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Consideração Positiva Incondicional como Habilidade de resposta (“response

2. DA LUDOTERAPIA NÃO-DIRETIVA À LUDOTERAPIA CENTRADA NA

3.3. O pensamento ético levinasiano e a psicoterapia na ACP

3.3.2. Aproximações entre a ética levinasiana e a ACP

3.3.2.2. ACP como um encontro “Tu-Eu” em Schmid

3.3.2.2.7. Consideração Positiva Incondicional como Habilidade de resposta (“response

A condição facilitadora da consideração positiva incondicional é descrita por Schmid (2001c) como uma atitude de reconhecimento, o dizer “sim” ao chamado do Outro como pessoa, aceitando esta sem condições, julgamentos e sem avaliações. O autor alerta, no entanto, que o reconhecimento significa mais do que não emitir juízo de valor. Significa uma forma ativa de, intencionalmente, dizer “sim” ao Outro como pessoa. O ponto crucial do reconhecimento é a incondicionalidade: não há mas, não há se. Aqui há atenção não presa às condições, o que garante a constância da atitude de reconhecimento.

O reconhecimento iniciar-se-ia a partir do interesse (que significa “ser entre”), da curiosidade e da abertura para o Outro. Essa atitude é intimamente ligada à empatia, já que só conseguimos aceitar o que entendemos (em algum grau) e só entendemos o que aceitamos. Outra questão levantada por Schmid (2001c) é que o reconhecimento só é possível quando há uma aceitação e reconhecimento da parte do que “vê” o Outro para consigo. Não há possibilidade de reconhecimento do Outro sem auto-reconhecimento.

Para que se reconheça a alteridade, há uma afeição para com o outro, baseada no respeito, um interesse real que não significa envolvimento emocional. As atitudes, os comportamentos, os sentimentos da outra pessoa são compreendidos como expressões

positivas68 da tendência atualizante. Schmid (2001c) deixa claro, assim como Rogers (no decorrer de sua obra), que aceitação, consideração, reconhecimento, não significam aprovar tudo o que o outro faz ou diz. De uma maneira mais profunda, significa uma apreciação do Outro em seu valor. A alteridade do Outro não é vista como perigosa, mas acolhida como enriquecimento. Apreciar a experiência do outro, que é absolutamente diferente da minha, não significa uma negação da minha experiência, já que é exatamente quando respondo ao chamado do Outro que me reconheço subjetivamente69.

O reconhecimento sem restrições fomenta auto-reconhecimento, auto-aceitação e auto-estima e promove proteção e cuidado com a pessoa. Portanto, Schmid sugere o reconhecimento mútuo de pessoas, no encontro, ao invés do conhecimento70 sobre o Outro, algo que significaria a totalização da alteridade tão criticada ao longo da obra de Lévinas.

Apesar da necessidade de nos mantermos alertas pelo enigma do encontro com outro ser humano (LÉVINAS, 1983 apud SCHMID, 2001c), o Outro que me chega a partir do Rosto não me é um estranho, mas sim um Tu71, no sentido buberiano da palavra. Por minha responsabilidade, respondo a essa chegada. Em Lévinas (1988[1961]), a resposta se dá como um “Eis-me”, deixando clara a minha disponibilidade intransponível para Outrem. A resposta, alerta Schmid (2001c), no entanto, não deve ser dada entendendo o outro como um objeto, como algo determinado por um tipo de conhecimento. Portanto, a resposta ao chamado do outro não se dá como conhecimento do outro. É fundamental o reconhecimento do outro na impossibilidade da assimilação completa.

A pessoa que nos chega em sua alteridade quebra nossos limites de conhecimento. O Outro nunca poderá ser conhecido ou identificado, pois com o conhecimento vem o julgamento, vem a tentativa de anulação da alteridade que me provoca resposta. O outro, como pessoa, é alguém que não pode ser compreendido, mas com quem posso ser empático (SCHMID, 2001c). Diante da alteridade do Outro, apenas podemos facilitar o seu processo de abertura, mas de uma forma não dirigida, não guiada. A direção da comunicação que estabeleço com outrem é inversa ao que usualmente entender-se-ia por comunicação: vem do Outro para mim e não de mim para o Outro, numa relação Tu-Eu:

68

Compreendidas como positivas não em um contexto absoluto, mas como a melhor escolha possível para aquela pessoa, no contexto em que ela se encontra e com as possibilidades que se apresentam a partir da noção de eu e das experiências simbolizadas (distorcidas ou não).

69

Lembrando que a responsabilidade pelo Outro, em Lévinas, faz parte de nossa constituição subjetiva.

70

Conhecimento aqui compreendido como a tentativa de assimilação do Outro a partir de representações, conceituação ou mesmo de qualquer tipo de identificação com o Mesmo, com o que é familiar para mim.

71

Relação ontológica estabelecida com outras pessoas, com coisas ou objetos, na qual eu sou pessoa no encontro, ao invés de egótico (o que acontece na relação Eu-Isso) (VON ZUBER, 1984).

Não tentamos entender o outro fazendo analogias de mim para ele, avaliando quem ou o que ele é. Nós tentamos entender o Outro através da abertura [e disponibilidade] ao que quer que o Outro mostre, experiencie, comunique ou revele” (SCHMID, 2001c, p. 161, tradução nossa)72.

Reconhecimento do Outro, como já explicitado anteriormente, exige-nos disponibilidade (e urgência) de resposta, uma habilidade para responder ao chamado do Outro. O desafio ético, portanto, é responder ao chamado, ao pedido da outra pessoa, seja em psicoterapia ou em qualquer outra relação interpessoal.

Como exposto anteriormente, a consideração positiva incondicional compreendida como reconhecimento é constituída pelas dimensões substancial e relacional. No conhecido diálogo entre Rogers e Buber (2008[1989], p. 236, grifo no original), o primeiro aborda que, como aspecto importante da relação intersubjetiva, “[...] sou capaz de perceber com bastante clareza como sua experiência lhe parece [...] e, ainda assim, sem perder contato com a minha própria pessoalidade ou separação no processo”. De um ponto de vista substancial, reconhecer a outra pessoa significa valorizá-la em sua singularidade e em sua capacidade de transcendência73.

Na dimensão relacional, o reconhecimento significa a resposta à necessidade do Outro de compreensão e solidariedade. O Outro sempre chega antes e sua chegada demanda resposta e, portanto, espera por parte deste Outro. Nesse ponto de vista, a alteridade do Outro nos chega como chamado e provocação. A esse chamado e a essa provocação, assim como abordado por Lévinas, não podemos escapar, já que ninguém poderia responder em meu lugar. Sou obrigado a responder, não há condição de escolha. Isso deixa claro a prioridade do Outro que se apresenta através do Rosto, através da pessoa que nos chega. Para Schmid, inicialmente, a relação que estabeleço com o Outro é assimétrica. Ser abordado pelo outro me exige em minha responsabilidade fundamental, denominada diaconia74. Respondendo ao Outro eu estou não mais do que cumprindo meu dever.

72

We do not try to understand the Other by making analogies from us to them, by estimating how or who they are. Rather we try to understand the Other by opening up to whatever they show, experience, communicate or reveal?

73

De seu sofrimento, de sua condição, de seu adoecimento.

74