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Tribunal arbitral não constituído

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 116-120)

5. COMPETÊNCIA PARA AS TUTELAS DE URGÊNCIA ARBITRAIS

5.5. Limitações materiais e jurídicas à competência dos árbitros

5.5.1. Tribunal arbitral não constituído

Na estrutura das cortes estatais existe, de forma predefinida e permanente, o juiz natural e a atribuição do seu campo de competência. O direito constitucional brasileiro, por exemplo, estabelece a competência dos órgãos jurisdicionais (Constituição Federal, art. 102 e ss.) e o Código de Processo Civil a organiza dentro dos limites constitucionais. O órgão jurisdicional adequado e permanente já existe ao tempo do fato ocorrido para surgimento da pretensão. Nesse contexto, a vedação à constituição de tribunal post facto é da essência da garantia do juiz natural.399

No campo privado, o tribunal arbitral não é um órgão permanente, que está sempre à disposição das partes no momento em que eventual pretensão surgir. Ou

PARTASIDES-REDFERN-HUNTER listam cinco (cf. Redfern and Humter on interntional arbitration, n. 7.14, p. 445 e ss.), ROSA ALCAMÍ indica quatro (cf. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 130 e ss.) e CARLEVARIS menciona apenas três (cf. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 69 e ss.).

398. Essas quatro hipóteses estão narradas no texto de L

IRA GOSWAMI.De acordo com a autora, há a necessidade de intervenção das cortes estatais “when interim orders are urgently required by a party to the arbitration and the arbitrators are not in a position to grant such relief either because the arbitral tribunal is not yet constituted or because it lacks jurisdiction to pass the order or because the arbitral tribunal is not able to act immediately” (cf. “Interim reliefs: the role of the courts”, p. 111). E complementa o raciocício acima: “The arbitrators do not possess the coercive powers for enforcing their orders. Often, the arbitrators are not able to act swiftly, particularly for purposes of granting interim reliefs. Further, the arbitrators have no jurisdiction over third parties, even where third parties may be in possession of property or money, which is the subject matter of the dispute. The court's intervention therefore becomes necessary” (cf. “Interim reliefs: the role of the courts”, p. 110).

399. T

seja, os tribunais arbitrais são criados a posteriori e em função de um determinado litigio já existente.400

Antes de o árbitro aceitar o encargo (Lei de Arbitragem, art. 19),401 não há tribunal arbitral constituído e, consequentemente, órgão para a concessão de medidas urgentes. Trata-se de um limite material à possibilidade de concessão de tutelas de urgência por árbitros.402

Ao contrário do que se poderia imaginar, a experiência demonstra que a constituição do tribunal arbitral pode, dependendo da situação concreta, levar diversos meses.

Considerando que, em regra, existe a necessidade de cada parte indicar um árbitro e que, em seguida, esses ainda indicarão em conjunto o presidente do tribunal arbitral, a demora pode ser significativa, notadamente em arbitragens internacionais.403 Isso sem mencionar os casos patológicos nos quais uma das partes opta por não indicar árbitro, deixando esta escolha para a instituição arbitral ou para a appointing autority.

400

. ROSA ALCAMÍ, Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 161. A escolha da via arbitral como método de resolução de conflito pode ser anterior (cláusula compromissória) ou posterior (compromisso arbitral) ao surgimento do litígio, mas a constituição do órgão julgado será sempre posterior.

401

. Em alguns casos, mesmo com a aceitação do encargo pelos árbitros, ainda é preciso esperar a remessa dos autos para análise da tutela de urgência pleiteada, o que só ocorrerá se os custos da arbitragem tiverem sido pagos. Cf. art. 16 do Regulamento CCI 2012: “A Secretaria transmitirá os autos ao tribunal arbitral tão logo este tenha sido constituído, e desde que o pagamento da provisão para os custos da arbitragem exigido pela Secretaria nesta fase do processo tenha sido efetuado”.

402. Nos dizeres de B

LACKABY-PARTASIDES-REDFERN-HUNTER: “The point may seem so obvious as to be hardly worth mentioning. Yet is is important and frequently overlooked until a crisis arises. It takes time to establish an arbitral tribunal and during that time, vital evidences or assets may disappear (cf. Redfern

and Humter on interntional arbitration, n. 7.14, p. 445).

403. Deve-se mencionar que a forma de indicação acima mencionada, apesar de muito usual, não é a única

possível. Além disso, em alguns regulamentos, a regra é que o árbitro presidente ou árbitro único seja de nacionalidade diferente das partes. Cf. art. 13.5 do Regulamento CCI 2012: “O árbitro único, ou o presidente do tribunal arbitral, deverá ser de nacionalidade diferente das partes (…)”.

Não se podem esquecer eventuais atrasos causados pela impugnação do árbitro pelas partes.404 Nessas situações, cria-se um verdadeiro incidente processual, com amplo contraditório, para apuração da existência ou não de motivo para aquela impugnação.405 Uma decisão sobre esse assunto também pode levar meses.

Tudo isso com a consequência prática – justificada ou injustificadamente – de atrasar-se a constituição do tribunal arbitral.

Percebe-se assim que, do momento de surgimento do litígio até o momento em que os árbitros estão, de fato, em posição para analisar o pedido urgente, pode-se levar muito tempo e significaria verdadeiro vácuo de proteção jurídica à parte interessada (denegação de justiça).406

A experiência demonstra que a necessidade de tutela de urgência surge, na sua grande maioria, na fase em que surge o litígio.407 Exatamente nessa fase pré- arbitral408 há a impossibilidade material de que os pedidos de tutela de urgência sejam apreciados e proferidos pelos árbitros, uma vez que eles ainda não existem como tais. Alguém só passa a ser árbitro a partir do momento em que aceita o encargo.

Para amenizar esse problema, há a possibilidade de as partes acordarem, previamente, a solução dessas questões por meio de árbitro de emergência, hipótese que será estudada melhor em capítulo específico (infra, n. 8).

404. T

OMMASEO, “Lex fori e tutela cautelare nell’arbitrato commerciale internazionale”, p. 9.

405. A título de exemplo, cf. art. 14.3 do Regulamento CCI 2012: “Compete à Corte pronunciar-se sobre a

admissibilidade e, se necessário, sobre os fundamentos da impugnação, após a Secretaria ter dado a oportunidade, ao árbitro impugnado, à outra ou às outras partes e a quaisquer outros membros do tribunal arbitral de se manifestarem, por escrito, em prazo adequado. Estas manifestações devem ser comunicadas às partes e aos árbitros”.

406

. Sobre o conceito de denegação de justiça no âmbito do direito internacional, cf. ALFRED SIOUFI FILHO, “Denegação de justiça”, p. 57 e ss.

407. Essa afirmação é feita, exemplificadamente, por J

AN SCHAEFER, “New solutions for interim measures of protection in international commercial arbitration: English, German and Hong Kong law compared”, p. 20 e ss.; CARLEVARIS, La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 76; ROSA ALCAMÍ, Medidas

cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 162. 408. Sobre a fase pré-arbitral, cf. P

EDRO BATISTA MARTINS, “As três fases da arbitragem”, p. 88 e ss. A denominação pré arbitral, como se pode perceber, utiliza-se como ponto de referência o momento de constituição do tribunal arbitral.

Não havendo a escolha de árbitros de emergência, a competência deve ser da jurisdição estatal, que é a única opção disponível naquele momento.409 Essa opção não significa renúncia à jurisdição arbitral (infra, n. 5.8.2). Muito ao contrário. Apenas dessa forma estará assegurado o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (Constituição Federal, art. 5.°, inc. XXXV), garantindo que haja proteção jurisdicional pelo Poder Judiciário para os casos em que a via arbitral não esteja disponível.

Uma vez constituído o tribunal arbitral, a competência para as tutelas de urgência passa a ser exercida, em regra, pelos árbitros (infra, n. 5.6.3).

Para demonstrar boa-fé e que a via estatal está sendo usada em caráter de urgência e porque o órgão originariamente competente não está disponível, a parte interessada deve, inclusive, a despeito da intervenção da jurisdição estatal, indicar a existência de convenção de arbitragem e que já providenciou ou providenciará todas as medidas necessárias para instituição do tribunal arbitral no prazo legal (infra, n. 7.3.3).

De qualquer forma, antes que se inicie o processo arbitral com a aceitação do encargo pelos árbitros, geralmente só resta à parte socorrer-se das cortes estatais em caso de urgência. A cooperação do Poder Judiciário não é apenas necessária, mas sim essencial para esses casos.410

409. Cf. D

ONALD DONOVAN: “For the most obvious example, interim measures may be required at the outset of a case, before an arbitral tribunal has been constituted, so that the court is the only option (cf. “The allocation of authority between courts and arbitral tribunals to order interim measures: a survey of jurisdictions, the work of UNCITRAL and a model proposal”, p. 203).

410. G

5.5.2. Tribunal arbitral impossibilitado de agir de forma tempestiva ou efetiva

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 116-120)