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A relação existente entre a administração pública brasileira e a gestão dos recursos hídricos tem sido considerada por alguns autores como historicamente centralizada e setorial (VICTORINO, 2003; MACHADO, MIRANDA e PINHEIRO, 2004; GARJULLI, RODRIGUES e OLIVEIRA, 2004; ABERS & JORGE, 2005; SAMPAIO, 2004; NOVAES & JACOBI, 2002). Uma série de trabalhos científicos aborda a evolução da legislação do setor a

partir, principalmente, do Código de Águas de 193424, bem como a sua pouca efetividade no avanço de uma gestão que compatibilizasse suas múltiplas dimensões.

Entre essas abordagens, uma das mais interessantes é a desenvolvida por Victorino (2003). O autor explica a evolução da administração de problemas ligados a enchentes e ao abastecimento no estado de São Paulo a partir da década de 1920, e destaca a hegemonia dos interesses do setor elétrico e seu lobbie junto ao governo estadual e federal, mantendo favorável aos seus interesses, durante décadas, as políticas de águas vigentes desde 1934. Estes interesses, por sua vez, vinham ao encontro dos anseios desenvolvimentistas do Estado brasileiro.

Assunção (2000) revela que não só a gestão das águas no Brasil desenvolveu-se de forma setorizada e privilegiada de grupos de interesse, como padeceu da dispersão de seu ordenamento por uma série de instrumentos legais (decretos e outras políticas que tratavam de diferentes aspectos da gestão de águas) que se seguiram principalmente a partir do Código de Águas de 193425. Esta dispersão, segundo a autora, foi acompanhada, ainda, por uma multiplicidade de agentes reguladores de diferentes aspectos dos recursos hídricos – seu uso na agricultura, mineração, energia elétrica, saneamento, pesca, abastecimento, navegação, etc. A cronologia resumida da evolução da política de recursos hídricos no Brasil pode ser acompanhada pelo Quadro 6.

Segundo Lanna (1999), o período que se segue ao Código de Águas até finais da década de 1940 está marcado pelo modelo “burocrático” de gestão da água, fundamentado no cumprimento de instrumentos legais; e, a partir da década de 50 até o processo de revisão da política de águas, na década de 80, a gestão fundamenta-se no modelo “econômico- financeiro”, em que são aplicadas medidas econômicas e financeiras para o controle do uso dos recursos hídricos e o estímulo do seu gerenciamento adequado dentro do processo de desenvolvimento regional.

24 Para referências anteriores ao Código de Águas em 1934, ver Miranda (2004) que aborda a relação com o meio ambiente e seu reflexo no tratamento dos corpos d’água desde o século XVII sob domínio português no Brasil, inclusive a decisão antológica de Dom Pedro II da reconstituição da Floresta da Tijuca devido a problemas de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro em 1861; Assunção (2000) que situa o surgimento da regulação da água junto a legislação ambiental brasileira também a partir do século XVII.

25A autora descreve a evolução das normas referentes aos recursos hídricos no Brasil desde o período colonial as crescentes intervenções no setor a partir de fins do século XIX, no que se refere a poluição e contaminação de águas de abastecimento aos centros populacionais, bem como o processo de constituição e aprovação do Código de 1934, e as posteriores tentativas de sua regulamentação, bem como de normatização de atividades transversais à gestão da água como o desenvolvimento regional, energia elétrica, irrigação, mineração e agricultura.

Em termos da participação social na gestão das águas, são poucos os trabalhos que abordam seu histórico anterior ao surgimento dos Comitês de Bacia no cenário nacional. De fato, é o Rio Grande do Sul que apresenta as primeiras experiências de Comitês de Bacia com a participação da sociedade civil a partir de 1988, fruto de mobilização de ambientalistas associados a outros atores governamentais e da sociedade em torno das questões que afetavam os recursos hídricos gaúchos (ZORZI et al, 2004; GUTIERREZ, 2001). As experiências anteriores, conduzidas pelo governo federal, não visavam à constituição de organismos deliberativos e nem permitiam a participação da sociedade no gerenciamento dos recursos hídricos.

Cronologia resumida da gestão de águas no Brasil

1907 – Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas requisita a formulação do futuro Código das Águas, que dependeria de revisão constitucional para ser posto em prática

1933 – criação da Diretoria de Água no Ministério da Agricultura

1934 – essa diretoria passa a Departamento Nacional de Produção Mineral no Ministério de Minas e Energia (MME)

1934 – Código de Águas

1968 – instalação do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica no Ministério de Minas e Energia, que tem suas bases de atuação ampliadas em 1975 devido a reforma no MME

1971 – a Câmara dos Deputados organiza o 1° Simpósio sobre Poluição Ambiental em Brasília, que trata também do tema dos recursos hídricos

1973 – criação da Secretaria de Meio Ambiente ligada o Ministério do Interior 1979 – Política Nacional de Irrigação

1978 – é instituído o Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH) 1981 – Política Nacional de Meio Ambiente

1983/1984 – é criada a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a situação dos recursos hídricos no país em face dos problemas de poluição e escassez, recomendando diretrizes em 1985 que subsidiam a revisão constitucional do setor e a própria formulação da Política Nacional de Recursos Hídricos.

1988 – promulgada a nova Constituição que orienta a instituição do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos

1988 – surgimento das primeiras experiências de Comitês de Bacia com participação da sociedade no sul do país

1990 – instituição de GT Interministerial que elabora a nova política de águas para o país

1991 – Projeto de Lei (PL) sobre a nova política de águas é apresentado ao Congresso Nacional, mantendo a hegemonia do setor elétrico, mantendo o controle estatal e evidenciando pouca participação da sociedade

1991 – 1996 - diversas políticas estaduais de recursos hídricos são promulgadas 1993 – apresentação do Primeiro Substitutivo ao PL pelo Deputado Fábio Feldman

1995 – criação da Secretaria de Recursos Hídricos no Ministério do Meio Ambiente, a partir da recomendação do Segundo Substitutivo ao PL

1996 – Terceiro Substitutivo é apresentado pelo Deputado Aroldo Cedral

1997 – promulgada a Lei Federal n° 9.433, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos; extinção do DNAEE

1997 em diante – surgem novas políticas estaduais já sob a influência da Lei n° 9.433 1998 – é criado o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)

2000 – é criada a Agência Nacional de Águas

2001 – cria-se o 1° Comitê de Bacia segundo a nova Lei de Recursos Hídricos 2004 – institui-se a 1ª Agência de Bacia, no Comitê do Rio Paraíba do Sul

Entretanto, não se pode desconsiderar, dentro da perspectiva do movimento ambientalista brasileiro, a importância que a água, principalmente as questões de poluição nos rios – estes com caráter simbólico junto ao ideário social ao inverso do conceito de bacia hidrográfica ainda não difundido – apresentou nos processos de atuação da sociedade civil organizada, principalmente ONG’s ambientalistas. Setti (1996) cita, por exemplo, a luta de uma ONG capixaba pela defesa do Rio Itapemirim e a experiência do Tribunal da Água em Santa Catarina em 1993; enquanto Abers e Jorge (2005) afirmam que em grande parte dos comitês estudados existia anteriormente à sua formação, algum tipo de movimento social em prol dos recursos hídricos, embora estes nem sempre estivessem envolvidos na criação de tais organismos de bacia.

Exemplos não faltarão sobre a força mobilizadora que a água desperta entre as ONG’s que dedicam inúmeros projetos e ações à defesa, recuperação, educação e conservação voltadas para os recursos hídricos: “a sua ausência, ou contaminação, leva à redução dos espaços de vida e ocasiona, além de imensos custos humanos, uma perda global de produtividade social” (DOWBOR, 2005, p.27). Ou, por outro lado, sobre a constituição de movimentos sociais de luta contra injustiças ambientais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), consolidado a partir de 1991, mas com raízes desde a década de 70 perante a construção de grandes empreendimentos hidrelétricos.

Por meio de “Centros de Referência” o Movimento Cidadania pelas Águas, estimulado inicialmente pela Secretaria de Recursos Hídricos no Governo Fernando Henrique Cardoso a partir de 1996, foi uma experiência rica neste sentido. A idéia do movimento espalhou-se por vários estados brasileiros, figurando como centro de referência para a associação de cidadãos e diferentes atores sociais individuais e coletivos, ou mesmo institucionalizando-se de acordo com a particularidade de cada localidade onde se instalava e desenvolvia. Mais tarde tornou- se tão capilarizado em diferentes cidades brasileiras, perante as lutas que mobilizavam a opinião pública e a reunião de diferentes instituições ambientalistas, que foi capitaneado pelo Conselho Regional de Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro. O presidente desde conselho tornou-se coordenador nacional do movimento, promovendo diversos encontros no Brasil e dando ao Rio de Janeiro um caráter precursor na institucionalização e consolidação do movimento. Segundo Cardoso (2003), entretanto, as dinâmicas dos Centros de Referência ou os representantes do Movimento não seguiram no sentido de apoiar a implementação das políticas de recursos hídricos.

A instituição por decreto dos comitês de bacia no Rio Grande do Sul a partir de 1988 e a promulgação da lei de recursos hídricos do Estado de São Paulo, já com a influência do modelo francês, em 1991, instituindo também comitês, abre espaço para a análise da participação social associada ao novo modelo de gestão dos recursos hídricos no Brasil, tornando-se a referência mais freqüente na maior parte dos trabalhos acadêmicos sobre o setor.

Segundo Lanna (1999), após o modelo econômico-financeiro, a gestão das águas transita para o modelo “sistêmico de integração participativa” onde a água é considerada como bem público e, segundo Freitas (2000, p.81):

“[...] se empregam quatro tipos de negociação social (econômico, político-direto, político-representativo e jurídico) e três instrumentos de trabalho (planejamento estratégico por bacia hidrográfica, tomada de decisão por deliberações multilaterais e descentralizadas e estabelecimento de instrumentos legais e financeiros)”.

A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instituída pela Lei n° 9.433 de 1997, constitui-se na referência legal deste modelo em âmbito federal, embora esse autor considere que a criação do Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas, e os Comitês Executivos de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas no Brasil a partir de 1978 sejam os precursores da abertura para tal modelo de gestão.

A Política Nacional de Recursos Hídricos é tida como um avanço nas políticas públicas ambientais no país. Fruto não só de um processo de construção nacional do novo modelo de gestão que se iniciava a partir da década de 80, bem como das discussões internacionais sobre meio ambiente e recursos hídricos que influenciaram a sua constituição e os debates que a antecederam, pois:

“i) muitas regiões – especialmente aquelas extremamente urbanizadas e industrializadas – estavam convivendo com problemas referentes à escassez de água, em termos de qualidade ou quantidade, e com um crescimento constante do número de conflitos sociais relacionados ao uso de tais recursos; ii) o modelo de gerenciamento dos recursos hídricos em vigor – centralizado, impositivo e setorializado – não estava atendendo às demandas; e iii) desde a década de 80, havia sido reiniciado o processo de democratização e descentralização em vários países, o qual implicou no estabelecimento de novas relações entre Estado e Sociedade e em uma ampliação dos espaços públicos” (CAMPOS, 2005, p.50).

A PNRH apresenta princípios voltados para o uso múltiplo dos recursos hídricos, a descentralização de decisões, a gestão participativa, e a aplicação de instrumentos que visam estimular o uso racional segundo o princípio poluidor-pagador. Institui ainda um território natural – a bacia hidrográfica, e não um limite político-administrativo para a gestão de um recurso natural, considerado um bem de valor econômico e social: a água.

Estabelece a criação do (i) Conselho Nacional de Recursos Hídricos como a instância máxima deliberativa do sistema com a participação das três esferas de poder publico – federal, estadual e municipal, os usuários e a sociedade civil organizada; (ii) os comitês de bacia, onde a participação ocorre em função do território da bacia hidrográfica e (ii) as agências de água, secretarias executivas dos comitês e financiadoras de seus programas e intervenções. Para tal gestão, a PNRH estabelece como instrumentos o enquadramento dos corpos d’água em classes preponderantes de uso, a outorga de direito e a cobrança de uso dos recursos hídricos, os planos de bacia hidrográfica e um sistema nacional de informações em recursos hídricos.

A Lei n° 9.984/2000 estabelece a criação da Agência Nacional de Águas e regulamenta alguns artigos da PNRH e a Lei n° 10.881/2004 regulamenta a delegação de funções de Agências de Águas referentes aos recursos hídricos de domínio da União a entidades reconhecidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Não seria adequado, entretanto, abordar a PNRH sem antes tecer considerações sucintas sobre a questão da descentralização26, tanto no Brasil, como no âmbito dos fundamentos da lei de águas, por vezes confundida na literatura de recursos hídricos como o envolvimento da sociedade em decisões públicas. No Brasil, ao invés de oferta do Governo Central, o processo de descentralização se inicia em paralelo ao processo de redemocratização, ocorrido no país a partir da década de 80, em especial com a descentralização fiscal demandada pelos governos sub-nacionais e com a luta dos estados pela repartição tributária, consolidando-se na Constituição de 1988 (AFONSO, 2000).

A partir da década de 90, no bojo da crise estatal em que a reforma neoliberal pretendia enxugar o Estado e torná-lo mais eficiente ao introduzir regras de comportamento

26 Apesar da amplitude do conceito de descentralização, e embora consenso de diferentes correntes políticas e teóricas, sobre a reforma do Estado, ainda que com fundamentos e enfoques diferentes (BENTO, 2003), Jacobi (2002, p.35, 36) define descentralização como a “transferência ou delegação de autoridade legal e política aos poderes locais para planejar, tomar decisões e gerir funções públicas do governo central [...] cujos objetivos gerais são obter mais democracia, mais eficácia e mais justiça social.... e especificamente aprimorar as relações intergovernamentais, capacitar os governos sub-nacionais para as funções que lhes são atribuídas e possibilitar o controle social do poder público pela população organizada”.

do setor privado, visando a sua eficiência, o Governo Central inicia um processo de transferência de atribuições para as esferas estadual e municipal. Essa transferência, então por oferta, é marcada pela tentativa do governo central de recuperar parte da receita perdida para os governos sub-nacionais na Constituição de 1988 - que não foi acompanhada de descentralização de funções27, com a criação ou aumento de impostos que não tinham a participação dos estados e municípios, e a devida transferência de atribuições (AFONSO, 2000; CAMARGO, 1999).

Com tal transferência, as políticas repassadas às esferas estaduais e municipais encontraram entraves tais como: crescimento de municípios emancipados mas sem base fiscal ou econômica, almejando recursos do Fundo de Participação; falta de capacidade econômica e administrativa da maioria dos municípios; disparidades socioeconômicas regionais – inter e intra-regionais; excesso ou ausência de controle das políticas descentralizadas; sobreposição de atribuições devido a responsabilidades difusas28; aumento do poder dos governos sub- nacionais por um lado e a necessidade de controlar a macroeconomia do outro; deficiência e despreparo do controle social das políticas; falta de informações integradas entre os três níveis de governo; não adesão dos municípios segundo critérios custo-beneficio das políticas públicas; e deficiências nos sistemas de repasse de recursos comprometendo ações das esferas locais (AFONSO, 2000; CAMARGO, 1999; ARRETCHE, 1999; TORRES, 2004).

Em 1997, como afirma Arretche (1999), grande parte dos municípios brasileiros já estava desempenhando funções do Sistema Brasileiro de Proteção Social - antes centralizadas pelo governo federal, relativas à habitação, saneamento, saúde, educação e assistência social. Essas políticas, bem como as demais desenvolvidas no processo de descentralização, foram então acompanhadas do apelo ao controle social e à participação, tendo os conselhos municipais como o seu principal expoente. Esse processo ocorreu com tal efervescência29 que Camargo (1999:98) o chamou de “Revolução Branca”.

Entretanto, há uma grande variação na aceitação destas políticas nos municípios, em relação tanto ao tipo de política30, como em relação ao território nacional, cujos municípios aderiram de forma diferenciada. Uma vez que os municípios são autônomos para decidir pela

27 Para aprofundamento sobre o tema, ver Afonso (2000); Jacobi (2002).

28 Camargo (1999) estimava mais de 500.000 leis no país, nas três esferas de governo.

29 O IBGE em 2001 contabiliza a existência de mais de 28.000 conselhos de políticas públicas no Brasil. 30 Arretche (199) constatou que a descentralização da política de saneamento foi um fracasso nos estados estudados, e que em referência a educação e habitação houve também muita variabilidade.

adesão das políticas descentralizadas por oferta do governo central, este deve criar estratégias de facilitação do processo, por meio de incentivos e capacitação administrativa (ARRETCHE, 1999). No entanto, faltou um projeto e a devida coordenação do processo de descentralização brasileiro (AFONSO, 2000; ARRETCHE, 1999; JACOBI, 2002) e esta “não conseguiu superar o peso do clientelismo e do paternalismo político, tão determinantes na cultura política brasileira” (JACOBI, 2002, p. 38).

O controle social e a participação que acompanham as políticas de descentralização permanecem setorializados e funcionais em relação aos interesses da administração pública. Sua incorporação de forma manipulada e pré-orientada fragmenta a construção da cidadania e enfraquece o papel político dos sujeitos sociais, uma vez que para Bento (2003, p. 223), esta forma de participação “se realiza como um direito de escolha entre as modalidades de serviço público colocadas à disposição do usuário, considerado não como cidadão, mas como cliente”.

Ao preconizar a gestão descentralizada em meio ao processo de reforma do Estado, a Política Nacional de Recursos Hídricos passa a integrar o quadro de transferência de atribuições do governo central para as esferas sub-nacionais. A PNRH surge em meio à criação de varias agências reguladoras, que visam apoiar a passagem do Estado de produtor de bens e serviços para promotor e regulador do desenvolvimento (MACHADO, MIRANDA e PINHEIRO, 2004).

Abers e Jorge (2005) e Cardoso (2003) constatam que a descentralização prevista na política de águas é substancialmente diferente do processo de descentralização brasileiro com primórdios nos anos 70, pois não transfere atribuições aos municípios e cria a figura dos Comitês em um nível interestadual, no qual o governo federal partilha poder decisório com estados, municípios e a sociedade. Para os comitês estaduais, a atuação em níveis intermunicipais segue a mesma linha de pensamento.

Ainda se colocam questões como (a) o fato de que não há transferência de recursos31, mas apenas de funções, já que o sistema deve se sustentar a partir da instituição da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, que até o momento não foi implantada efetivamente, e encontra entraves na União para sua redistribuição à nova unidade de gestão – a bacia hidrográfica, e como afirmam Abers e Jorge (2005), seria o grande atrativo para a

implantação dos organismos de bacia; e (b) que os atores que receberam as novas atribuições não só carecem de capacidade técnica e administrativa, como enfrentam uma realidade distinta das demais políticas públicas, cuja nova esfera de decisão não tem precedentes bem como relação com as demais instituições tradicionais da administração centralizada no país.

O processo de transposição do Rio São Francisco tratado no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SINGREH demonstra como são descentralizadas apenas as decisões que não afetam os interesses do governo federal, expondo a fragilidade da concepção descentralizada da lei, uma vez que o governo federal possui maioria dos votos no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (QUERMES, 2006).

A PNRH é uma política relativamente recente, pois mesmo instituindo o SINGREH (Quadro 7) e a gestão por meio de Comitês de Bacia e Agências executivas, boa parte de seus artigos não estão regulamentados; seus instrumentos de gestão não foram aplicados efetivamente em boa parte do país e seus organismos de gestão ainda não estão devidamente consolidados e nem existem em alguns estados; como é o caso dos comitês de bacia na Região Norte ou as agências que não existem em boa parte do território nacional (JOHNSSON & MOREIRA, 2003). Esse quadro se explica por diversas razões que, no intuito de avaliar o processo de implementação da PNRH, são freqüentemente abordadas por diferentes cientistas, bem como pelos próprios órgãos federais de gestão.

Ente do sistema Características e atribuições segundo a regulamentação SINGREH

(Lei n° 9.433/97, artigo 32)

Tem como atribuições: coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos; planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

CNRH

(Lei n° 9.433/97, artigo 35)

Instância deliberativa máxima do sistema, com predominância do poder público federal, que apresenta como atribuições: promover a articulação do planejamento de recursos