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5.4 ONGA’S E A PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA

5.4.1 Identidade e valores que fundamentam a ação das ONGA’s

Segundo as informações obtidas nas entrevistas realizadas com diversos atores e pesquisadores, as ONGA’s com maior atuação e envolvimento no conflito do Alqueva e com relação direta na bacia hidrográfica do Rio Guadiana, são em âmbito nacional: a Liga para a Protecção da Natureza – LPN, o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e do Ambiente – GEOTA, e a Associação Nacional de Conservação da Natureza – QUERCUS; e, em âmbito local/regional, o Centro de Estudos de Avifauna Ibérico – CEAI e a Associação de Defesa do Patrimônio de Mértola – ADPM. As características mais marcantes destas ONGA’s encontram-se no Quadro 13.

Em geral as ONGA’s têm origens no começo da década de 1980, com exceção da LPN que existe desde 1948, e do CEAI que apresenta primórdios na década de 1970 e se formaliza a partir de 1991. A origem de sua criação é variada, mas sempre com fins de proteção da natureza, desde mobilização de acadêmicos em torno do tema, organização de militantes, até grupos de amigos envolvidos com a observação da avifauna. A ADPM80 distingue-se pelo fato de ter se constituído como uma Organização Não Governamental de Desenvolvimento (ONGD) na esteira da influência do movimento em defesa do patrimônio após o 25 de abril de 1974.

79A transposição virtual refere-se ao processo em que para liberar o enchimento da barragem do Alqueva, o governo português teria negociado com o governo espanhol a vazão do Rio Douro. Para saber mais sobre a transposição virtual, ver Verges (2001).

ONGA Características principais

LPN Fundada em 1948, é a ONGA mais antiga em atividade no país, de âmbito nacional, com núcleos e delegações descentralizadas, sobretudo no Alentejo, onde tem larga atuação. Desenvolve projetos de conservação variados, apoiados pelo governo nacional ou por programas no âmbito da UE, inclusive a aquisição de propriedades para a conservação da natureza. Participa no Conselho Nacional de Água, teve acento no Conselho de Bacia do Guadiana (enquanto este funcionava) e na Comissão de Avaliação e Acompanhamento da Infra-Estrutura do Alqueva (CAAIA), além de outras representações.

GEOTA Atuando informalmente desde 1981, constitui-se legalmente em 1986. É de âmbito nacional, mas não possui núcleos descentralizados pelo país, ao contrario, constrói acordos de cooperação com associações locais/regionais. Trabalha com recursos de fontes variadas: estatais, privadas e internacionais. Desenvolve projetos multi- objetivos, voltados para a sensibilização e mobilização social e a educação ambiental. Tem larga atuação na avaliação técnico-cientifica de estudos de impacto ambiental e políticas públicas, tendo influenciado a elaboração da Lei de Bases do Ambiente. Participa no Conselho Nacional da Água e teve participação na CAAIA.

QUERCUS De âmbito nacional, mas com núcleos regionais espalhados pelo país, foi criada em 1985. Tem larga atuação na sensibilização e mobilização social, inclusive de protesto. Desenvolvem projetos variados, voltados para a relação da sociedade com o meio ambiente. Participou da CAAIA e do Conselho de Bacia do Sado.

CEAI Fundado em 1991, tem origens em uma atuação local desde a década de 1970. Trata-se de uma organização principalmente de defesa da fauna regional e local. Desenvolve projetos de educação ambiental, conservação da natureza, pesquisa, difusão de informação e ecoturismo. Participou da CAAIA e de seus Grupos de Trabalho.

ADPM Fundada em 1980, trata-se na verdade de uma ONGD que atua no desenvolvimento econômico, social e cultural local, e na defesa do patrimônio de sua circunscrição, inclusive o ambiental. Considerada de utilidade pública, tem uma desenvolvida estrutura organizacional, contando com um número bastante expressivo de técnicos remunerados pelos diferentes projetos que desenvolve em diferentes domínios com recursos estatais e internacionais. Participou do Conselho de Bacia do Guadiana.

Quadro 13. Características das ONGA’s atuantes no conflito do Alqueva e na bacia hidrográfica do Rio Guadiana. Fonte: pesquisa do autor.

As oportunidades que envolvem a criação são também distintas. A LPN surge ainda no contexto autoritário da ditadura fascista, e não tem qualquer tipo de intervenção política, restringindo-se ao debate cientifico até a abertura democrática no país. Reúne por volta de 200 acadêmicos principalmente das ciências agrárias de universidades e centros de pesquisa no debate da degradação ambiental da Serra da Arábida, e mantém uma posição de contribuições científicas, o que se torna um diferencial na sua atuação e o que leva os mais ativistas a deslocarem-se para outras organizações como a QUERCUS. Esta, por sua vez, se estrutura em função da insatisfação de militantes com o pouco retorno da atuação das ONGA’s em que seus membros originalmente se engajavam. Surgiram mais ao norte do país, crescendo como organização voltada para manifestações e militância ambientalista.

O CEAI tem uma origem pouco politizada, na convivência entre amigos que partilhavam o hábito de observar pássaros. O amadurecimento da ONGA ocorreu junto com o dos próprios idealizadores. Por fim, o GEOTA surge como um grupo de estudos voltado para a reflexão sobre o ambiente em Portugal, atuando em processos de educação ambiental. Alguns anos mais tarde, com o respaldo de um personagem com influência na cena política, o GEOTA formaliza-se e passa a atuar no espaço público, instituindo-se como crítica e colaboradora das políticas públicas, apoiando a elaboração da Lei de Bases do Ambiente.

A missão das ONGA’s é um dos elementos portadores de valores que orientam suas ações e opiniões. Em geral, procuraram estruturar suas organizações sobre valores e princípios comprometidos com a conservação da natureza, se contrapondo à intervenção humana. Este ideário começa a se modificar com a entrada do debate sobre o desenvolvimento sustentável nas agendas internacionais e, no contexto nacional, influencia a transição de um posicionamento em favor da natureza para um outro, complementar, em favor das gerações futuras.

Embora algumas associações não tenham deixado para trás seus valores e missões iniciais, elas passam a apostar em uma formação adequada para a mudança de atitude e a reaproximação do homem ao meio ambiente, em contraposição à postura inicial de defender a natureza contra os impactos do ser humano. Esta mudança se deve também a ampliação dos horizontes de atuação das ONGA’s ao longo de sua existência, como aprendizagem dos diferentes espaços e conflitos vivenciados na defesa do meio ambiente e de seus direitos legais. Alguns valores são destacados e reconhecidos como fundamentais à atuação das ONGA’s, embora seja difícil agrupá-las em um denominador comum. A Figura 22 é uma tentativa de apresentar a convergência dos valores com os quais os entrevistados acreditam que o conjunto de participantes das ONGA’s interpreta a realidade e orienta suas ações.

A solidariedade, no sentido de compromisso com a causa e a liberdade, enquanto autonomia, aparecem como as orientações mais compartilhadas entre os diferentes entrevistados. Mesmo configurando-se em uma dimensão acima da própria ONGA, estes valores que orientam sua atuação com o meio ambiente e a sociedade, não só no âmbito nacional, mas em termos globais, são referência para outros valores que elas partilham em termos da atuação conjunta (inter-ONGA’s e instituições), e mesmo no nível intra-ONGA, o espaço interno de interação entre os membros e profissionais atuantes em nome da organização.

Estas referências aos valores, entretanto, foram apontadas pelos entrevistados, geralmente pelos dirigentes ou por aqueles mais atuantes dentro da ONGA. Mesmo tendo sido solicitado durante as entrevistas que pensassem em termos de suas instituições, elas poderiam refletir escolhas pessoais.

Figura 22. Valores que orientam a ação das ONGA’s. Fonte: pesquisa do autor.

Se no começo a composição das ONGA’s era bem variada, com exceção da LPN que basicamente constituía-se de pessoas ligadas ao meio acadêmico, atualmente todas apresentam profissionais ligados principalmente à causa ambiental, refletindo uma necessária especialização das ONGA’s. Aquelas que já eram constituídas de técnicos abriram-se para uma composição mais variada, como o GEOTA.