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Ausência de poderes coercitivos

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 131-135)

5. COMPETÊNCIA PARA AS TUTELAS DE URGÊNCIA ARBITRAIS

5.5. Limitações materiais e jurídicas à competência dos árbitros

5.5.4. Ausência de poderes coercitivos

Árbitros, ao contrário de juízes estatais, não possuem poderes coercitivos (imperium) para executar as suas próprias decisões. A jurisdição do árbitro está limitada à fase de cognição (supra, n. 4.2; infra, n. 10.4).454

Essa limitação é inerente à atividade do árbitro. O poder de coerção (imperium) decorre da soberania do Estado e geralmente só é exercido por juízes ou por

452

. MAURO RUBINO-SAMMARTANO, International arbitration law and practice, p. 631. Conforme ensinam FOUCHARD-GAILLARD-GOLDMAN, apenas “a court can effectively compel a party to the proceedings or a third party to produce evidence which is considered to be essential in gaining an understanding of the case, or to provide witness testimony” (cf. on International commercial arbitration, par. 1336, p. 726). PAULO HOFFMAN tem posição contrária à aqui defendida, afirmando que o árbitro pode e deve utilizar-se de meios subrogatórios com relação a “testemunhas e demais terceiros” que devem participar do procedimento arbitral, com aplicação, ainda, do art. 14 do CPC” (cf. “Arbitragem: algumas dúvidas processuais quando o juízo estatal é chamado a intervir”, p. 315).

453

. ALEXANDRE CATRAMBY, Das relações entre o tribunal arbitral e o Poder Judiciário para a adoção

de medidas cautelares, p. 161 e ss. 454. C

ARMONA, Arbitragem e processo, p. 324; PEDRO BATISTA MARTINS, “Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do árbitro”, p. 361; ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, “Arbitragem: cláusula compromissória, cognição e imperium”, p. p. 42 e ss.

agentes de execução.455 Menciona-se, talvez com certo exagero, que outorgar esse tipo de atividade a um particular, como o árbitro, poderia causar anarquia.456

Mesmo se as partes tentassem, em razão da autonomia da vontade, atribuir imperium ao árbitro, a estipulação não teria nenhum efeito prático, pois este poder não se encontra no campo de disposição das partes. Em outras palavras, as partes não podem conferir um poder que não possuem.457

Apesar de os tribunais arbitrais não possuírem competência para efetivação (execução) da medida, em razão da impossibilidade de praticar atos de autoridade, não se lhes pode negar competência para apreciar e, consequentemente, deferir ou rejeitar o pedido de tutela de urgência. Caso a decisão do árbitro não seja cumprida voluntariamente, esta será passível de acarretar a realização de atos de autoridade pelas cortes estatais. Não existe nenhum ineditismo nisso, pois já é exatamente assim que ocorre com a sentença arbitral.458

Ao se falar em ausência de poderes coercitivos, é natural que se reflita sobre a viabilidade de adoção, pelo tribunal arbitral, de medidas que possuam, como característica essencial, a prática de atos de coerção, tal como o arresto e o sequestro.

Tendo em vista que essas medidas demandam, intrinsicamente, atos de coerção para a sua efetivação e sabendo-se que árbitros não possuem poderes

455. S

TEPHEN BOND, “La nature des mesures conservatoires et provisoires”, p. 14. Conforme lembrado por LEW-MISTELIS-KRÖLL, o árbitro “is not part of the judicial system of the place of arbitration and is not the guardian of state public policy” (cf. Comparative international commercial arbitration, par. 6-33, p. 110).

456. Cf. “Private parties like arbitrators are not empowered with imperium. That is because they are private

individuals not judges or enforcement officers of a state. Nor do they hold any other post in the judiciary of or appointed by a state. Empowering a private party is thought to cause anarchy” (YESILIRMAK,

Provisional measures in international commercial arbitration, par. 1-7, p. 7, nota de rodapé n. 30) 457. Nos ordenamentos que adotam agentes de execução para a prática de atos executivos (cujos atos e

omissões podem ser controlados pelo juiz), afirma-se que esse agente é um “misto de profissional liberal e funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo” (cf. LEBRE DE FREITAS, A acção executiva, p. 27)

458. Conforme acertadamente afirma P

AULA COSTA E SILVA, “se os tribunais arbitrais, porque destituídos de poderes de autoridade, não podem adoptar condutas que supõem o exercício deste tipo de poderes, poderiam estes tribunais impor a prática destes actos através do proferimento de uma decisão” (cf. “A arbitrabilidade de medidas cautelares”, p. 211 e ss.).

coercitivos, seria correto afirmar que essa competência estaria, em tese, excluída da apreciação dos árbitros? A resposta só pode ser negativa. Não há absolutamente nenhuma justificativa relevante para, a priori, excluir essas medidas do campo de competência dos árbitros. Nestes casos, se não houver o cumprimento voluntário da decisão, nada impedirá que os árbitros se valham do auxílio das cortes estatais para a prática de atos de autoridade.459

A ausência de poderes de autoridade leva à afirmação, por parte de YESILIRMAK, de que os árbitros geralmente evitam proferir decisões que demandem intrinsicamente o uso de poderes coercitivos.460 Conquanto a afirmação possa ser, na prática, verdadeira, fato é que não há nenhum obstáculo jurídico para que os árbitros assim se comportem.461

O próprio exemplo citado por YESILIRMAK, para justificar a afirmação acima, parece não ser pertinente. De acordo com esse autor, no caso CCI, laudo n. 7828/1995, foi afirmado pelo tribunal arbitral que “excede a competência do árbitro sujeitar o réu à penhora caso ele não pague a quantia ordenada dentro do período de duas semanas”.462 Determinar a penhora de bens é ato de autoridade e, de fato, seria inócua determinação do árbitro nesse sentido. Mas isso nada tem a ver com a afirmação de que os árbitros evitam proferir decisões que demandem intrinsicamente o uso de poderes coercitivos. O ato de penhora é “técnica expropriativa”463 de bens e não se confunde com a cognição necessária para análise do pedido de tutela de urgência.

459. Essa conclusão é compartilhada por L

EW-MISTELIS-KRÖLL, exemplificando o caso com base na legislação alemã, que em nada se diferencia da realidade brasileira: “For example, under German law the mere ordering of an attachment does not entail any direct intrusion on the parties' rights; the order of attachment requires an additional act of enforcement. The order can be granted by a tribunal but the actual attachment is reserved for the courts” (cf. Comparative international commercial arbitration, par. 23-50, p. 599).

460. Cf. Provisional measures in international commercial arbitration, par. 3-24, p. 70. 461

. A praxe realmente demonstra certo cuidado dos árbitros para ordenar medidas que pressuponham essencialmente a prática de atos de coerção. No entanto, faltam estudos empíricos para confirmar essa afirmação.

462. No original: “it exceeds the arbitrator's competence to subject the Defendant to attachment if he fails

to pay the ordered amount within the period of two weeks” (citado por YESILIRMAK, Provisional measures in international commercial arbitration, par. 3-24, p. 70, nota de rodapé n. 97).

463. A

Por fim, embora se possa admitir que a ausência de poderes coercitivos possa, em algumas hipóteses de extrema urgência, fazer com que as tutelas de urgência proferidas por árbitros percam um pouco da sua efetividade (supra, n. 5.5.2), a separação de órgãos para exercer atividades cognitiva e executiva não é de todo estranha, nem inovadora, até mesmo no âmbito dos processos estatais.

Essa separação já existia no passado em Roma. Conforme lição de OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, o juiz privado (iudex), do procedimento formulário, e os magistrados, do processo extraordinário, limitavam-se a proferir decisões meramente declaratórias, sendo a atividade imperativa desenvolvida pelo praetor romano, que a exercia mediante interditos para atos executórios ou ordenando a prática ou abstenção de atos ou comportamentos.464

Atualmente, inúmeros países optaram por desjudicializar465 a atividade executiva e a transmitiram a um profissional diverso de um juiz.466 Nesses casos, o agente de execução pode “ordenar a penhora, a venda ou o pagamento ou extinguir a instância executiva”, sendo possível que a parte prejudicada apresente reclamação ao juiz em razão de atos ou omissões do agente de execução e responsabilidade do Estado.467

464. Cf. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, p. 9.

465. Não há nada de errado em desjudicializar a execução, permitindo que atos sejam praticados por

pessoa que não o juiz estatal. O problema seria, ao menos sob a perspectiva brasileira, excluir a

supervisão desses atos de um órgão jurisdicional. Sobre o tema da realização de atos materiais de

execução por particulares e o devido processo legal, cf. EDUARDO YOSHIKAWA, Execução extrajudicial e

devido processo legal, p. 119 e ss. 466

. Possuem agentes de execução atualmente, por exemplo: França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Grécia, Alemanhã e Áustria. Nestes dois últimos países, o agente de execução (Gerichtsvollzieher) é funcionário judicial pago pelo erário público. Nos demais países aqui citados, o Huissier é funcionário de nomeação oficial, mas deve ser contratado pelo exequente. A Suécia também desjudicializou sua execução e a função é exercida por um organismo administrativo, o Serviço Público de Cobrança Forçada. Para melhor exposição sobre o assunto, inclusive com ampla referência doutrinária e de direito comparado, cf. LEBRE DE FREITAS, A acção executiva, p. 24 e ss.

467. L

EBRE DE FREITAS,A acção executiva, pp. 25-27; PAULA COSTA E SILVA, “A arbitrabilidade de medidas cautelares”, p. 211 e ss.

Guardadas as devidas proporções, esse amplo movimento dos países europeus de permitir que, em princípio, agentes de execução pratiquem atos de satisfação no lugar de juízes, demonstra que nada há de errado em dissociar a competência para declarar e efetivar os provimentos.

No caso da arbitragem o raciocínio acaba muito mais fortalecido, pois a competência dos árbitros é restrita à fase de cognição e os seus atos podem ser controlados na fase de efetivação da medida (infra, n. 10.4.5). Mesmo sem a possibilidade de exercício de coerção, nota-se que as ordens dos árbitros são cumpridas geralmente de forma voluntária (espontânea ou induzidamente) por meio de mecanismos sancionatórios.

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 131-135)