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Considerado as lacunas epistemo-metodológicas da proposta macrossociológica bourdieusiana para a investigação de disposições individuais, nesta tese se resolveu por optar pela construção da biografia sociológica de um indivíduo profundamente engajado com a EpS formal e/ou informalmente, com o objetivo de descortinar os patrimônios disposicionais desse ator social. Seguindo o exercício da reflexividade epistemológica sugerido por Bourdieu e Wacquant (2002), explicitam-se nesta seção as escolhas metodológicas que emanam das escolhas teóricas precedentes. Para isso, recorre-se principalmente aos trabalhos de Oliveira (2013), Lima Junior (2013), Reis (2014), Sá (2015), Coutinho (2015) e Lahire (2004) com o fim de aproveitar os aparatos metodológicos criados por esses autores, contribuindo e avançando com eles teórico- metodologicamente à medida que for necessário.

Em termos metodológicos, as biografias sociológicas são prementes, pois não é possível compreender a construção do habitus partindo apenas de categorias herméticas como aquelas derivadas diretamente do exercício profissional ou imaginar que ele se constrói unicamente a partir do contato com os pais, por exemplo. Outros fatores e pessoas que participaram dos diversos processos de socialização devem ser levados em conta. Portanto, a utilização do arcabouço epistemo-teórico de Bernard Lahire, o qual sugere o uso de uma sociologia disposicional em escala individual, se configura como uma saída para resolução dos impasses sobre as reformulações no habitus, o que nos permite dar uma explicação mais robusta para como os agentes reconhecem os princípios norteadores da EpS.

Para a construção de vias diferenciadas para entender os processos de socialização em escala individual, sugeriu-se aqui a teorização sobre como esse especialista do campo

81 da EpS incorporou no seu patrimônio disposicional os elementos que tornaram possível o reconhecimento da Sustentabilidade e a perseguição de uma carreira de difusão dos discursos e práticas a ela relacionadas.

A partir de Lahire (2005), é possível argumentar que esse indivíduo atuou na EpS porque sua crença esteve ligadas a normas sociais produzidas, sustentadas e difundidas por instituições diversas para além daquelas nas quais estudaram e trabalharam, instituições antecessoras, inclusive, como espaços de socialização. Não se incorpora um hábito durável em poucas horas, além disso, determinadas disposições podem enfraquecer ou esvanecer por não encontrarem condições para sua atualização ou até por ser reprimidas (LAHIRE, 2005).

Dessa forma, o remonte, o estudo e a análise desses processos de socialização no presente, assim como no passado, dos agentes mais proeminentes do campo abrem espaço para discussões teóricas e práticas sobre possibilidades de mudanças materiais e simbólicas em diferentes campos. Transformações que apontariam para a produção de novas experiências duradouras para os agentes e para o campo da pesquisa e da formação universitária.

Metodologicamente, é necessário descrever e analisar os quadros, as modalidades, os tempos e os efeitos das socializações com o objetivo de não tornar o conceito sem forma, ou seja, puramente decorativo ou retórico. Por conseguinte, a pesquisa envolvendo os processos de socialização considera como tais processos se organizam e se desenvolvem em cada um desses quadros (LAHIRE, 2015).

A escolha do indivíduo selecionado para esta pesquisa partiu do pressuposto que ele se engajou em práticas relativas a maior preocupação com o equilíbrio entre os âmbitos social, ambiental e econômico na sociedade, que permeiam as diversas visões sobre Sustentabilidade. O ator selecionado não apenas reconheceu a legitimidade do discurso, mas também o tomou para si como mote de sua carreira. Fez-se necessário, assim, o estudo disposicional para entender os diferentes contextos sociais desse indivíduo e possibilitar a aproximação dos aspectos motivadores que tais contextos ativaram, desativram ou reativaram nele.

Tomou-se aqui um ator social para a construção da biografia sociológica, José Francisco Bernardes Milanez, que tem um consolidado ativismo com aspectos da Sustentabilidade, se engajando em práticas de educação sobre a temática, tendo construído sua carreira baseada nos seus princípios norteadores. Além desses critérios de seleção, leva-

82 se em consideração que tal ator é uma figura proeminente na sua área de atuação seja no âmbito público, privado ou no terceiro setor.

A metodologia sugerida nessa tese elabora configurações que representarão as reconstituições de disposições identificadas no trabalho de campo. Tendo esse conjunto de configurações como base, reconstruir-se-ão a trajetória do ator, levando em conta aspectos contextuais e relacionais.

O esforço na análise descortina a pluralidade das forças internas e externas geradoras dos esquemas disposicionais plurais e únicos no indivíduo estudado. Pressupõem-se que a repetição e recorrência das práticas constitutivas das relações que este indivíduo manteve com outros atores e com a estrutura denotará uma clara interdependência entre eles, que está dialeticamente sob constante influência de fatores tanto contextuais quanto relacionais.

Dessa forma, Lahire (2012) propicia uma metodologia que oportuniza ao pesquisador responder determinadas perguntas-chave, por exemplo: como as diversas experiências socializadoras são incorporadas nos indivíduos? Como essas experiências incorporadas se tornam mais ou menos duradouras? E como elas emergem no decorrer dos variados momentos na vida do ator social condicionando suas práticas?

Para chegar às respostas desses questionamentos, Lahire (2005) recomenda a comparação dos mesmos indivíduos em universos sociais distintos e delinear o que vai se modificar ou persistir nas variadas situações que se desenvolvem no interior destes universos. Analisar o indivíduo socializado é também estudar o coletivo. Logo, esse modelo de pesquisa enfatiza as práticas e preferências partindo de variações tanto interindividuais quanto intraindividuais de comportamentos.

As descrições dos indivíduos se inscrevem em suas práticas, é claro, não fornecem os aparatos para identificar quais disposições foram geradas e como isso ocorreu, pois quem opera tal tarefa é o cientista social. Para isso, a análise das descrições fornecidas implica no desenho das configurações de interdependências dos processos de socialização de forma a dar concretude as percepções do pesquisador sobre as disposições observadas (OLIVEIRA, 2013).

Nessa perspectiva, as configurações representam como os atores sociais estudados pensam e agem nos mundos sociais estudados. Teoriza-se que as disposições aparecem de maneira mais ou menos diacrônica ou sincrônica, sendo ativadas a partir de determinados contextos, porém esse processo de ativação não implica deterministicamente que ambas não ocorram concomitantemente. Além disso, as configurações explicitam que as variações

83 das disposições que emergiram são fatores de tendências para ações sociais, políticas, culturais ou religiosas por meio das quais os atores se sentem estimulados a agir.

Nesse sentido, é possível inferir a inclinação para a ação social como fator relevante para a constituição dos patrimônios disposicionais, pois se imagina que o envolvimento com atividades relativas a Sustentabilidade evidencia preocupações com os outros e a busca por soluções para os problemas da coletividade, por exemplo.

A elaboração de um roteiro de entrevistas é a solução que Sá (2015) recomenda tanto para a condução das entrevistas quanto para conferir mais rigor à análise. Embora a existência de tal roteiro possa reduzir a espontaneidade das conversas, este responde a possíveis inquietações emergentes sobre como a interpretação dos dados poderá ser realizada no futuro.

O autor esclarece que muito do que se estabelece no roteiro é oriundo da criação de critérios de pesquisa, algo essencial na condução de pesquisas de natureza qualitativa abertas como a que se propõe aqui. Esses critérios se relacionam com o perfil do estudo e dos perfis dos atores, por exemplo, alinham-se com suas atividades profissionais, seu status no campo e origens sociais (SÁ, 2015). Segue-se, assim, a perspectiva construtivista bourdieusiana que se contrapõem ao ideário positivista de revelação de uma determinada verdade absoluta sobre os objetos.

A orientação para a análise é a do diálogo com os textos transcritos, pois eles são um tipo muito específico de material textual frutos do roteiro supracitado. Sendo assim, foram agrupados os dados dentro dos eixos temáticos previamente estabelecidos, considerando que a especificidade dos eixos permitirá, no decorrer da análise, a comparação das informações. De forma definicional, os eixos são conjuntos de temas de análise agrupados por semelhanças ou proximidades entre si.

Identificou-se na análise, a hipótese que as disposições para atuar na EpS foram construídas por meio de processos de socialização que permitem o sujeito estudado conferir legitimidade as práticas e aos discursos sustentáveis. Com feito, tal análise se aproveitará da estratégia qualitativa oportunizada por meio de entrevistas em profundidade. As entrevistas em profundidade são permeadas por negociações implícitas entre entrevistador e entrevistados, nas quais diversas intenções são invariavelmente explicitadas e se elaboram juízos sobre a situação que se desenrola. O conhecimento da intimidade mútua se constitui por meio de uma relação onde o entrevistado não é meramente alguém que cede informações, mas que possa conhecer e julgar o pesquisador na mesma medida. Tal conhecimento sobre aquele que pesquisa é condição para o elo de afeto e confiança que

84 surgem em narrativas confessionais como as que potencialmente formam pesquisas biográficas.

Para isso, Coutinho (2015) sublinha que o pesquisador não se põe como portador de versões verdadeiras dos acontecimentos, discorrendo, na verdade, sobre pensamentos e sentimentos. Ulteriormente, pretende-se aqui descortinar as “problemáticas matriciais” dos atores investigados, por meio das percepções sobre as complexidades e delicadezas das questões abordadas acerca da intimidade deles (COUTINHO, 2015). Essa problemática é definida por Lahire (2010) como uma determinada condição afetiva matricial que toma diferentes formas em função das etapas do ciclo de vida ou de eventos biográficos específicos.

Portanto, o enfoque em processos de socialização possibilita a compreensão também sobre as forças relativas das disposições e confrontar isso com as transformações na legitimidade dos arbitrários culturais pertinentes a EpS. A legitimidade cultural, por sua vez, está ligada às questões do mundo objetivo que agem de forma imperativa no remonte das disposições, oferecendo caminhos teóricos para discussão sobre a temática.