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CAPÍTULO 3. A FEDERAÇÃO E O REGIME DE BENS IMÓVEIS

3.4. O PODER CONSTITUINTE DECORRENTE DOS ESTADOS E DO

3.4.1. Auto-organização e Normatização Própria

Soberana é a União. O Estado-membro é autônomo, sendo esta autonomia, por sinal, o aspecto mais importante e a principal característica dos Estados federados.

A autonomia se manifesta, sobretudo, pelo poder de auto-organização, ou seja, na possibilidade de o ente federativo editar sua Constituição e suas leis; ter, enfim, a sua própria ordem jurídica.

109 LOEWENSTEIN, Karl, em sua obra Teoria de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1970, p. 356, assinala que

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O Poder Constituinte atribuído aos Estados-membros é decorrente, sucessivo, portanto, subordinado ao Poder Constituinte originário, e os limites de seu exercício constam, expressa ou implicitamente, na Constituição Federal.

Ao elaborar e reformar sua Constituição, ao editar suas leis, o Estado-membro deve observar os princípios estabelecidos na Carta Magna, até por ser esta a lei maior, a lei suprema de toda a ordem jurídica, e na qual todo o direito positivo estatal vai buscar seu fundamento de validade.

Reza a Constituição Federal, no seu artigo 18, verbis: "A organização político- administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição."

A Constituição institucionaliza o poder, promovendo a repartição de competências e a descentralização política, indicativo maior do Estado Federal.

Os entes que integram a República são reciprocamente independentes, não havendo subordinação político-administrativa entre eles. Não estão submetidos a uma sujeição hierárquica. O princípio da igualdade também se aplica a essas coletividades estatais, conforme bem destacado na doutrina de Kelsen dos diferentes ordenamentos jurídicos existentes em um mesmo território.

Nossa Carta Magna estabeleceu três esferas de competência para essas quatro entidades estatais (o Distrito Federal, ente federativo sui generis, está equiparado aos Estados- membros, embora, por sua peculiaridade, possa exercer as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios, como diz o art. 32, § 1.°, da Carta Magna). No espaço de sua competência, dentro dos limites da repartição de atribuições feita pela Constituição Federal, cada ente federativo goza de ampla autodeterminação.

A sobreposição de três ordens jurídicas diferentes, de quatro governos distintos - da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios -, não gera problemas, contradições e conflitos, se houver respeito de cada uma dessas entidades ao respectivo círculo passível de

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atuação, decorrente da faixa de competência específica que foi estabelecida no Texto Fundamental.

No Brasil, a União detém os poderes que a Constituição Federal lhe conferiu, expressa ou implicitamente (CF, arts. 21 e 22). Os demais poderes, chamados remanescentes, reservados ou residuais, pertencem aos Estados-membros (CF, art. 25, § 1.°), exceto aqueles que, explícita ou implicitamente, forem outorgados aos Municípios (CF, art. 30).

Seguindo o modelo norte-americano, enumerando os poderes da União e reservando os poderes remanescentes aos Estados-membros, nossa Constituição, atendendo à feição tridimensional do federalismo brasileiro, inova, indicando, ainda, os poderes dos Municípios.

Numa federação, com vistas à descentralização, o aspecto capital da Constituição é a distribuição de poderes entre as coletividades integrantes, especialmente a divisão de competências entre a União e os Estados-membros.

O que se tem verificado, na prática, tanto no Brasil como em outras federações, é uma excessiva expansão das prerrogativas, das funções, das competências, enfim, dos poderes da União, em detrimento das outras unidades federadas.

Isso é preocupante, porque a centralização exacerbada fere o equilíbrio que deve existir entre os entes federativos, podendo também ensejar o surgimento de governos autoritários pela concentração excessiva de poderes no poder central.

A principal conseqüência da autonomia, como já afirmado, é poder o Estado-membro criar as suas próprias normas jurídicas, editar a sua Constituição, bem como revisá-la, modificá-la, adaptá-la às novas exigências sociais, políticas, econômicas.

Observa-se que a Constituição Federal garante a autonomia dos Estados-membros, afirmando no art. 25 que: "Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição." Em decorrência desse preceito constitucional pétreo, o art. 11, caput, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, com eficácia já esgotada, previa: "Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes,

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elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta."

O Poder Constituinte dos Estados é, portanto, decorrente da Constituição Federal e em relação a ela é derivado, podendo, entretanto, ser originário e derivado, sob o ponto de vista da criação e da modificação da Constituição Estadual. Porém, em qualquer caso, é um Poder Constituinte subordinado e limitado, como acima mencionado.

Assim, havendo na Constituição do Estado-membro dispositivo que colida com os princípios da Constituição Federal, o preceito é inconstitucional. Do mesmo modo, serão inconstitucionais leis e atos normativos estaduais incompatíveis com dispositivos da Carta Magna. O controle de constitucionalidade, nesses casos, pode ser exercido incidentalmente ou por meio de ação direta de inconstitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, a).

Em conclusão, os Estados-membros se auto-organizam por meio do exercício de seu poder constituinte derivado-decorrente, consubstanciando-se na edição das respectivas Constituições Estaduais e, posteriormente, por meio de sua própria legislação (CF, art. 25,

caput),110 sempre, porém, respeitados os princípios constitucionais sensíveis, princípios

federais extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos.111

Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente de princípios constitucionais sensíveis, a denotar, com isso, a expansão de poderes jurídicos na esfera das coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode afirmar quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios constitucionais estabelecidos, os quais, embora disseminados pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local, cuja identificação - até mesmo pelos efeitos restritivos que deles decorrem - impõe-se realizar.112

110 "Os Estados organizam-se e regem-se pelas constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta

constituição" (CF, art. 25, caput).

111 A) SILVA. José Afonso da. O Estado-membro na constituição federal. In: Revista de Direito Público.

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 16, 1971, p. 15. B) No item 3.3.3 definimos esses princípios constitucionais.

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3.4.2. Auto-organização e a Supremacia da Constituição Estadual perante as Leis Estaduais e