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Papel das cortes estatais durante o processo arbitral

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 170-174)

6. TUTELAS DE URGÊNCIA ARBITRAIS NO DIREITO BRASILEIRO

6.4. Análise de duas questões adicionais no direito brasileiro

6.4.1. Papel das cortes estatais durante o processo arbitral

Afirmar que o árbitro possui competência para a concessão de tutelas de urgência não é o mesmo que afirmar que a competência dele é exclusiva durante o curso do processo arbitral. O papel das cortes estatais pode seguir: (a) modelo por meio do qual a parte está livre para escolher, durante o curso do processo arbitral, o órgão que estiver em melhores condições para preservar o seu direito (competência concorrete; supra, n. 5.6.1); e, (b) modelo no qual a competência é exclusiva do árbitro, sendo admitida a intervenção das cortes estatais apenas em casos excepcionais, diante de restrições materiais ou jurídicas do árbitro (supra, n. 5.6.3).

As vantagens e desvantagens de cada modelo já foram objeto de exposição anteriormente. A questão aqui é saber como as cortes estatais posicionam-se sobre a questão.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de voto do Des. PEREIRA CALÇAS, manifestou-se no sentido de que “a instauração de procedimento arbitral não inibe o ajuizamento de medidas cautelares perante o Judiciário”, o que daria a entender a adoção do modelo da competência concorrente.571 Em momento posterior,

571. TJ-SP, Apelação 0183551-91.2011.8.26.0100, Relator P

EREIRA CALÇAS, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 26.06.2012.

contudo, a decisão menciona “medidas coercitivas de urgência ou executivas, para as quais os árbitros não têm atribuição”, de forma que não fica claro se seria possível a propositura de demandas pleiteando tutelas de urgência, ou apenas o auxílio do juiz para efetivação das medidas decretadas pelo árbitro.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, apesar de não ter enfrentado o assunto de forma específica, parece ter se posicionado de forma contrária ao modelo da competência concorrente, reforçando a competência exclusiva do árbitro. De acordo com o voto da Min. NANCY ANDRIGHI, essa competência exclusiva não precisa ser observada apenas “em situações nas quais o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar” e que a competência das cortes estatais é “precária e não se prorroga, subsistindo apenas para a análise do pedido liminar”.572

Ainda que essa manifestação tenha se dado no contexto de demanda antecedente para assegurar o resultado útil da arbitragem, as conclusões demonstram posição clara em favor da competência exclusiva do árbitro. Pelos motivos já expostos anteriormente, a posição do Superior Tribunal de Justiça mostra-se alinhada com a necessidade de previsibilidade e de respeitar-se a autonomia da vontade das partes (supra, n. 5.6.2).

6.4.2. Tutelas de urgência arbitrais e convenção de arbitragem

Conforme mencionado, a experiência mostra que a necessidade de tutela de urgência surge, na sua grande maioria, na fase em que surge o litígio.573 Nessa fase pré-arbitral, há limitação material à competência dos árbitros, uma vez que ainda não

572. STJ, REsp 1297974/RJ, Rel. Ministra N

ANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 12/06/2012, DJe 19/06/2012. Posteriormente, no mesmo sentido, cf. STJ, AgRg na MC 19.226/MS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 21/06/2012, DJe 29/06/2012.

573. J

AN SCHAEFER, “New solutions for interim measures of protection in international commercial arbitration: English, German and Hong Kong law compared”, p. 20 e ss.; CARLEVARIS, La tutela

cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 76; ROSA ALCAMÍ, Medidas cautelares en el arbitraje

houve a aceitação do encargo e, portanto, não existe órgão constituído (Lei de Arbitragem, art. 19).

Sabendo-se que, na ausência da jurisdição arbitral, as partes socorrem-se das cortes estatais, havia o risco de os juízes entenderem que não teriam competência para conceder medidas de urgência em razão da convenção de arbitragem (supra, n. 5.8.1). No entanto, o risco não se materializou.

Chamadas a ajudar antes da constituição dos tribunais arbitrais, as cortes estatais reiteradamente manifestaram-se competentes para decretar tutelas de urgência.574 Conforme decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, “a doutrina e a jurisprudência têm admitido o recurso à justiça estatal quando ainda não instituída a arbitragem, dado o caráter urgente da medida, e porque, para a instituição do juízo arbitral são necessários vários passos”.575

574. Sobre o assunto, cf. S

AMANTHA LONGO, “Ação cautelar visando à obtenção de medida urgente ajuizada perante o Poder Judiciário quando ainda não constituído o tribunal arbitral. Possibilidade”, p. 237 e ss.

575. TJ-MG, AI 1.0480.06.083392-2001, Relator D

OMINGOS COELHO, Décima Segunda Câmara Cível, julgado em 14.02.2007. Cf. ainda, no mesmo sentido: TJ-MG, AI 2.0000.00.410.533-5000, Relator ALVIMAR DE ÁVILA, Quarta Câmara Cível, julgado em 27.08.2003; TJ-RJ, Apelação 0167314- 51.2009.8.19.0001, Relatora HELDA LIMA MEIRELES, Décima Quinta Câmara Cível, julgado em 17.01.2012; TJ-RJ, Apelação 16879/2003, Relator SERGIO CAVALIERI FILHO, Segunda Câmara Cível, julgado 24/09/2003; TJ-DFT, AI 20110020037401AGI, Relator LÉCIO RESENDE, Primeira Turma Cível,

julgado em 02.06.2011; TJ-SP, Apelação 0199374-42.2010.8.26.0100, Relator FLAVIO ABRAMOVICI, Segunda Câmara de Direito Privado, julgado em 31.07.2012; TJ-SP, AI 0028062-36.2012.8.26.0000, Relator FRANCISCO LOUREIRO, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 08.05.2012; TJ-SP, AI 0085563-16.2010.8.26.0000, Relator J.L.MÔNACO DA SILVA, Quinta Câmara de Direito Privado, julgado em 18.07.2012; TJ-SP, AI 0119999-30.2012.8.26.0000, Relatora MAIA DA CUNHA, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 28.08.2012; TJ-SP, AI 0163141- 84.2012.8.26.0000, Relatora MAIA DA CUNHA, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 28.08.2012; TJ-SP, AI 0171478-62.2012.8.26.0000, Relatora MAIA DA CUNHA, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 28.08.2012; TJ-SP, AI 0205933- 78.2011.8.26.0100, Relator ENIO ZULIANI, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 05.06.2012; TJ-SP, AI 0254079-62.2011.8.26.0000, Relator JAYME QUEIROZ LOPES, Trigésima Sexta Câmara de Direito Privado, julgado em 12.04.2012; TJ-SP, AI 0316720-57.2009.8.26.0000, Relator FRANCISCO LOUREIRO, Sexta Câmara de Direito Privado, julgado em 22.03.2012; TJ-SP, AReg 0034444- 45.2012.8.26.000050000, Relatora LIGIA ARAÚJO BISOGNI, Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 29.05.2012; TJ-SP, Apelação 0130492-28.2010.8.26.0100, Relator MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHO, Trigésima Quinta Câmara de Direito Privado, julgado em 26.03.2012; TJ-SP, Apelação 0190339-24.2011.8.26.0100, Relator ARALDO TELLES, Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 10.04.2012.

Além dos fundamentos já desenvolvidos anteriormente (supra, n. 5.5.1), um em especial é mencionado reiteradamente na jurisprudência: o adágio latino quando est periculum in mora incompetentia non attenditur.

Conforme relata OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, trata-se de fórmula encontrada para garantir que mesmo juiz incompetente pudesse conhecer da demanda cautelar.576 PONTES DE MIRANDA informa que esse adágio foi extraído originariamente do direito lusitano, por construção de SILVESTRE GOMES MORAES das Ordenações Filipinas.577

Fato é que, atualmente, inexiste dúvida sobre a competência das cortes estatais, mesmo diante de convenção de arbitragem, para manifestar-se “em situações nas quais o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar”.578

576. Cf. Do processo cautelar, p. 154. 577

. Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, t. XII, p. 59.

578. STJ, REsp 1297974/RJ, Rel. Ministra N

ANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 12/06/2012, DJe 19/06/2012. Posteriormente, no mesmo sentido, cf. STJ, AgRg na MC 19.226/MS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 21/06/2012, DJe 29/06/2012.

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 170-174)