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Tribunal arbitral impossibilitado de agir de forma tempestiva ou efetiva

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 120-125)

5. COMPETÊNCIA PARA AS TUTELAS DE URGÊNCIA ARBITRAIS

5.5. Limitações materiais e jurídicas à competência dos árbitros

5.5.2. Tribunal arbitral impossibilitado de agir de forma tempestiva ou efetiva

Eventuais limitações à possibilidade de os árbitros adotarem tutelas de urgência não existem exclusivamente na fase anterior à aceitação do encargo pelos árbitros. Embora de forma muito mais rara, há situações em que, mesmo com a constituição do tribunal arbitral, a intervenção das cortes estatais pode ser essencial.

Essas situações podem ser resumidas em duas categorias: (i) impossibilidade momentânea de agir tempestivamente; ou (ii) impossibilidade de proferir decisão efetiva diante do caso concreto.411

A primeira categoria é de fácil percepção e aplicabilidade. Trata-se de hipótese de limitação material à atividade dos árbitros. Isso ocorre em qualquer situação na qual a análise do pedido de tutela de urgência não seja possível. Exemplificativamente, pode-se mencionar caso em que a indicação do árbitro foi impugnada, houve a renúncia do árbitro ou até mesmo casos de doença grave ou morte dele. Pode ocorrer, ainda, de a instituição arbitral ou o árbitro estar de férias ou totalmente inacessível por qualquer motivo.412

No caso de arbitragem conduzida por árbitro único, não há nenhuma dúvida de que a parte interessada deverá socorrer-se das cortes estatais diante da impossibilidade momentânea de o árbitro único agir tempestivamente.

No caso de processo arbitral conduzido por mais de um árbitro (geralmente três árbitros), certo é que as decisões devem ser tomadas de forma

411

. Grosso modo, esses parecem ser os critérios apontados por YESILIRMAK com base em decisões CCI (cf. Provisional measures in international commercial arbitration, par. 3-62, p. 94 e ss). DERAINS- SCHWARTZ parecem seguir a mesma linha de pensamento: “Once the Arbitral Tribunal has been seized, except possibly in cases of extreme urgency or where it is clear that the Arbitral Tribunal could not grant the relief required, the prudent course would therefore probably be to seek the Arbitral Tribunal's intervention first” (cf. Guide to the ICC rules of arbitration, p. 299). CRAIG-PARK-PAULSON, por outro lado, parecem seguir uma linha mais branda, mas sempre com base em casos concretos (cf. International

Chamber of Commerce arbitration, par. 27.02, p. 473). 412

colegiada. Caso um dos árbitros esteja impossibilitado momentaneamente de agir, a análise do pedido de tutela de urgência também deve ser direcionada às cortes estatais.

Salvo acordo em sentido contrário pelas partes ou previsão de regulamento arbitral concedendo, por exemplo, competência para o presidente do tribunal arbitral decidir em nome de todos os árbitros ad referendum, não é possível que os árbitros remanescentes decidam sozinhos a questão.413 Embora essa solução possa ser contestada sob o argumento de que, no caso de ausência de apenas um árbitro, a decisão dos demais seria suficiente para constituir maioria, esse argumento não pode ser aceito, sob pena de subverter a vontade das partes de ter seu pedido de tutela (provisória ou definitiva) decidido com a devida participação de todos os árbitros.414

Os exemplos são talvez pouco usuais, mas que não podem ser ignorados pelo estudioso. Nessas circunstâncias, a parte interessada estará legitimada a procurar as cortes estatais. Para tanto, precisa apenas demonstrar, de forma sumária, que a via arbitral não está disponível momentaneamente.

A segunda categoria é de trato mais complexo e a sua aferição só será possível diante do caso concreto. Trata-se de casos em que existe limitação jurídica à efetividade da decisão dos árbitros.

A despeito de o tribunal arbitral estar constituído, eventual decisão tomada pelos árbitros pode eventualmente não ser efetiva. O que permite essa exceção à regra é a urgência.415 Como diz DONALD DONOVAN, “quando o tribunal não puder agir

413 . C

ARMONA menciona, de forma semelhante, que o presidente do tribunal arbitral “por diversas vezes haverá de tomar decisões interlocutórias sozinho”, mas, ao que parece, também faz a ressalva sobre a necessidade de previsão dessa possibilidade pelas partes ou regulamento (cf. Arbitragem e processo, p. 218). Em sentido contrário, admitindo a competência de o presidente do tribunal arbitral decidir sozinho, porém sem maiores justificativas, cf. PIERRE KARRER, “Interim measures issued by arbitral tribunals and the courts: less theory, please”, p. 108.

414. A moderna visão do contraditório estabelece que ele só estará assegurado com a devida participação

não apenas das partes, mas também dos julgadores (cf. DINAMARCO, “O princípio do contraditório e sua dupla destinação”, p. 517 e ss.). A hipótese aqui tratada não se confunde com o caso em que os árbitros deliberam conjuntamente, mas, por qualquer motivo, a decisão é assinada apenas pelo presidente, em nome de todos os árbitros.

415. C

rapidamente o suficiente para conceder tutela efetiva, as partes devem ter a opção de pedir diretamente às cortes”.416

A urgência, todavia, não pode ser simplesmente a mesma necessária à concessão de tutela de urgência. É preciso que ela seja qualificada ou de grau superior. Nas palavras de BLACKABY-PARTASIDES-REDFERN-HUNTER, a urgência deve ser “extrema”.417 Falando da experiência CCI, YESILIRMAK classifica essa urgência como “extraordinária ou talvez excepcional”.418 De fato, caso assim não fosse, a exceção passaria a ser a regra, de forma totalmente invertida e indesejada.

Exemplo comum dessa situação de urgência ocorre quando a efetivação de determinada tutela de urgência, uma vez concedida, deva ser realizada em outro país, fora dos limites do local da arbitragem.419 Mesmo que o tribunal arbitral atue de forma tempestiva, a efetividade da medida estará prejudicada em razão do lento trâmite internacional para fazer com que aquela medida seja cumprida em outro local. Não são todas as jurisdições que estão preparadas para dar efetividade às tutelas de urgência proferidas fora dos seus limites territoriais.420 Isso sem mencionar os problemas que podem decorrer do fato de alguns países não aceitarem ou não possuírem previsão para reconhecimento e execução de tutelas de urgência arbitrais advindas de outras jurisdições.421

416. Confira-se o raciocínio integral do autor: “Unlike a court, an arbitral tribunal is not a standing body

and may take longer to convene to rule upon a request. Where the tribunal cannot act quickly enough to provide effective relief, parties should have the option of applying directly to the courts” (cf. “The allocation of authority between courts and arbitral tribunals to order interim measures: a survey of jurisdictions, the work of UNCITRAL and a model proposal”, p. 238).

417. Cf.Redfern and Hunter on international arbitration, par. 7.23, p. 446.

418. Cf. Provisional measures in international commercial arbitration, par. 3-62, p. 94 419. P

IERO BERNARDINI: “It may prove that, in certain situations, it would be more convenient for a party to resort directly to the state court rather than first to the arbitrator and then to the court in order to obtain the enforcement of the arbitrator's order… [particularly when] the order in question is to be enforced abroad or when urgency suggests avoiding a double-stage procedure” (cf. “The powers of the arbitrator”, p. 29). Falando também sobre dificuldades de execução para medidas for a dos limites do local da arbitragem, cf. BLACKABY-PARTASIDES-REDFERN-HUNTER, Redfern and Hunter on international

arbitration, par. 7.20, p. 446. 420. C

HARLES PRICE, “Conflict with state courts”, p. 40.

421. Sobre os desafios internacionais enfrentados para a execução de tutelas de urgência fora do local da

arbitragem e a experiência brasileira, cf. infra, n. 10.5. Sobre o papel das cortes estatais brasileiras para o cooperaçãoa arbitragens em trâmite no exterior, cf. infra, n. 7.6.

Outro exemplo em que pode ser justificável a intervenção das cortes estatais durante o curso do processo arbitral diz respeito ao caso no qual a parte requerente precisará, como consequência da tutela concedida e em caráter de urgência, inevitavelmente de atos de coerção direta praticados contra o requerido.422

Neste caso, mesmo que haja atuação tempestiva do tribunal arbitral, a necessidade essencial de atos de coerção faz com que o procedimento – de primeiro decidir a questão para depois enviar requerimento de assistência às cortes estatais – possa ser demasiadamente demorado, de forma a aconselhar que o pedido seja formulado diretamente ao juiz.423 Imagine-se hipótese em que a parte interessada consiga demonstrar claramente que a parte adversa está na iminência de destruir determinada prova relevante ao caso ou de defazer-se de determinado bem, o qual é objeto da controvérsia.424 Não se pode negar que eventuais ordens de busca e apreensão ou de sequestro, respectivamente, demandam neste caso essencialmente a prática de atos de coerção. Como consequência, devem-se admitir, em caráter excepcional e diante das pertinentes justificativas de urgência, pedidos dirigidos diretamente ao juiz.

Há casos em que o simples conhecimento do pedido, pela parte adversa, é capaz de ocasionar a inefetividade de eventual medida concedida pelos árbitros.425 Existe, atualmente, forte discussão sobre o cabimento, no processo arbitral, de tutelas de urgência concedidas sem a oitiva da parte contrária (infra, n. 9.5). Se, no caso concreto, não houver previsão pelas partes ou pelo regulamento arbitral de medidas ex parte, este fator, cumulado com a urgência, pode justificar que o pedido seja formulado perante as

422. D

ONALD DONOVAN:“Instead of applying to an arbitral tribunal for a decision about interim measures and then to a court to enforce the arbitral order, there may be cases where it would be more convenient, or even necessary, for a party to apply to courts directly for an order of interim measures” (cf. “The allocation of authority between courts and arbitral tribunals to order interim measures: a survey of jurisdictions, the work of UNCITRAL and a model proposal”, p. 204).

423 . C

HARLES PRICE, “Conflict with state courts”, p. 47.

424. G

RIERSON-VAN HOOFT apresentam a mesma opinião, citando hipótese em que é pouco provável de a parte cumprir voluntariamente: “Where an order is sought that will likely require immediate enforcement by a national court because the party is unlikely to comply with it voluntarily (e.g., an asset-freezing order)” (cf. Arbitrating under the 2012 ICC rules, pp. 157-158).

425. B

LACKABY-PARTASIDES-REDFERN-HUNTER, Redfern and Hunter on international arbitration, par. 7.22, p. 447; PIERO BERNARDINI, “The powers of the arbitrator”, p. 21.

cortes estatais.426 A parte interessada precisa apenas comprovar, com o pedido formulado perante a corte estatal, a impossibilidade de formular tal pedido de forma ex parte na via arbitral e o risco de ineficácia do provimento caso a parte adversa tome conhecimento prévio do pedido.

Essas duas categorias de exceções, todavia, devem ser sempre enfrentadas com muita cautela pelos juízes.427 A cooperação estatal é essencial para os casos em que realmente exista extrema urgência, mas pode ir de encontro à vontade das partes se mal utilizada. As cortes estatais, portanto, precisam exercer essa competência excepcional com extremo cuidado e devem rejeitar pedidos abusivos.428

A boa fé processual determina, inclusive, que haja a comunicação imediata ao tribunal arbitral dos atos tomados perante as cortes estatais, de modo que os árbitros possam, assim que cessada a incapacidade momentânea ou a situação de extrema urgência, reassumir a sua competência no assunto.429 A competência das cortes estatais é precária e restrita ao tempo absolutamente essencial para responder à urgência do caso concreto.

426. G

RIERSON-VAN HOOFT afirmam que, de acordo com o Regulamento CCI 2012, em regra não é permitida a adoção de medidas sem oitiva da parte contrária:“Where an order may be useless unless it can be granted without the party against whom it is granted knowing that it has been applied for (e.g., an order for the preservation of evidence, where that party may simply expedite the destruction of the evidence if it learns about the application). In such cases, an ex parte application will be required, which generally can be made only to a national court and not to an arbitral tribunal operating under the ICC Rules”. (cf. Arbitrating under the 2012 ICC rules, pp. 157-158). Cf. ainda CHARLES PRICE, “Conflict with state courts”, p. 47.

427. L

EW-MISTELIS-KRÖLL reforçam o caráter excepcional da intervenção das cortes estatis: “In any case the court shall act only if or to the extent that the arbitral tribunal, and any arbitral or other institution or person vested by the parties with power in that regard, has no power or is unable for the time being to act effectively” (cf. Comparative international commercial arbitration, par. 23-126, p. 623).

428. Essa advertência também é feita por Y

ESILIRMAK: “courts should have the power to grant provisional measures but they should exercise utmost caution in exercising such power and should deny oppressive and vexatious applications” (cf. Provisional measures on international arbitration, n. 3.4.2, p. 79).

429. É o que determina, a título de exemplo, a parte final do art. 28(2) do Regulamento CCI 2012:

“Quaisquer pedidos ou medidas adotadas pela autoridade judicial deverão ser notificados sem demora à Secretaria, devendo esta informar o tribunal arbitral”.

No documento Tutelas de urgência e processo arbitral (páginas 120-125)