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Inexistência de renúncia à jurisdição arbitral

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 159-162)

5. COMPETÊNCIA PARA AS TUTELAS DE URGÊNCIA ARBITRAIS

5.8. Tutelas de urgência arbitrais e convenção de arbitragem

5.8.2. Inexistência de renúncia à jurisdição arbitral

O pedido de tutela de urgência perante as cortes estatais também não significa, em regra, renúncia à jurisdição arbitral ou revogação tácita da convenção de arbitragem.547

Independentemente da função da tutela de urgência pleiteada (conservativa ou antecipada), a parte interessada não pode ser prejudicada por simplesmente procurar salvaguardar seu direito por meio das cortes estatais.548

No caso de tutelas de urgência na fase antecedente à constituição do tribunal arbitral (supra, n. 5.5.1), deve-se lembrar que o Poder Judiciário, salvo estipulação de árbitro de emergência, é a única via existente para a parte interessada pedir ajuda.

compatibilidade das medidas de proteção e ressaltando que elas estão de acordo com o espírito da arbitragem: “The purpose of interim measures of protection [by courts] … is not to encroach on the procedural powers of the arbitrators but to reinforce them, and to render more effective decision at which the arbitrators will ultimately arrive on the substance of the dispute. Provided that this and no more is what such measures aim to do, there is nothing in them contrary to the spirit of international arbitration” (cf. transcrição em YESILIRMAK, Provisional measures in international commercial arbitration, par. 3-30, p. 79).

547. F

OUCHARD-GAILLARD-GOLDMAN, on International commercial arbitration, par. 1310, p. 714.

548. Depois de fazer a mesma afirmação, C

ARLEVARIS cita alguns exemplos de medidas que, corretamente, não foram consideradas como renúncia à jurisdição arbitral por tribunais arbitrais sob a administração da CCI: “per esempio, in cso di istanza di sequestro di conto bancario, di inibitoria dell’escussione di una garantia bancaria, di richiesta di autorizzazione a concludere un contrato con diverso subcontraente, dopo l’abbandono del cantiere d parte del primo. Alle stesse conclusioni la giurizprudenza arbitrale è giunta anche in casi più dubbi, quali istanze volte ad otenere il pagamento di provvisionali” (cf. La tutela

Inexiste “incompatibilidade, de fato, entre o recurso ao Poder Judiciário e a arbitragem quando, em situação de urgência, vê-se uma das partes na contingência de precisar de tutela emergencial antes da constituição do tribunal arbitral”, conforme ressalta CARMONA.549

Aliás, mesmo se já constituído o tribunal arbitral, a busca por tutelas de urgência perante as cortes estatais não pode ser considerada como renúncia à jurisdição arbitral, pois, conforme explicado, há situações nas quais o tribunal arbitral não é capaz de agir de forma tempestiva e efetiva (supra, n. 5.5.2).

Se a conduta da parte interessada for considerada indevida ou abusiva, pode haver a sua rigorosa punição por litigância de má-fé e despesas processuais, mas não se pode simplesmente entender a sua conduta como revogação da vontade de submeter o litígio à jurisdição arbitral.

Por essas razões, a compatibilidade entre as tutelas de urgência concedidas por juízes e a convenção de arbitragem é reconhecida por importantes regulamentos arbitrais internacionais, tais como os regulamentos da UNCITRAL, da CCI, da ICDR-AAA e da SCC.550

O raciocínio acima exposto, todavia, obviamente, só vale em se tratando de tutelas de urgência. O objetivo deve ser o de assegurar que o resultado do processo arbitral não acabe prejudicado ou se tornando ineficaz em razão de conduta da parte adversa.

549. Cf. parecer “Contrato de joint venture”, p. 157.

550. É o previsto no art. 26(3) do Regulamento UNCITRAL; no art. 28(2) do Regulamento CCI e art.

23(2) do Regulamento CCI 1998; no art. 21(3) do Regulamento ICDR-AAA 1997; no art. 31(2) do Regulamento 1999 da Câmara de Comércio de Estocolmo. A Convenção de Genebra de 1961, em seu art. VI(4), também possui previsão de compatibilidade entre tutelas de urgência perante as cortes estatais e a jurisdição arbitral: “A request for interim measures or measures of conservation addressed to a judicial authority shall not be (...) regarded as a submission of the substance of the case to the court”.

Caso o interessado utilize-se das cortes estatais para efetiva e deliberadamente colocar em litígio o mérito da questão, com a finalidade de resolução definitiva da disputa, naturalmente a conclusão seria outra. A prática de atos incompatíveis com a vontade de arbitrar determinada matéria leva, caso a parte adversa não apresente exceção de convenção de arbitragem, à revogação tácita da convenção de arbitragem.551-552

551. L

EW-MISTELIS-KRÖLL, Comparative international commercial arbitration, par. 23-119, p. 620. CARMONA lembra que a convenção de arbitragem pode ser objeto de renúncia expressa ou tácita. O primeiro caso “consubstancia-se ordinariamente num distrato, de modo que as partes que contrataram resolvem, de comum acordo, desmanchar o que haviam feito; a revogação tácita opera-se pela prática de ato material incompatível com a vontade de manter o que havia sido anteriormente acertado, também de comum acordo” (cf. parecer “Contrato de joint venture”, p. 155).

552

. Existe intensa divergência doutrinária sobre a natureza dessa defesa: objeção ou exceção. Parte da doutrina defende que, ao alterar o art. 301, § 4.º, do Código de Processo Civil, o legislador explicitou que só o compromisso arbitral precisa ser alegado pelo réu em preliminar de contestação. A cláusula compromissória, por sua vez, não foi objeto de exclusão pelo legislador. Dessa forma, enquanto o compromisso arbitral teria natureza de exceção e não poderia ser conhecido de ofício, a cláusula compromissória teria a natureza de objeção processual e seria passível de conhecimento de ofício, pois a exceção do art. 301, § 4.º, do Código de Processo Civil diz expressamente compromisso arbitral (cf. dentre outros, CARMONA, Arbitragem e processo, p. 103; MARCATO. Código de Processo Civil

interpretado, p. 992). Para outra parte da doutrina, porém, a não modificação do art. 301, § 4.º, teria sido

mero deslize o legislador, que alterou a redação do art. 301, inc. IX, mas esqueceu-se de fazer o mesmo com o § 4.º. Além do mais, essa corrente doutrinária aponta que a própria Lei de Arbitragem, em seu art. 3.º, equiparou expressamente a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, não havendo razões lógicas para que tal equiparação não seja respeitada no que diz respeito à alegação do réu em preliminar de contestação. Tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral seriam formas de convenção de arbitragem, não fazendo nenhum sentido a diferenciação pretendida pela outra corrente doutrinária. (cf., dentre outros, SCARPINELLA BUENO, Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 2, tomo I, p. 175; MARINONI-MITIDIERO, Código de Processo Civil comentado, p. 310). Sem fazer referência à legislação brasileira, FOUCHARD-GAILLARD-GOLDMAN, depois de reiterarem que a arbitragem decorre da vontade das partes, consignam que a renúncia à via arbitral deve ser, da mesma forma, ato da parte (e não do juiz): “it is not for the court hearing a dispute covered by an arbitration agreement to declare ex officio that it has no jurisdiction. By bringing a court action on the merits, the plaintiff waives the benefit of the arbitration agreement. By participating in the proceedings without challenging the court's jurisdiction, the defendant likewise accepts that jurisdiction. The parties' intentions coincide and the court must give effect to those intentions, just as it would with an agreement in any other form” (cf. on International commercial arbitration, par. 669, p. 404).

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 159-162)