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Autenticidade/Congruência – Abertura e transparência

2. DA LUDOTERAPIA NÃO-DIRETIVA À LUDOTERAPIA CENTRADA NA

3.3. O pensamento ético levinasiano e a psicoterapia na ACP

3.3.2. Aproximações entre a ética levinasiana e a ACP

3.3.2.2. ACP como um encontro “Tu-Eu” em Schmid

3.3.2.2.5. Autenticidade/Congruência – Abertura e transparência

A autenticidade, característica fundamental do tornar-se pessoa rogeriano, é muito mais que uma atitude terapêutica. Rogers (2001[1961]) já compreendia a congruência a partir da “auto-conscientização” e da “transparência” na relação com o outro. Não bastaria, então, estar consciente do que sente naquela relação; se deveria, também, não representar uma fachada frente ao cliente. A partir da compreensão de Schmid (2001a), na qual o indivíduo é constituído de uma dimensão substancial e uma dimensão relacional, o autor argumenta que esta condição facilitadora respeita a visão de ser humano como substância e relação. A dimensão substancial delineia quem a pessoa é; a dimensão relacional acentua como nos tornamos pessoa. A congruência seria, então, a capacidade humana de tornar-se “autor” de sua vida no processo terapêutico.

A autenticidade, então, ganhou nuances diferenciadas a partir das concepções privada (substancial) e coletiva (ou relacional). Na dimensão substancial, a pessoa se constitui como autor de suas próprias simbolizações. A pessoa genuína vive profundamente o que ela é no momento imediato, sendo isto representado pela comunicação fluida entre noção de eu (self) e as experiências organísmicas. Portanto, há congruência entre consciência e organismo, há uma abertura da pessoa para consigo.

Essa atitude também pode ser entendida em termos de abertura para o outro. Na dimensão relacional, temos como característica a transparência, a correspondência entre a experiência organísmica da pessoa e a comunicação desta para os outros. Se a experiência, sua representação e sua comunicação coincidem, a pessoa está congruente. Ser autêntico, na

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Schmid (2001a) não faz diferenciação direta, em seu texto, entre a congruência e a autenticidade. Segundo Gobbi et al. (2002), autenticidade e congruência são utilizadas como sinônimas. “Originalmente, Rogers utilizava-se de um conceito que muito se aproximava da ideia de ‘sinceridade’ (genuineness) que, ao traduzir em termos conceituais foi abandonada por não convir às necessidades de teoria” (p. 32). Abbagnano (2007,p. 173) assim conceitua congruência, “adequação [...] isto é, adequada ao trabalho ou ao mérito”. No site http://origemdapalavra.com.br/ (acesso em 02 abr. 2012), a etimologia de congruência vem do Latim congruens, “adequado, apropriado, que serve para o que se quer”, de congruere, “concordar, corresponder”, formado por com, “junto”, mais o verbo desaparecido gruere, “cair, apressar-se”. Abbagnano (2007), ao falar de Autenticidade, faz referência à ideia de Jaspers, que indica que o ser que é próprio do homem, em contraposição à perda de si mesmo ou de sua própria natureza, que seria a inautenticidade. Em http://origemdapalavra.com.br/: do latim authenticus, do grego authentikos, “original, genuíno, principal”, de authentes, “a si mesmo”, e hentes, “ser, o que faz”. Para a finalidade de desenvolvimento deste trabalho, assim como Schmid, utilizaremos os termos de forma indistinta no decorrer do texto.

noção de pessoa apresentada por Schmid (2001a), significa tornar-se seu próprio autor, tanto consigo próprio quanto na relação com os outros.

A autenticidade, num processo dialético (SCHMID, 2001a), fomenta o encontro63, e o encontro fomenta a autenticidade. No evento do encontro, devo tornar-me presença para o Outro. Esta atitude seria o fundamento da comunicação com o outro, ao invés de expressar uma comunicação sobre o outro. O diálogo requer uma olhar para a outra pessoa como Outro (que não pode ser conceituada ou interpretada, mas reconhecida em sua diferença). No processo terapêutico, quando me comunico com o cliente, não há possibilidade de vê-lo como semelhante a mim, mas como verdadeiramente outro, absolutamente diferente. O outro é um enigma e o trabalho do terapeuta é facilitar o processo de abertura desse outro. Diferentemente da maioria das comunicações cotidianas, não tentamos entender o outro a partir de qualquer tipo de relação de semelhança (SCHMID, 2001a).

A relação, para Lévinas, segundo Schmid (2001a), deve ser compreendida como uma relação Tu-Eu, pela condição de exigência que se dá na chegada da alteridade do Outro. Pensar sobre congruência, nessa perspectiva, implica diferença. Não se pode ser congruente, autêntico, sem considerar a alteridade. E essa alteridade não se dá somente quanto ao outro que está à minha frente, mas também aos muitos outros que aparecem com a presença do primeiro outro. No entanto, a presença desse outro suscita a presença de outros, sugere que consideremos esse outro no contexto de suas outras relações. Esse ponto sobre a necessidade de não deixar de lado a influência dos terceiros Outros na relação terapêutica com a criança será desenvolvido no quarto capítulo a partir da ideia dos pais como esses terceiros, que influenciam diretamente a psicoterapia da criança, mesmo que não sejam, de fato, os clientes.

Assim, não há a possibilidade de se pensar a psicoterapia individual, por exemplo, como uma relação, unicamente, de uma pessoa para outra pessoa, desconsiderando seus outros contextos relacionais. Ser congruente, no momento do atendimento psicoterápico, portanto, significa mais que ser espontâneo, abster-se de julgamentos de valor ou posições objetivas acerca do outro. Precisa considerar o Outro e os terceiros que se apresentam para que o encontro face a face aconteça.

O processo psicoterapêutico centrado na pessoa, para Schmid (2001a), facilita o processo do cliente de tornar-se o autor de sua vida. Isso significa que o cliente aprende e desenvolve a sua congruência, ao invés de passar de um estado de “não ter” para “ter” congruência. Logo, a relação terapêutica não aconteceria sem ser, minimamente, mútua:

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abertura, capacidade de conscientização, disponibilidade para a experiência de desalojamento (ADVÍNCULA, 2001) mútuas, tanto do terapeuta quanto do cliente.

O desafio dessa relação mútua, mas desigual (lembrando aqui a impossibilidade de assemelhar outro e eu), é relacionar as partes autênticas da outra pessoa (no caso, o cliente): a conexão entre autenticidade, espontaneidade e criatividade. Ser espontâneo é o contrário de uma atitude artificial, da necessidade de uma fachada ou de repetição de situações passadas em contextos que se apresentam na atualidade. Ser criativo significa o guiar-se pela confiança na tendência atualizante.