• Nenhum resultado encontrado

Atuação política: estratégias de ação, recursos e estrutura de mobilização

5.4 ONGA’S E A PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA

5.4.3 Atuação política: estratégias de ação, recursos e estrutura de mobilização

A realidade da influência que exercem nos muitos espaços consultivos ofertados pelo governo é variada. Segundo os entrevistados, em geral conseguem influenciar a formulação das políticas públicas, mas é raro que sejam convidados a apoiar a administração pública na problematização das questões ambientais. Isto significa que é o governo quem direciona a atuação em termos de meio ambiente, seguindo as agendas ambientais da Comunidade Européia. Esta influência se dá, sobretudo, na forma de opiniões e contribuições altamente especializadas e, em poucos casos, no âmbito do conhecimento geral, devido à familiaridade de algumas ONGA’s com os problemas locais em seus territórios de atuação.

Contudo, boa parte dos casos em que participam das decisões, refere-se a consultas dos órgãos governamentais sobre a implementação de suas políticas públicas previamente decididas, devido à competência técnica destas organizações, e de sua capacidade de sensibilizar, mobilizar e comunicar informações à sociedade.

Para as ONGA’s, os espaços ofertados pelo governo em âmbito nacional pecam muito por serem somente consultivos e por não incluírem uma maior diversidade de atores sociais nas suas discussões. No âmbito local, reclamam que as discussões chegam definidas pelo governo central, e há pouca abertura para inserção das contribuições locais e regionais. Em alguns casos, há um excesso de ofertas de espaços de participação que sobrecarregam os poucos membros das ONGA’s com alto custo social, não contabilizado pelo governo.

Em termos do processo de tomada de decisões, as ONGA’s reconhecem que prevalece a opinião de um setor sobre os demais, geralmente a opinião do governo que é sempre maioria nos espaços consultivos. Alguns entrevistados destacam que muitas das decisões a serem tomadas em conjunto com a sociedade já chegam definidas aos espaços participativos. Há um predomínio dos interesses econômicos e de manutenção do poder político nas decisões tomadas nestes espaços, o que deixa pouca margem de negociação aos representantes da sociedade civil organizada.

As reivindicações e contribuições apresentadas pelas ONGA’s nestes espaços só são consideradas quando vão ao encontro aos interesses do governo ou dos demais grupos de interesse com forte pressão sobre as decisões. Do contrário, podem não ser nem mesmo registradas oficialmente e, quando o são, logo tornam-se assunto vencido e diluem-se entre os demais pontos de discussão. É preciso insistir e voltar à mesma demanda várias vezes para que esta obtenha alguma medida satisfatória.

Assim, as ONGA’s concluem que em muitos casos são usadas para legitimar os interesses governamentais perante as exigências dos financiadores internacionais – como o caso da Comissão Européia, e os espaços de participação da sociedade são em geral apenas mera formalidade prevista nos dispositivos legais, não se constituindo em um verdadeiro instrumento para a democratização do processo de tomada de decisões.

No âmbito da eficiência da influência das ONGA’s no processo de tomada de decisão, elas explicitam que somente conseguem infiltrar suas demandas em assuntos dominados por fortes grupos de interesse – como os assuntos econômicos e de infra-estrutura, quando atuam no nível internacional e a pressão é feita de cima para baixo, causando restrições nos investimentos obtidos pelo Estado português. Mas, em geral, os assuntos de menor importância são mais facilmente influenciados pelas ONGA’s.

A sua atuação no processo de tomada de decisão exigiu, como visto anteriormente, uma grande especialização, o desenvolvimento de capacidades técnicas e a geração de informações alternativas aos estudos governamentais. Isto implicou em um grande custo social que foi repassado às ONGA’s e pouco foi assumido pelo Estado. Nenhum dos espaços consultivos ou processos de consulta pública prevê qualquer apoio financeiro do Estado ao trabalho desenvolvido pelas ONGA’s, como os Conselhos de Bacia, por exemplo. No caso da Comissão de Avaliação e Acompanhamento da Infra-Estrutura do Alqueva, trabalho essencialmente técnico, houve uma inovação do governo em subsidiar o trabalho das ONGA’s, como será visto mais adiante.

Sem recursos para prestar esse serviço em nome da sociedade, as ONGA’s valem-se de seus recursos próprios, em menor parte de seus membros e da prestação de serviços, e a maior parte advindos de projetos em que se beneficiam de financiamentos estatais e internacionais, em particular da União Européia, que são aplicados em ações especificas. À falta de subsídios para a atuação política nas demandas estatais, soma-se o fato de que o

tempo dado ao processamento de informações, mobilização dos pares e obtenção de consenso e provável informação à sociedade anterior à decisão que deve ser tomada não está em acordo com a capacidade e eficiência das ONGA’s. Assim, as estratégias que se revelam neste domínio são: a construção de uma plataforma comum na candidatura à representação, que torna legitimas as decisões tomadas pelo representante das ONGA’s eleito para determinado espaço consultivo; a comunicação via meio virtual (e.mail) e a realização de reuniões presenciais entre os pares quando o assunto é polêmico.

Isso resulta em dois campos de atuação assumidos pelas ONGA’s: o primeiro, refere- se à luta pelas questões ambientais, idealizado junto com os princípios definidos na sua criação e que se diversificaram com o tempo e amadurecimento institucional; o segundo, refere-se a luta pelo acesso à informação e o direito de participar nas decisões, previsto por lei, e pela democratização da gestão do ambiente. Esse desdobramento em dois campos de ação, onde o segundo deveria seguir os preceitos legais, consomem igualmente o tempo das ONGA’s diferenciando-as no papel de parceiras das políticas ambientais, e no papel político de reivindicação democrática e de direitos constitucionais.

Nessa luta pela efetivação e ampliação dos espaços participativos, as ONGA’s desenvolvem estratégias variadas, tais como: alianças com outras ONG’s nacionais e internacionais, e a atuação conjunta entre seus pares; difusão de informações e opiniões na mídia, inclusive internacional, em alguns casos; parcerias com universidades; alianças com os setores utilizadores, como, por exemplo, quando medidas do governo afetam os interesses das ONGA’s e dos agricultores ao mesmo tempo; e alianças com o governo no sentido do diálogo e a busca de informações. A existência de sedes regionais espalhadas por todo o território nacional, no caso de algumas ONGA’s, facilita o acolhimento e inserção de demandas locais nas agendas de diálogo com o governo.

Como as ONGA’s possuem quadros especializados, sabem onde buscar as informações necessárias para fazer frente às posições técnicas dos órgãos de governo, recorrendo às universidades, às próprias ONG’s, desenvolvendo estudos próprios, ou mesmo contratando estudos independentes.

Além disso, procuram atuar em redes onde a informação circula com maior eficiência e rapidez, e, sobretudo, onde apreendem modelos inovadores ou bem sucedidos que alimentam a criatividade da sua atuação frente aos inúmeros problemas encontrados tanto no

campo ambiental quanto na ineficiência das políticas públicas. Assim, difundem as estratégias que experimentam na atuação contra os problemas ambientais causados por iniciativa da administração pública e do setor privado, bem como os recursos jurídicos que empreendem nos tribunais nacionais ou mesmo junto à comissão européia. Quanto ao subsídio de sua atuação por demanda do Estado, procuram fortalecer a reivindicação conjunta de apoio financeiro à participação.

A busca de ampliação de suas bases de apoio também é uma estratégia de fortalecimento das ONGA’s. Entretanto, a maioria não tem grande trânsito de informações e diálogo com seus associados, resumindo-se às assembléias previstas no regime estatutário e nos informativos, com poucas exceções, em que procuram organizar espaços de debate com a sociedade sobre temas polêmicos – a exemplo da QUERCUS no inicio da discussão sobre Alqueva em meados da década de 1990. Mas a sua legitimidade é assumida mais em termos da difusão de suas atividades, ideais e interesses pela mídia do que pelas suas bases sociais.

A diversificação dos temas de interesse e o alinhamento com a diversidade da agenda internacional de meio ambiente é muito pobre entre as ONGA’s portuguesas. Embora suas atividades tenham se diversificado, ainda não romperam definitivamente com a influência conservacionista das primeiras ONG’s internacionais, mesmo voltando-se para a ideologia do desenvolvimento sustentável a partir da década de 1990.

Temas como a questão de gênero associada à gestão da água, celebrada desde a Conferência de Dublin em 1992, ou o debate atual sobre o direito humano à água não figuram entre as idéias e concepções dos representantes das ONGA’s entrevistados. Uma das explicações é a falta de recursos humanos que acaba por obrigá-las ao foco em assuntos nacionais por uma questão de eficiência, por outro lado, há dificuldade de aceitação por parte das ONGA’s de um perfil mais politizado em contraposição ao perfil de especialista neutro/racional que muitos membros ligados ao meio acadêmico possuem.

Na atualidade, a questão da gestão da água está intimamente associada com o envolvimento das ONGA’s nos espaços públicos ofertados pelo governo (Conselhos de Bacia) e, de forma especial, com o conflito contínuo em torno da Barragem do Alqueva, de modo que a ausência das ONGA’s neste debate significa uma perda de atuação no tema especifico, de forma mais politizada. A interrupção do funcionamento dos Conselhos de Bacia deixa um grande vácuo na atuação das ONGA’s, bem como a sua saída, em forma de protesto,

da CAAIA, também causa uma redução na atuação política das ONGA’s nos assuntos relativos aos recursos hídricos, embora elas continuem organizadas na atual Plataforma por um Alentejo Sustentável, substituta do Movimento pela Cota 139 – que perdeu seu sentido quando a luta pela cota foi vencida a partir de 2002.

Algumas continuam desenvolvendo projetos locais, enquanto outras participam por demanda do governo na análise técnica de projetos que impactam o meio ambiente, em particular os recursos hídricos, ou como representantes do Conselho Nacional da Água. Mas ainda não foram construídos novos caminhos para a contestação do modelo de desenvolvimento que aposta nas intervenções hídricas de grande impacto, como os empreendidos no caso do Alqueva.

A atuação das ONGA’s na gestão das águas tem contornos muito diferenciados, mas tem um eixo comum: o uso sustentável. A Bacia Hidrográfica do Rio Guadiana alterna períodos de seca, inclusive com violentas enchentes pontuais, minimizadas pela construção de Alqueva, como bem caracteriza o clima mediterrâneo. A escassez hídrica, portanto, é um fato. Por isso, as ONGA’s atuam no Alentejo com a concepção de uso racional e sustentável da água, fiscalizando todo tipo de poluição, e são as principais defensoras da vazão ecológica para a manutenção dos processos ecológicos essenciais, como demonstram as reuniões do Conselho de Bacia do Guadiana. Além disso, consideram a água um bem público, e entendem que devem ser levadas em conta todas as suas dimensões, bem como devem participar todos os setores na tarefa da gestão integrada.

Por fim, ao considerarem sua contribuição especifica para a Bacia do Rio Guadiana, excluindo-se os inúmeros e diversificados projetos que desenvolvem em diferentes áreas, as ONGA’s percebem, de formas diferentes, que ajudaram a construir importantes decisões, contribuindo para a conservação da natureza na bacia – como o Parque Natural do Vale do Guadiana, implementado de forma participativa pela ADPM, e para a gestão das águas na bacia do Guadiana. Mesmo que de forma coletiva não se apercebam dos mesmos avanços, podem ser citados os principais, embora o estudo do conflito possa revelar inúmeros outros: a inserção da Bacia e dos problemas causados pela barragem na agenda política e ante a opinião pública nacional; a pressão sobre o governo para adequada realização do Plano de Gestão previsto no Estudo Integrado de Impacto Ambiental, com o devido controle social, que além das ONGA’s, mobilizou toda a sociedade por meio da mídia; a pressão para interromper a integração entre as bacia do Sado e do Guadiana, cujos impactos não eram bem avaliados; a

pressão social e da própria CE que obrigou o governo português a construir um nível de informação e de conhecimento técnico e cientifico ainda não visto no domínio do ambiente no país, permitindo que as medidas de mitigação e monitoramento dos impactos e o próprio acompanhamento do EFMA em suas próximas etapas tenha uma base sólida; e, por fim, o debate educativo junto à sociedade, que auxiliou no estabelecimento de transparência para as intenções e obras públicas do governo.