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Quando conclui a graduação em Arquitetura, Milanez resolve em 1985 abrir um escritório com outros dois amigos e passa a exercer a função junto com eles de maneira autônoma. Ele agrega essa atividade as outras de sua vida e seu mundo do trabalho se expande mais uma vez. Conforme ensina Durkheim, a divisão do trabalho social (1999) se dá de maneira também geracional, isto é, a medida que envelhecemos incorporamos um novo rol de atribuições àquelas que já possuíamos e podemos, no decorrer desse processo, agregarmos novas socializações e abandonar outras. Essas socializações são seminais para a incorporação, por sua vez, de novas disposições que se sedimentam no patrimônio que constitui o habitus. Além disso, os quadros contextuais são dinâmicos e mudam de acordo com o desenvolvimento da vida dos indivíduos. Nessa perspectiva, na proporção que a vida de Milanez como pai, militante, biólogo, arquiteto, empresário e, no futuro, político vai se alterando, sua cumplicidade ontológica com os diversos espaços sociais também.

145 Entretanto, suas disposições sustentáveis se objetivam quando se observa que ele nunca abandona de absoluto não apenas suas práticas relativas, por exemplo, a militância na preservação do ambiente natural, mas também quando soma nas atividades possíveis que poderia desempenha no seu escritório de Arquitetura outras que pudessem estar em consonância com a Sustentabilidade. Faz-se pertinente ressaltar que como Mila tinha uma apetência por trabalhos assistemáticos, ele passa a se sentir menos satisfeito quando percebe que estava se dedicando demais ao trabalho no escritório, estando “enclausurado” dentro daquele lugar unicamente. Ele permanece com o escritório até 1992 quando o dissolve para concorrer a prefeitura de Canoas, todavia, o escritório tinha filiais no Rio de Janeiro e em São Paulo, mostrando que Francisco havia conquistado um razoável grau de sucesso nessa atividade.

Milanez justifica sua transição esse momento das seguintes formas: “Depois de

alguns anos de escritório, eu dissolvi meu escritório porque eu me dei conta de que eu trabalhava pro escritório. Foi basicamente... [fazendo os cálculos do tempo] 1992... isso eu sei porque a ruptura, na verdade, foi a minha campanha. Quando eu entrei eu já parei

pra... Não, fiquei atendendo ainda... Mas quando eu... Acabou a campanha em 1993 e nós tratamos de diluir a empresa, que é toda uma burocracia, né? A essa altura eu tinha escritório em São Paulo, no Rio, em Araraquara, então, foi complicado. Aí a gente criou a

Quorum Rio e São Paulo, Araraquara, e a gente estava fazendo uma internacional, mas aí eu me dei conta o seguinte, cara, que... na verdade, o meu escritório me sugava. Porque o

que aconteceu quando eu parei... eu fiquei totalmente autônomo! E eu sempre gastei 70%

do meu tempo com trabalho voluntário, esse foi o problema, que eu sempre vivi na vida... eu estava com tudo pra ganhar dinheiro, mas não... E aí, o que aconteceu, eu me dei conta o seguinte, quando eu... foi nesse ano que eu virei Presidente da Agapan, pela primeira vez”.

Embora sempre estivesse envolvido com política de diversas formas desde a adolescência, é em 1992 que Milanez se candidata a prefeito da cidade Canoas. Essa indicação vem de uma construção que se deu anteriormente por meio de uma aproximação com os Associação dos Jovens Empresários de Porto Alegre, que Milanez chegou a presidir no período anterior a sua candidatura a prefeitura. Em certa medida, foi por lá que ele articulou os recursos simbólicos necessários para ser, posteriormente, conhecido por determinadas figuras detentoras de capital simbólico no Partido dos Trabalhadores e que, por sua vez, incentivaram-no a concorrer. Contudo, é interessante trazer a luz que sua trajetória política anterior, isto é, sua atuação na universidade não convergia com a política

146 partidária mais tradicional. Sobre esse início do seu envolvimento com a política partidária, Milanez descreve da seguinte maneira: “[Envolvimento com política] Partidário, sim!

Porque eu sempre... eu estava na faculdade quando criaram o PT, mas eu nunca, partido eu não gostava! Eu era do movimento anarquista. Em 1989 ou 1990 eu fui eleito [para a Associação dos Jovens Empresários]”.

Analisando sua trajetória, não é de surpreender que ele se encaminhe para um partido situado no espectro ideológico da esquerda. Contudo, antes de tratar especificamente desta questão é relevante enfatizar que mesmo nos Jovens Empresários Milanez objetiva suas disposições sustentáveis ao não aceitar se alinhar com práticas orientadas unicamente ao lucro econômico. Sua intenção era fazer uma gestão que desde o início, ou seja, desde a campanha fosse pautada pela responsabilidade com a sociedade e com a preservação do ambiente natural. Sua pauta socioambiental foi frontalmente questionada, porém ele responde assertivamente a esses questionamentos, tentando mostrar que era perfeitamente possível alcançar um determinado equilíbrio entre o lucro econômico, a responsabilidade com a sociedade e a respeito ao ambiente natural. E que seria possível, assim, melhorar a imagem do empresariado e auferir para essa classe bons resultados materiais e simbólicos.

Milanez explica como conciliou as aparentes contradições diante de seus pares e respondeu aos questionamentos que recebeu da seguinte maneira: “Como é que

ambientalista vai defender empresário, quem vai interceder?’ eu digo ‘Pode ficar bem claro, em primeiro lugar, eu vou defender meio ambiente [risos] e em último eu vou defender os empresários. Se vocês querem um cara pra defender, chorar e defender interesses aí das coisas que todo mundo faz, não me escolham! Se vocês querem um cara pra provar que empreendedorismo pode ser uma coisa legal e boa pra sociedade, aí nós temos que fazer isso ser verdade’”. Fica patente que Milanez permanece alinhado

prioritariamente com a Sustentabilidade, tanto é que não temeu em se denominar de “ambientalista”, todavia, ele mobiliza os capitais culturais reconhecidamente legítimos no meio empresarial para fundamentar uma posição que se alinhava com o equilíbrio entre esses pilares fundamentais.

A participação de Milanez nos Jovens Empresários acontece de 1989 a 1992, quando ele sai dessa Associação para concorrer à prefeitura de Canoas. O ativismo na Associação e ter assumido a presidência dela fez com que ele ganhasse projeção no cenário político local e sua posição progressista chamou atenção de importantes lideranças do Partido dos Trabalhadores. Sobre essa aproximação que culminou na sua candidatura à

147 prefeitura de Canoas, Milanez a descreve assim: “Aí, o Tarso que era muito desconfiado

comigo, começou a ficar meu amigo, assim... porque eu apoiava todos dos troços da prefeitura e tal. E ele tinha um negócio contra empresários, mas ‘Pô, Milanez, tu não

gostaria de tomar um traguinho lá em casa!’ eu digo ‘Vamos!’ e aí fomos lá, e ele descobriu que eu sabia outras coisas [riso contido] e aí no final ele disse assim ‘Tu é uma pessoa de

carreira política! [...] Aí ele ficou assim e eu ‘Porque eu não quero ser vereador, tchê, eu quero ser executivo, não legislativo e eu gostaria de ser em Canoas’ e ele disse ‘Por que, tu é de lá?’ eu digo ‘Não, meu pai era de lá’ e ele disse ‘Ah, e tem muita gente conhecida

lá?’ e eu ‘Não, só alguns conhecidos da família, ninguém me conhece em Canoas’ e ele ‘Pô, mas como é que tu?’ e eu ‘Não sei, mas é um lugar...’ aí ele disse ‘Bom, o que eu posso fazer é te apresentar para os vereadores’. [E Milanez responde:] ‘Tá, estou à disposição’”.

É importante notar também que Milanez explicita que queria seguir carreira política em Canoas, porque lá era o município de origem de seu pai. E seu Fioravante havia sido uma pessoa reconhecida localmente, tendo ocupado o cargo de vereador. Fica implícita aí a possibilidade mobilização de capitais sociais associados à posição do pai, mas, além disso, seguir carreira política na capital esbarraria no fato de Milanez não ser tão conhecido pela população e não ter tanto capital simbólico dentro do Partido dos Trabalhadores que o habilitassem concorrer por lá. Ademais, ressoa também a influência das primeiras socializações na trajetória de Milanez, uma vez que a figura do pai reemerge como influência na sua carreira político-partidária em alguma medida.

A mobilização de capitais sociais foi essencial para o engendramento da carreira político-partidária de Milanez tanto no âmbito da campanha para prefeito que disputou quando para as vivências políticas que teve antes dela. Além disso, esse conjunto de capitais que se articula com o habitus, como já foi dito anteriormente nesta análise, não se articula de forma mecânica ou ignorando as condições objetivas, sociais e históricas na qual ele ocorre. O quadro contextual e o campo no qual um determinado engendramento aconteceu devem ser considerados em qualquer investigação de trajetória biográfica, pois é nesse enquadramento relacional que as práticas se dão. Francisco demonstra isso quando mostra reconhecer que sua entrada na vida político-partidária foi ajudada pela projeção que tinha na Associação dos Jovens Empresários. Isso se constata quando ele diz que: “É... na

verdade, recuperando, assim... olhando hoje, com certo afastamento histórico, eu vejo que, na época, a gente via que tinha muito espaço, nos abriu muito espaço para os jovens empresários, nunca teve tanto, a gente estava... a nossa de notícias semanal, que eles nos

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davam de aparições, era um caderno. A gente saia duas vezes por semana em cada jornal, um troço impressionante!”.

Seja na Agapan, nos Jovens Empresários ou no Partido dos Trabalhadores, foi necessário que Milanez ativasse e atualizasse uma disposição muito cara a ele que era a de integrar discursos de diferentes espectros ideológicos. Escrutinando sua trajetória, ele atribuiu essa disposição e competência para tal integração na socialização familiar, pois a convivência com seus pais e irmãos, que eram essencialmente conservadores, fez com que ele aprendesse a engendrar as práticas necessárias para conciliar as contradições que eventualmente emergiam em casa. Que pese a importância dessa primeira socialização, ela se prolonga e irradia para outros âmbitos e acaba por reverberar em toda sua trajetória.

Esse argumento teórico sobre a vida de Francisco é também empírico, uma vez que mesmo com os Jovens Empresários ele conseguia ver que a articulação a partir da pluralidade seria mais efetiva que o sectarismo. Pensando nas práticas discursivas e no seu poder de moldar os resultados que obtemos nas nossas vidas sociais, Milanez sustenta que: “Eu acredito que as pessoas concordam, o que é surpreendente! Porque são tidas sempre

como pessoas só autocentradas, né? Mas, às vezes, não é bem assim. Às vezes falta diálogo, né?”.