extremamente complexa, de difícil cumprimento53, por esbarrar em muitos empecilhos de Direito, principalmente,

49Pero las dificultades surgen de que ello no es así; de que cada órgano no se limita únicamente a la función que le corresponde y que, por lo tanto, la separación de funciones en cuanto atribución de éstas a órganos diferenciados, se realiza tan sólo imperfectamente; […]‖ (GORDILLO, 2003, p. 3, T. I, Capítulo IX).

―[...] Sem embargo, nos vários Direitos Constitucionais positivos – e assim também no brasileiro – sua distribuição não se processa de maneira a preservar com rigidez absoluta a exclusividade de cada órgão no desempenho da função que lhe confere o nome.[...]‖ (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 32).

50 É válido ressaltar que aqui nos referimos à função jurisdicional em sentido material e não em sentido formal.

51―Com efeito, ninguém duvida que o Poder Legislativo, além dos atos tipicamente seus, quais os de fazer leis, pratica atos notoriamente administrativos, isto é, que não são nem gerais, nem abstratos e que não inovam inicialmente na ordem jurídica (por exemplo, quando realiza licitações ou quando promove seus servidores) e que o Poder Judiciário, de fora parte proceder a julgamentos, como é de sua específica atribuição, pratica estes mesmos atos administrativos a que se fez referência. [...] Outrossim, conforme opinião de muitos, o Judiciário exerceria atos de natureza legislativa, quais, os seus regimentos internos, [...]. De seu turno, o Poder Executivo expede regulamentos, atos que materialmente são similares às leis e, na Europa, muitos destes regulamentos inovam inicialmente na ordem jurídica, tal como o fazem as leis. É certo, ainda, que o Executivo também decide controvérsias. É o que faz, exempli gratia, nos processos

que tramitem perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) destinados a apurar e reprimir os comportamentos empresariais incursos em ‗abuso de poder econômico‘ ou nos processos de questionamento tributário submetidos aos chamados ‗conselhos de Contribuintes‘.‖ (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 33-34).

52 Quando dizemos que são os atos realizados pelo Estado, neste momento, estamos incluindo aqueles atos realizados pelo Estado de forma indireta, vide a conceituação de execução direta e indireta do Estado no subitem ―Conceito de Ato Administrativo‖ deste trabalho.

(29)

naqueles garantidos aos particulares, como, por exemplo, os direitos individuais. Daí, a importância maior de identificá-la, pois o regime jurídico peculiar do ato administrativo, que é poderoso juridicamente, só possui razão de existir, porque o Estado tem o dever constitucional de exercê-la.

Neste sentido, passar-se-á à análise dos critérios de identificação das funções estatais: subjetivo, material e formal, visando encontrar a melhor forma de caracterizar e identificar a função administrativa, uma vez que essa função constitui exatamente o campo de trabalho sobre o qual recai o nosso estudo.

Com o extravasamento de funções, já mencionado no início, é possível notar que a nomenclatura dada a cada Poder não guarda correlação exata com a sua função, por apenas exprimir a função que ele exerce tipicamente, ficando omisso quanto ao exercício de outras funções atípicas. Assim, fica demonstrada a insuficiência do critério subjetivo para definição das funções, ou seja, aquele que leva em consideração o órgão (sujeito) que realiza a atividade jurídica.

Quanto à utilização do critério material54, nota-se que este também não resolve o problema, porque, segundo a opinião de Gordillo e outros, o conceito material de função administrativa55 não é compatível com os conceitos materiais das demais funções, isso porque, mesmo sendo os conceitos das funções legislativa56 e jurisdicional57 singelos, ou seja, passíveis de definição material, o da função administrativa não o é. Neste sentido, o ilustre administrativista argentino até demonstra

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL,

1988).

54 É aquele que identifica a função estatal por meio da atividade realizada ou produzida.

55Para Renato Alessi: ―[…] según la noción común, administración es la actividad concreta, dirigida, a través de una acción positiva, a la realización de los fines concretos de seguridad, progreso y bienestar de la colectividad. Función, por lo tanto, dirigida a la integración de la actividad individual allí donde ésta se revele como insuficiente para los objetivos que sean de interés colectivo; y a la prestación de bienes o de servicios necesarios para asegurar la conservación, el bienestar y el progreso de la colectividad. […]‖ (ALESSI, 1970, p. 7).

56 Complementa Alessi: ―Según la noción común, la legislación es la promulgación de las normas, es decir, de los mandatos jurídicos que poseen el carácter de generalidad y abstracción necesarios para regular el desarrollo de la vida social y de las organizaciones en que ésta se concreta, regulando coactivamente la conducta futura de los individuos y de los grupos sociales menores en su relaciones recíprocas.‖ (ALESSI, 1970, p. 6-7).

(30)

a possibilidade de definição material das funções legislativa e jurisdicional58, mas não se aventura a traçar a da função administrativa.

Consoante nosso sentir, e com o devido acatamento ao entendimento do Professor Agustín Gordillo, comungamos com sua opinião de que o critério material também não se presta à identificação e à definição da função administrativa59, pois o critério material é inadequado, por ser impreciso e vago, por ser a função administrativa muito abrangente. A imprecisão não se deve à incompetência das tentativas de se definir materialmente esta função ou de seus autores, mas está localizada, mais exatamente, na amplitude de hipóteses. Neste sentido, para se cobrir materialmente as atividades relacionadas com a função administrativa teria que ser gasto rios de tinta e, ainda sim, estar-se-ia, ou se poderia estar, diante de um conceito omisso tendo em vista o grandioso número de atividades de responsabilidade do Poder Executivo.

Além da hipótese de Gordillo, entendemos que também há outra, que julgamos a principal: o critério material não é propriamente jurídico; segundo os ensinamentos do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello60, a definição de qualquer objeto do Direito depende da qualificação dada pelo próprio ordenamento jurídico. Neste sentido, e investidos na obrigação de investigar o nosso ordenamento jurídico positivo, acreditamos que, para a definição das funções estatais, faz-se necessário olhar quais são as atribuições concedidas a cada função pelo ordenamento jurídico, o que significa dizer que é preciso observar o regime jurídico de cada uma delas.

O critério, que define os objetos do Direito pelo regime jurídico aplicável, chama-se ―formal‖, o qual se reconhece como adequado ao presente estudo, em sua suficiência para alcançar os fins pretendidos num trabalho científico de Direito.

58 Gordillo define materialmente as funções legislativa e jurisdicional: função legislativa é aquela responsável pela criação de normas gerais de conduta, imperativas, para todos os habitantes; enquanto que a função jurisdicional é aquela decisão imperativa de lide entre partes, determinando o direito aplicável. (GORDILLO, 2003, p. T I, IX 5.)

59 Considerando que o critério material não é hábil para definição das funções estatais, o mesmo entendimento se aplica à utilização de um critério residual, uma vez que o mesmo toma como base a definição material das funções legislativa e jurisdicional. Assim, compartilhamos integralmente do posicionamento do Professor Agustín Gordillo, que diz: ―que en realidad no resuelve nada, pues se en muchos casos es manifiesto que no hay legislación ni jurisdicción – y por lo tanto sí administración -, quedan muchos más en los que se duda de qué actividad se trata.‖ (GORDILLO, 2003, p. 5).

(31)

Segundo Renato Alessi, a função legislativa61 é uma função de produção jurídica primária, ou seja, é a função em que o Estado exerce seu poder de inovar na ordem jurídica de forma primária, regulando as relações jurídicas, por atos abstratos e gerais, em posição superior e sem fazer parte das mesmas.

Já a função jurisdicional62 é a edição de atos jurídicos subsidiários das leis, com o fim de concretizar as ordens legais de forma coativa, nos quais o Estado se mantém acima e apartado destas relações jurídicas.

E por fim, a função administrativa63 é a edição de atos jurídicos concretos e complementares da lei, visando dar-lhes cumprimento, e nos quais o Estado figura como parte da relação jurídica, não em posição de igualdade, mas sim em supremacia, por gozar de prerrogativas de poder.

As definições formuladas acima merecem ajustes ao ordenamento jurídico brasileiro, pois são frutos das análises jurídicas feitas do ordenamento jurídico italiano, e, portanto, apesar de corresponderem ao resultado da aplicação do critério formal, não se encaixam perfeitamente a nossa norma.

Por este motivo, e pelo fato de compartilharmos do mesmo entendimento que o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, iremos adotar as definições por ele

formuladas. Assim, função legislativa ―[...] é a função que o Estado, e somente ele,

exerce por via de normas gerais, normalmente abstratas, que inovam inicialmente na

ordem jurídica, isto é, que se fundam direta e imediatamente na Constituição.‖64,

enquanto que a função jurisdicional ―[...] é a função que o Estado, e somente ele, exerce

por via de decisões que resolvem controvérsias com força de ―coisa julgada‖, [...]‖65.

E, por fim, função administrativa ―[...] é a função que o Estado, ou quem lhe

faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquico e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante

61 (GORDILLO, 2003, p. 7-8).

62 (ALESSI, 1970, p. 8). 63 (ALESSI, 1970, p. 8).

(32)

comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos

todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário‖66.

Este conceito de função administrativa atende plenamente aos anseios do Direito, porque, com ele, permite-se identificar a função administrativa e todos os seus correlatos efeitos, mas não atende à profundidade da missão passada ao Estado, quando se afirma ser dele o dever de exercê-la. Os consectários do dever de exercer uma função serão expostos no próximo subitem.

2.4 CARACTERÍSTICAS DA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA

Neste tópico pretendemos aclarar o que significa para o Estado possuir função administrativa. Gostaríamos de evidenciar quais são as suas características e, principalmente, quais as consequências disso, ou seja, apontando quais são as obrigações estatais que decorrem da função administrativa.

Neste sentido, a função administrativa do Estado consiste no dever de alcançar o interesse público, no cumprimento dos princípios e normas de Direito Administrativo, no dever de editar normas jurídicas e na impossibilidade de perseguir interesses secundários, ou na irrelevância do elemento volitivo no cumprimento do dever.

Em atenção ao que dissemos no primeiro parágrafo deste subitem, temos que função, segundo entendimento doutrinário, é o dever de satisfazer o interesse alheio, mesmo que este interesse seja contrário ao próprio interesse da pessoa investida na

função. ―Toda função estatal importa a busca do interesse público (bem comum)‖67.

No mesmo sentido, explica Ruy Cirne Lima que a atividade administrativa não é o poder de fazer tudo o que manda a própria vontade, porque esta prerrogativa somente pertence àqueles que possuem a propriedade da coisa: "Administração, segundo o nosso modo de ver, é a atividade do que não é proprietário - do que não tem disposição da cousa ou do negócio administrado."68.

66 (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 36). 67 (MARTINS, 2008, p. 43).

(33)

Com efeito, o Estado exerce a função administrativa para atender aos interesses do proprietário da coisa pública, que é o povo, o qual lhe outorga poderes de administração por meio das leis. Assim, em um regime de Estado de Direito não cabe ao Estado exercer a função administrativa de forma diversa daquela prevista em lei, já que esta representa a vontade do povo.

Não há maior prova desta limitação estatal do que as encontradas nos diversos dispositivos constitucionais que tratam do assunto: no Art. 1º. está disposto em seu "Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."69; no Art. 5º. está dito em seu inciso II que: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;"; no Art. 84, inciso IV, diz que compete ao chefe do Poder Executivo "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução."; e, por fim no Art. 37. caput, está expresso que toda a Administração Pública deve respeito ao princípio da estrita legalidade.

Diante disso, pode-se concluir que a função administrativa nada mais é do que o dever imposto ao Estado70 de administrar as coisas públicas, com o fim de atender aos interesses do povo expressados nas leis71.

69 Quanto a esta passagem constitucional, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que: "Deveras, como o texto constitucional estabelece que todo poder emana do povo, o poder que o agente administrativo maneja é colhido na fonte legislativa - representativa de nossa voz - e só é exercitável para atender ao nosso interesse (interesse do povo, da coletividade ). O terceiro - o sujeito alheio ao administrador enquanto tal - é a coletividade em cujo proveito se exerce o poder. Este exercício apresenta-se como instrumento necessário para que o agente público se desincumba do dever de dar provimento à finalidade configurada pela lei como útil ao todo social. (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 117)

70 O presente trabalho adota a Teoria Teleológica do Estado, que conceitua o Estado como sendo a: ―ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território‖. (DALLARI, 1995, p. 101).

(34)

Este vínculo existente entre a finalidade do Estado e o cumprimento da lei está contido na noção jurídica de "interesse público", a qual é conceituada pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello como sendo "o interesse resultante do conjunto dos

interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem.‖72.

Com estas afirmações sobre a função administrativa, a finalidade do Estado, o seu dever de cumprir a lei e a noção jurídica de interesse público, chegamos ao entendimento de que, tanto o povo quanto o particular, membro da sociedade, quando afetados por um descumprimento estatal, gozam de direitos subjetivos para exigir, administrativa ou judicialmente, que se façam cumprir os seus interesses.

Além disso, com todas aquelas afirmações, podemos também encerrar e desconstituir o entendimento de que os interesses públicos se confundem com os interesses próprios das pessoas do Estado e que são completamente distintos dos interesses dos indivíduos. Em verdade, o que acontece é justamente o inverso, pois, como dito, em regra, os interesses públicos nada mais são do que uma faceta dos interesses individuais, ou seja, a sua faceta coletiva73, e não se confundem com os interesses próprios das pessoas do Estado, salvo em raríssimas exceções.

Com isso, temos como cumprida a missão de definir e dar as características da função administrativa, porém, há uma questão sobre ela que, a nosso ver, ainda requer um maior aprofundamento, o que faremos no próximo subitem.

2.4.1 A impossibilidade de perseguir interesses secundários e a irrelevância do elemento volitivo no cumprimento do dever

Para tratar destes dois temas é imperioso destacar antes a importante distinção entre as normas de Direito Privado e as de Direito Público. Aquelas se encontram fundamentadas na igualdade das partes, na autonomia da vontade e na perseguição de interesses individuais, motivo pelo qual o elemento da vontade tem fundamental relevo.

fidelidade que a anterior a verdadeira índole de sua competência. (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p.

117)

(35)

No Direito Público, os princípios e normas têm objetivos opostos àqueles apontados como base do Direito Privado, uma vez que se fundamentam na desigualdade das partes, na fiel e restrita submissão à lei e no interesse geral da sociedade.

Estes fundamentos de Direito Público ganharam um maior foco a partir dos séculos XVII, XVIII e XIX, quando o modelo de Estado absoluto começou a ruir e as ideias de representatividade popular e de submissão do Estado à lei se fortaleceram.

Como consequência disto, a autonomia da vontade consolidou-se no ramo do Direito Privado e se esvaziou no Direito Público74, em razão da subordinação integral do Estado às normas jurídicas.

Muitos administrativistas reconhecem esta desigualdade de relevância do elemento da vontade entre os ramos do Direito Privado e do Direito Público75. Tanto que o elemento vontade muitas vezes será ignorado no Direito Administrativo, em especial, quando o ato administrativo é realizado em cumprimento de competência administrativa vinculada76. Dizem que a vontade do agente só tem importância quando da prática de atos discricionários, porque, nestes casos, deve o administrador sopesar as circunstâncias concretas para escolher dentro dos limites legais o ato que melhor atenda à finalidade da lei.

Em que pese a opinião de renomados juristas, filiamo-nos ao entendimento do professor Sílvio Luís Ferreira da Rocha que, para nós, defende, com razão, a completa irrelevância do elemento volitivo na realização do ato administrativo.

Segundo seus ensinamentos, há que se distinguir a "vontade" do "discernimento". "'Vontade' significa querer, agir de acordo com o seu desejo,

74 O professor Sílvio Luís Ferreira da Rocha reconhece este esvaziamento da vontade no Direito Publico, explicando que: "No Estado não havia espaço para o alargamento do uso da vontade, já que importava tão-somente o comando da lei, entendida como vontade geral da Nação." (FERREIRA DA ROCHA, 1999, p. 49)

75 Aqui podemos citar o autor português André Gonçalves Pereira, o italiano Renato Alessi, o argentino Agustín Gordillo e o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, dentre outros.

Referências

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